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Bilhões e Bilhões de Planetas Rochosos nas Zonas Habitáveis em Torno de Estrelas Anãs Vermelhas na Via Láctea

Esta concepção artística retrata o entardecer visto da super-Terra Gliese 667 Cc. A estrela mais brilhante no céu é a anã vermelha Gliese 667 Cc, que é parte de um sistema triplo de estrelas. As outras duas estrelas mais distantes, Gliese 667 A e B, aparecem no céu à direita. Astrônomos estimaram que existem dezenas de bilhões de planetas rochosos orbitando anãs vermelhas de baixa luminosidade somente na Via Láctea.

Um novo resultado do instrumento HARPS, o descobridor de planetas do ESO, mostra que os planetas rochosos não muito maiores que a Terra são bastante comuns nas zonas habitáveis em torno das estrelas vermelhas de baixa luminosidade. Uma equipe internacional de astrônomos estimou que existem dezenas de bilhões de tais planetas só na nossa galáxia, a Via Láctea, e provavelmente cerca de uma centena na vizinhança imediata do Sol. Esta é a primeira medição direta da frequência de super-Terras em torno de anãs vermelhas, as quais constituem cerca de 80% de todas as estrelas da Via Láctea.

Esta primeira estimativa direta do número de planetas leves em torno das estrelas anãs vermelhas foi anunciada por uma equipe internacional, que utilizou observações obtidas com o espectrógrafo HARPS instalado no telescópio de 3,6 metros que se encontra no Observatório de La Silla do ESO [1]. Uma outra notícia divulgada recentemente (eso1204), que mostrava que existem muitos planetas na nossa galáxia, utilizou um método diferente que não é sensível a esta importante classe de exoplanetas.

A equipe HARPS está à procura de exoplanetas que orbitam os tipos de estrelas mais comuns da Via Láctea – as anãs vermelhas (também conhecidas como anãs do tipo M [2]). Estas estrelas apresentam fraca luminosidade e são pequenas quando comparadas com o Sol, no entanto são muito comuns e vivem durante muito tempo, correspondendo por isso a 80% de todas as estrelas da Via Láctea.

“As nossas novas observações obtidas com o HARPS indicam que cerca de 40% de todas as estrelas anãs vermelhas possuem uma super-Terra que orbita na zona habitável, isto é, onde água líquida pode existir na superfície do planeta,” diz Xavier Bonfils (IPAG, Observatoire des Sciences de l´Univers de Grenoble, França), o líder da equipe. “Como as anãs vermelhas são muito comuns – existem cerca de 160 bilhões de estrelas deste tipo na Via Láctea – chegamos ao resultado surpreendente de que existirão dezenas de bilhões destes planetas só na nossa galáxia.”

A equipe HARPS analisou durante um período de seis anos uma amostra cuidadosamente selecionada de 102 estrelas anãs vermelhas que podem ser observadas no céu austral. Foram encontradas nove super-Terras (planetas com massas compreendidas entre uma e dez vezes a massa terrestre), incluindo duas no interior das zonas habitáveis das estrelas Gliese 581 (eso0915) e Gliese 667 C. Os astrônomos conseguiram estimar a massa dos planetas e a distância a que orbitavam as estrelas.

Combinando todos os dados, incluindo observações de estrelas sem planetas, e observando a fração de planetas existentes que poderiam ser descobertos, a equipe conseguiu descobrir quão comuns são os  diferentes tipos de planetas em torno de anãs vermelhas. O resultado é que a frequência de ocorrência de super-Terras [3] na zona habitável é de 41%, estendendo-se entre 28% e 95%.

Por outro lado, planetas de maior massa semelhantes a Júpiter e Saturno do nosso Sistema Solar, raramente se encontram em torno de anãs vermelhas. Prevê-se que estes planetas gigantes (com massas compreendidas entre 100 e 1000 vezes a massa terrestre) apareçam em menos de 12% deste tipo de estrelas.

Como existem muitas estrelas anãs vermelhas próximo do Sol, esta nova estimativa significa que existem provavelmente cerca de cem exoplanetas do tipo super-Terra nas zonas habitáveis de estrelas na vizinhança solar, a distâncias menores que 30 anos-luz[4].

“A zona habitável em torno de uma anã vermelha, onde a temperatura é favorável à existência de água líquida na superfície do planeta, encontra-se muito mais próxima da estrela do que a Terra do Sol,” diz Stéphane Udry (Observatório de Genebra e membro da equipe). “Mas sabe-se que as anãs vermelhas estão sujeitas a erupções estelares, o que faria com que o planeta fosse banhado por radiação ultravioleta e raios-X, tornando assim a vida mais improvável.”

Um dos planetas descobertos no rastreio HARPS de anãs vermelhas é o Gliese 667 Cc. Este é o segundo planeta descoberto neste sistema estelar triplo (ver eso0939 com a notícia do primeiro) e parece estar próximo do centro da zona habitável. Embora este planeta seja mais de quatro vezes mais pesado do que a Terra, é o “irmão gêmeo” mais parecido com a Terra encontrado até agora e possui quase com certeza as condições necessárias à existência de água líquida à sua superfície. É a segunda super-Terra descoberta no interior da zona habitável de uma anã vermelha durante este rastreio HARPS, depois de Gliese 581d, anunciado em 2007 e confirmado em 2009.

“Agora que sabemos que existem muitas super-Terras em órbita de anãs vermelhas próximas de nós, precisamos identificar mais delas utilizando tanto o HARPS como futuros instrumentos. Espera-se que alguns destes planetas passem em frente das suas estrelas hospedeiras à medida que as orbitam – o que nos dará uma excelente oportunidade de estudar a atmosfera do planeta e procurar sinais de vida,” conclui Xavier Delfosse, outro membro da equipe (eso1210).

Notas

[1] O instrumento HARPS mede a velocidade radial das estrelas com uma precisão extraordinária. Um planeta que se encontre em órbita de uma estrela faz com que esta se desloque para cá e para lá relativamente a um observador distante na Terra. Devido ao efeito Doppler, esta variação na velocidade radial induz um desvio no espectro da estrela na direção dos maiores comprimentos de onda quando a estrela se afasta (chamado desvio para o vermelho) e na direção dos menores comprimentos de onda quando esta se aproxima (desvio para o azul). Este minúsculo desvio do espectro da estrela pode ser medido por um espectrógrafo de alta precisão como o HARPS e utilizado para inferir a presença de um planeta.

[2] Estas estrelas chamam-se anãs do tipo M porque o seu tipo espectral é M, o que corresponde ao mais frio dos sete tipos espectrais pertencentes a um esquema simples de classificação das estrelas segundo a sua temperatura e a aparência do seu espectro.

[3] Planetas com massas entre uma e dez vezes a massa terrestre são chamados super-Terras. Embora não existam planetas deste tipo no nosso Sistema Solar, com exceção da Terra, eles parecem ser muito comuns em outros sistemas estelares. A descoberta deste tipo de planetas em órbita nas zonas habitáveis das estrelas é muito interessante porque, se os planetas forem rochosos e tiverem água como a Terra, poderão potencialmente abrigar vida.

[4] Os astrônomos usam dez parsecs na sua definição de “próximo”. Este valor corresponde a cerca de 32,6 anos-luz.

[5] O nome significa que o planeta é o segundo descoberto (c) a orbitar uma terceira componente (C) do sistema estelar triplo chamado Gliese 667. As companheiras estelares brilhantes Gliese 667 A e B seriam vistas de forma proeminente no céu de Gliese 667 Cc. A descoberta de Gliese 667 Cc foi anunciada independentemente por Guillem Anglada-Escude e colaboradores em Fevereiro de 2012, cerca de dois meses após a publicação eletrônica de Bonfils et al. Esta confirmação dos planetas Gliese 667 Cb e Cc por Anglada-Escude e colaboradores foi essencialmente baseada nas observações do HARPS e no processamento de dados da equipe europeia, dados estes tornados públicos através do arquivo do ESO. 

Fonte:

http://www.eso.org/public/brazil/news/eso1214/

Sérgio Sacani

Formado em geofísica pelo IAG da USP, mestre em engenharia do petróleo pela UNICAMP e doutor em geociências pela UNICAMP. Sérgio está à frente do Space Today, o maior canal de notícias sobre astronomia do Brasil.

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