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Novas Imagens do VLT Mostram Galáxias Distantes e Revelam Como o Nevoeiro Cósmico se Dissipou

Cientistas utilizaram o Very Large Telescope do ESO para sondar o Universo primordial a diferentes idades à medida que este se ia tornando transparente à radiação ultravioleta. Esta breve porém dramática fase da história cósmica – conhecida como reionização – ocorreu há cerca de 13 bilhões de anos. Ao estudar detalhadamente as galáxias mais distantes já encontradas, a equipe conseguiu determinar pela primeira vez a linha cronológica da reonização. A equipa demonstrou também que esta fase deve ter ocorrido mais depressa do que os astrônomos pensavam anteriormente.

Uma equipe internacional de astrônomos utilizou o VLT como uma máquina do tempo e observou no Universo primordial várias das galáxias mais distantes já detectadas. A equipe conseguiu medir distâncias de forma precisa e descobriu que estamos vendo estas galáxias tal como eram entre 780 milhões a 1 bilhão de anos depois do Big Bang [1].

As novas observações permitiram aos astrônomos estabelecer pela primeira vez uma linha cronológica para o que é conhecido como a Era da Reionização [2]. Durante esta fase o nevoeiro de hidrogênio gasoso estava a desaparecer, permitindo que a radiação ultravioleta atravessasse o Universo pela primeira vez sem ser impedida.

Os novos resultados que serão publicados na revista especializada Astrophysical Journal resultaram de uma procura longa e sistemática de galáxias distantes que a equipe executou ao longo dos últimos três anos.

“Os arqueólogos conseguem reconstruir uma linha cronológica do passado a partir dos artefatos que encontram em diferentes camadas no solo. Os astrônomos podem fazer melhor: podem olhar diretamente para o passado distante e observar a radiação tênue de diferentes galáxias em diferentes estados da evolução cósmica,” explica Adriano Fontana, do Observatório Astronômico de Roma, INAF, que liderou este projeto. “As diferenças entre as galáxias informam-nos sobre as condições do Universo em plena transformação durante este importante período de tempo e da rapidez com que estas mudanças ocorriam.”

Os diferentes elementos químicos brilham de modo intenso para determinadas cores. Estes picos de brilho são as chamadas linhas de emissão. Uma das mais intensas linhas de emissão no ultravioleta é a linha de Lyman-alfa, emitida pelo hidrogênio [3]. É brilhante e facilmente reconhecível, de modo que pode ser facilmente detectada mesmo em observações de galáxias muito tênues e distantes.

Ao encontrar a linha de Lyman-alfa em cinco galáxias longínquas [4] a equipe conseguiu descobrir dois facos muito importantes: primeiro, ao observar de quanto é que a linha estava deslocada para o vermelho no espectro, a equipe pôde determinar a distância às galáxias e consequentemente quão próximo depois do Big Bang estavam a ser observadas [5]. Este fato levou-os a colocar as galáxias por ordem, criando assim uma linha cronológica que mostra como é que a luz das galáxias evoluiu no tempo. Segundo, conseguiram determinar até que ponto a emissão de Lyman-alfa – vinda do hidrogênio brilhante que se encontra no interior das galáxias – é reabsorvida pelo nevoeiro de hidrogênio neutro no espaço intergaláctico em diferentes alturas no tempo.

“Observamos uma enorme diferença na quantidade de radiação ultravioleta que é reabsorvida entre as mais antigas e as mais recentes galáxias da nossa amostra,” diz a autora principal do artigo científico Laura Pentericci, do Observatório Astronómico de Roma, INAF. “Quando o Universo tinha apenas 780 milhões de anos o hidrogênio neutro era muito abundante, enchendo cerca de 10 a 50% de todo o volume do Universo. Mas apenas 200 milhões de anos mais tarde a quantidade de hidrogênio neutro tinha já diminuído para um nível muito baixo, semelhante ao que observamos hoje. Pensamos por isso que a reionização se deve ter dado muito mais rapidamente do que os astrônomos pensavam.”

Além de sondar a taxa à qual o nevoeiro primordial desapareceu, as observações da equipe sugerem também a fonte provável de radiação ultravioleta, a qual forneceu a energia necessária à ocorrência da reionização. Existem várias teorias que competem entre si sobre a origem desta radiação – duas das principais referem a primeira geração de estrelas no Universo [6] e a intensa radiação emitida pela matéria que cai em buracos negros.

“A análise detalhada da radiação tênue emitida pelas duas galáxias mais distantes que encontramos sugere que a primeira geração de estrelas pode ter contribuído para a energia libertada observada,” diz Eros Vanzella do INAF Observatório de Trieste, um membro da equipe de investigação. “Seriam estrelas muito jovens e de grande massa, cerca de cinco mil vezes mais jovens e com cem vezes mais massa do que o Sol. Estas estrelas teriam sido capazes de dissipar o nevoeiro primordial, tornando-o transparente.”

São necessárias medições muito precisas para confirmar ou excluir esta hipótese e mostrar que as estrelas podem produzir esta energia. Para isso precisamos de observações feitas a partir do espaço, ou então do European Extremely Large Telescope planejado pelo ESO, que será o maior olho no céu do mundo, quando estiver operacional no início da próxima década.

Estudar este período precoce da história cósmica é tecnicamente desafiante porque são necessárias observações muito precisas de galáxias extremamente distantes e pouco luminosas, uma tarefa que apenas pode ser levada a cabo pelos telescópios mais potentes. Para este estudo a equipe utilizou o enorme poder coletor dos espelhos de 8.2 metros do VLT para fazer observações espectroscópicas, tendo como alvo galáxias inicialmente identificadas pelo Telescópio Espacial Hubble da NASA/ESA e observadas em imagens profundas do VLT.

Notas

[1] A galáxia mais distante de que temos conhecimento, com uma distância calculada por espectroscopia, possui um desvio para o vermelho, z, de 8.6, o que a coloca a 600 milhões de anos depois do Big Bang. Há uma galáxia que se pensa ter um desvio para o vermelho de cerca de 10 (480 milhões de anos depois do Big Bang) identificada pelo Telescópio Espacial Hubble, mas espera-se ainda confirmação deste resultado. A galáxia mais distante do estudo aqui apresentado tem um desvio para o vermelho de 7.1, encontrando-se por isso a 780 milhões de anos depois do Big Bang. O Universo tem hoje 13,7 bilhões de anos de idade. A nova amostra de cinco galáxias com detecções de Lyman-alfa confirmadas (de entre cerca de 20 candidatas) inclui metade de todas as galáxias conhecidas com z > 7

[2] Na altura em que as primeiras estrelas e galáxias se formaram, o Universo encontrava-se cheio de hidrogênio gasoso eletricamente neutro, elemento que absorve radiação ultravioleta. À medida que a radiação ultravioleta emitida por estas galáxias primordiais excitava o gás, tornando-o eletricamente carregado (ionizado), o Universo ia ficando cada vez mais transparente à radiação ultravioleta. Este processo é tecnicamente conhecido por reionização, já que se pensa que durante um breve período de tempo situado algures entre os primeiros 100 mil anos depois do Big Bang, o hidrogênio encontrar-se-ia também ionizado.

[3] A equipe mediu os efeitos do nevoeiro de hidrogênio através de espectroscopia, uma técnica que envolve separar a radiação emitida pela galáxia na sua radiação colorida constituinte, tal como um prisma separa a luz solar num arco-íris.

[4] A equipe utilizou o VLT para estudar o espectro de 20 galáxias com desvios para o vermelho próximos de 7. Estes objetos tinham sido identificados em imagens profundas de estudos feitos em três campos diferentes. Dos 20 alvos 5 apresentavam emissão Lyman-alfa claramente detectada. Este é atualmente o único conjunto de galáxias com z da ordem de 7 confirmado por meio de espectroscopia.

[5] Uma vez que o Universo se encontra em expansão, o comprimento de onda dos objetos é esticado à medida que viaja pelo espaço. Quanto mais longe a luz viajar, mais o comprimento de onda é esticado. Como o vermelho é o maior comprimento de onda visível aos nosso olhos, a caraterística cor vermelha que este efeito provoca nos objetos extremamente distantes, tornou-se conhecida como desvio para o vermelho. Embora seja tecnicamente uma medida de como a cor da radiação de um objeto é afetada, é também por acréscimo uma medida tanto da distância ao objeto como quanto tempo depois do Big Bang o estamos a observar.

[6] Os astrônomos classificam as estrelas em três classes distintas, conhecidas como População I, População II e População III. As estrelas de População I, como o nosso Sol, são ricas em elementos pesados sintetizados no coração de estrelas mais velhas e em explosões de supernovas. Uma vez que se formam a partir dos restos de gerações de estrelas anteriores, estas estrelas apenas se observam numa fase mais tardia do Universo. As estrelas de População II têm menos elementos pesados e são predominantemente constituídas por hidrogênio, hélio e lítio criados durante o Big Bang. São estrelas mais velhas, embora existam ainda muitas no Universo atual. As estrelas de População III nunca foram observadas diretamente, mas pensa-se que teriam existido no Universo primordial. Uma vez que apenas conteriam matéria criada durante o Big Bang, estas estrelas não possuiriam nenhum elemento pesado. Devido ao papel dos elementos pesados na formação das estrelas, apenas estrelas muito grandes com tempos de vida muito curtos se conseguiriam formar nesta fase e por isso todas as estrelas de População III terminariam rapidamente as suas vidas sob a forma de supernovas nos anos iniciais do Universo. Na realidade, nunca se confirmou a existência destas estrelas de População III,  mesmo em observações de galáxias muito longínquas.

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Fonte:

http://www.eso.org/public/news/eso1138/

Sérgio Sacani

Formado em geofísica pelo IAG da USP, mestre em engenharia do petróleo pela UNICAMP e doutor em geociências pela UNICAMP. Sérgio está à frente do Space Today, o maior canal de notícias sobre astronomia do Brasil.

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