Na imagem acima, conseguem ver-me a mim a espreitar à janela?
Não?
A sério?
Conseguem, pelo menos, ver a Terra?
Também não???
Mau…
E a nossa Galáxia, Via Láctea?
Não me digam que não a conseguem ver! Afinal, ela é enorme!
A sério que nem sequer a nossa enorme galáxia com quiçá biliões de planetas?
Que estranho!
É que esta imagem é do nosso super-aglomerado local. Isto é uma ninharia no Universo, e mesmo assim a Terra é irrelevante?
Pois é.
Ao contrário do que nos diz constantemente o nosso Geocentrismo Psicológico (como eu lhe chamo, e que se vê em coisas tão diferentes como astrologia, deuses, religião, pensarmos em extraterrestres como nós (eles têm que ser “à nossa imagem”, não sendo mais que deuses), OVNIs que nos visitam, fantasmas, conspirações em que toda a gente está contra nós, etc), a verdade é que somos completamente insignificantes no Universo (leiam a Mensagem de Sagan).
Para mim, o que melhor retrata o Universo e a nossa posição nele, é o Princípio da Mediocridade ou Princípio da Humildade (como já vi um professor universitário lhe chamar) ou como prefiro chamar eu: Princípio da Indiferença Cósmica.
É uma expressão tirada dos trabalhos de H. P. Lovecraft, como podem ler aqui.
Se esta é a realidade do Universo, então porque temos tanta dificuldade em a aceitar?
Porque vai contra o ego humano!
Nós continuamos a pensar de forma religiosa, de forma mística e mítica, como pensávamos há dezenas de milhares de anos atrás.
Continuamos a assumir que somos importantes no Universo, e por isso achamos que essa importância tem que ser realçada.
Por exemplo, quando pensamos em extraterrestres, pensamos que têm que ser maus ou bons (segundo os nossos valores), que têm que nos vir conquistar ou ajudar (porque nós somos importantes).
A realidade, para nós, é considerada demasiado humilhante: sermos completamente indiferentes para esses extraterrestres. Por isso, temos dificuldade em a aceitar.
Para mim, essa visão não é nada humilhante. Pelo contrário.
Como diz a Amanda: “i prefer the hard truth, not a comforting fallacy”. Prefiro a verdade da realidade, em vez do conforto de uma mentira.
Não pensem que, ao pensar assim, descobri a pólvora!
Xenophanes, há já 2.500 anos dizia que se as vacas pudessem falar, diriam que os deuses/extraterrestres eram vacas, e que o Universo tinha sido criado para as vacas. Ao dizer isto, ele estava a criticar precisamente o geocentrismo psicológico que persiste na Humanidade.
Mas existem pessoas mais recentes a descrever o mesmo sentimento.
Por exemplo, Richard Dawkins, em 1995, num artigo sobre a utilidade de Deus (adaptado do livro sobre a Visão Darwiniana da Vida), escreve isto:
“Nature is not cruel, only pitilessly indifferent. This lesson is one of the hardest for humans to learn. We cannot accept that things might be neither good nor evil, neither cruel nor kind, but simply callous: indifferent to all suffering, lacking all purpose.”
De forma sumária, pode-se traduzir desta forma:
“A natureza não é cruel, apenas implacavelmente indiferente. Essa é uma das lições mais duras que os humanos têm de aprender.”
Já falei de Carl Sagan e da sua Mensagem.
Sagan também tem esta quote: “The universe seems neither benign nor hostile, merely indifferent.”
Citando: “O Universo não é benigno nem hostil, apenas indiferente.”
Provavelmente a melhor citação sobre este sentimento é de Robert Heinlein no livro “Grumbles from the Grave”:
“So far as I know, every such story has alien intelligences which treat humans as approximate equals, either as friends or foes. It is assumed that A-I will either be friends, anxious to communicate and trade, or enemies who will fight and kill, or possibly enslave, the human race. There is another and more humiliating possibility – alien intelligences so superior to us and so indifferent to us as to be almost unaware of us. They do not even covet the surface of the planet where we live – they live in the stratosphere. We do not know whether they evolved here or elsewhere – will never know. Our mightiest engineering formations they regard as coral formations, i.e., seldom noticed and considered of no importance. We aren’t even nuisances to them. And they are no threat to us, except that their engineering might occasionally disturb our habitat, as the grading done for a highway disturbs gopher holes. Some few of them might study us casually – or might not.”
Numa tradução livre: “Em todas as histórias com extraterrestres inteligentes, esses extraterrestres tratam os humanos como se fossem aproximadamente iguais, como amigos ou inimigos. Assume-se que os extraterrestres vão querer comunicar connosco ou comercializar connosco, ou então querem lutar connosco, matar-nos ou escravizar-nos. Mas há uma possibilidade mais humilhante: que eles sejam tão superiores a nós que nós sejamos completamente indiferentes para eles. Eles nem sequer se dão conta que nós somos vida. Os nossos maiores feitos de engenharia (como sondas enviadas pelo espaço), podem para eles parecer meras formações de coral, ou seja, nem se notam. Nós nem sequer somos uma chatice ou algo considerado como sem importância – porque nem estatuto para isso temos, já que nem sequer somos notados para ser avaliados.”
Notem que não é sequer uma questão de potenciais outras civilizações nos avaliarem e nos considerarem sem importância ou conscientemente decidirem por nos remeter à indiferença. É que nem isso existe. Nem sequer essa importância, essa atenção, temos. Simplesmente, somos tão irrelevantes no Universo, que é como se nem existíssemos.
E que melhor evidência dessa não-importância do que a imagem no topo deste artigo?
Fonte:
http://astropt.org/blog/2013/01/06/indiferenca-cosmica/