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15 de novembro de 2024

A IA Vai Permitir Que A Humanidade Fale Com Os Alienígenas?

A busca por inteligência extraterrestre tem sido uma das grandes ambições da humanidade, impulsionada por programas como o SETI (Search for Extraterrestrial Intelligence) e o METI (Messaging Extraterrestrial Intelligence). Apesar de décadas de esforços, ainda não encontramos sinais claros de outras civilizações. No entanto, os avanços recentes em inteligência artificial (IA) oferecem uma nova esperança para essa busca, sugerindo que poderíamos, finalmente, estabelecer uma forma de comunicação com seres de outros mundos.

Desde a introdução da arquitetura de rede neural “transformer” em 2017, os modelos de linguagem de grande escala (LLMs) têm revolucionado a forma como processamos e compreendemos dados. Treinados em vastos conjuntos de dados da internet, esses modelos encapsulam uma quantidade impressionante de conhecimento humano, tornando-se ferramentas poderosas para diversas aplicações. A pergunta que surge, então, é: como podemos utilizar essa tecnologia para comunicar-nos com civilizações extraterrestres?

Historicamente, o SETI se concentrou em detectar sinais de rádio de outras civilizações, enquanto o METI tentou enviar mensagens para o espaço. No entanto, após 40 anos de buscas sem respostas, é hora de reconsiderar nossas abordagens. A proposta de utilizar IA para essa comunicação interestelar não só é inovadora, mas também pode ser a chave para superar as vastas distâncias e os desafios temporais envolvidos.

Frank Drake, o pai do SETI e METI, compreendeu que nossa galáxia poderia abrigar outras civilizações tecnológicas. Ele iniciou o Projeto Ozma na década de 1960, ouvindo duas estrelas próximas, e mais tarde liderou o desenvolvimento da mensagem de Arecibo em 1974. Essa mensagem incluía dados matemáticos e químicos básicos, uma representação do DNA e informações sobre a população humana, nosso sistema solar e nossa tecnologia. Composta por apenas 1.679 dígitos binários, a mensagem foi inspirada pelas telas pixeladas dos primeiros computadores pessoais. Se Drake estivesse vivo hoje, certamente reconheceria o potencial da IA para aprimorar a comunicação com inteligências extraterrestres.

Os recentes avanços em telescópios espaciais, como o Kepler e o Transiting Exoplanet Survey Satellite (TESS), revelaram que nossa galáxia está repleta de exoplanetas. Estima-se que pelo menos 300 milhões desses planetas sejam semelhantes à Terra e potencialmente abriguem água líquida. Acreditamos que vários desses mundos possam hospedar civilizações tecnológicas curiosas para nos conhecer e aprender sobre nós.

Assim, propomos avançar o METI transmitindo não apenas música, matemática ou breves descrições de nós mesmos, mas algo mais significativo: um modelo de linguagem de grande escala bem curado que encapsule a essência diversa da humanidade e do mundo em que vivemos. Isso permitiria que civilizações extraterrestres conversassem indiretamente conosco e aprendessem sobre nós sem serem impedidas pelas vastas distâncias do espaço e os correspondentes atrasos de comunicação em tempo humano.

A arquitetura “transformer” de redes neurais, introduzida em 2017, tornou-se a base dos modelos de linguagem de grande escala (LLMs) que conhecemos hoje. Esses modelos, treinados em conjuntos de dados em escala de internet, contêm vastos conhecimentos humanos e estão transformando nosso mundo. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a IA afetará quase 40% do emprego global, demonstrando seu impacto profundo e abrangente.

Os LLMs, como o Llama-3-70B da Meta e o Mixtral 8x22B da Mistral AI, são exemplos de como essa tecnologia pode ser aplicada. Esses modelos, embora grandes, podem ser compactados utilizando técnicas como a quantização, reduzindo seu tamanho para alguns gigabytes sem perder desempenho significativo. Isso é crucial para a comunicação interestelar, onde a transmissão de dados deve ser eficiente e robusta.

Atualmente, temos duas principais tecnologias de comunicação: rádio e laser. A comunicação via rádio, utilizada pela NASA no Lunar Reconnaissance Orbiter, atinge taxas de transmissão de até 100 megabytes por segundo (Mbps). Já a comunicação a laser, demonstrada pelo Lunar Laser Communications Demonstration, alcança taxas de até 622 Mbps. Ambas as tecnologias têm suas vantagens e limitações, especialmente quando se trata de distâncias interestelares.

Para entender melhor o potencial dessas tecnologias, é importante considerar seus princípios operacionais. A comunicação via rádio, por exemplo, é amplamente difundida e pode cobrir grandes áreas, mas sua velocidade é relativamente baixa e está sujeita a interferências. Por outro lado, a comunicação a laser é altamente direcional e rápida, mas requer alinhamento preciso e é mais suscetível a obstáculos físicos.

Um exemplo prático da aplicação dessas tecnologias é a missão Psyche da NASA, lançada em 2023, que está equipada com um dispositivo protótipo de comunicação a laser interplanetária. Este dispositivo visa testar a viabilidade de transmitir grandes volumes de dados a longas distâncias no espaço. No entanto, mesmo com essa tecnologia avançada, a comunicação interestelar com civilizações em sistemas estelares próximos, como Alpha Centauri, ainda enfrentaria desafios significativos devido à atenuação do sinal e às limitações de velocidade.

Para superar esses desafios, os cientistas estão explorando métodos inovadores, como a combinação de múltiplos lasers de alta potência para aumentar a taxa de transmissão de dados. Uma das propostas mais ambiciosas envolve o uso do sol como uma lente gravitacional para amplificar sinais, criando um sistema de comunicação interestelar super-rápido. Este conceito, embora teoricamente viável, exigiria uma sonda equipada com um laser posicionada a 550 unidades astronômicas do sol, uma distância além da órbita de Plutão.

Esses avanços tecnológicos não apenas ampliam nossas capacidades de comunicação, mas também abrem novas possibilidades para a exploração e compreensão do cosmos. Ao integrar modelos de linguagem de grande escala com tecnologias de comunicação avançadas, estamos um passo mais perto de estabelecer um diálogo significativo com civilizações extraterrestres, transformando a ficção científica em realidade científica.

Transmissão de dados a longas distâncias interestelares apresenta desafios significativos, incluindo a atenuação do sinal e as limitações tecnológicas atuais. Por exemplo, a missão Psyche da NASA, lançada no ano passado em direção a um asteroide rico em metais, está equipada com um dispositivo protótipo de comunicação a laser interplanetária. No entanto, a comunicação interestelar com a tecnologia atual provavelmente cairia para 100 bits por segundo, resultando em um tempo de transmissão de centenas de anos para enviar um modelo de IA para Alpha Centauri, nosso sistema estelar vizinho mais próximo, a pouco mais de quatro anos-luz da Terra.

Uma solução proposta é transmitir modelos de linguagem bem curados e menores, de apenas alguns gigabytes, em menos de 20 anos, tornando o projeto viável para a humanidade. Esses modelos não apenas gerariam texto, mas também imagens e sons, com conteúdo, personalidade e tom determinados por pesquisadores, filósofos, historiadores e outros especialistas para representar a humanidade de forma abrangente.

Outra abordagem é utilizar lasers mais potentes para aumentar as taxas de transmissão. Combinando múltiplos lasers de 10 quilowatts para alcançar um transmissor de 100 gigawatts, como proposto por uma das Iniciativas Breakthrough, poderíamos transmitir grandes quantidades de dados através de vários anos-luz. Um projeto avançado sugere usar o sol como uma lente gravitacional para amplificar sinais e criar um sistema de comunicação interestelar super-rápido. Isso exigiria uma sonda equipada com um laser a 550 unidades astronômicas, ou 82 bilhões de quilômetros, do sol, além da órbita de Plutão.

Uma solução mais antiquada, mas ainda viável, é equipar cada missão espacial com um computador robusto contendo um modelo de linguagem bem curado e uma interface para comunicação. Essa abordagem de cápsula do tempo digital homenageia e estende naturalmente o legado do disco dourado da Voyager, que incluía imagens, sons, músicas e mensagens cuidadosamente selecionadas para comunicar a história do nosso mundo a extraterrestres.

Além disso, a técnica de quantização pode ser aplicada para reduzir o tamanho dos modelos de linguagem sem comprometer significativamente seu desempenho. Isso permitiria que modelos como o Llama-3-70B fossem comprimidos em alguns gigabytes, facilitando sua transmissão através das vastas distâncias do espaço. A quantização envolve a redução da precisão dos cálculos dentro do modelo, o que diminui o tamanho dos dados necessários para representá-lo.

Finalmente, a colaboração internacional e interdisciplinar será crucial para o sucesso dessas iniciativas. Cientistas, engenheiros, filósofos e historiadores devem trabalhar juntos para curar o conteúdo dos modelos de linguagem, garantindo que representem a diversidade e a complexidade da experiência humana. Além disso, a cooperação entre agências espaciais e instituições de pesquisa ao redor do mundo pode acelerar o desenvolvimento das tecnologias necessárias para a comunicação interestelar.

Em resumo, embora os desafios sejam formidáveis, as soluções propostas oferecem caminhos viáveis para superar as barreiras tecnológicas e realizar o sonho de comunicar-se com civilizações extraterrestres. A combinação de avanços em IA, técnicas de compressão de dados e tecnologias de comunicação de ponta pode abrir novas fronteiras na exploração do cosmos e na compreensão de nosso lugar no universo.

Embora a ideia de compartilhar informações detalhadas sobre a humanidade com civilizações desconhecidas possa parecer arriscada, os benefícios potenciais são imensos. A possibilidade de estabelecer uma comunicação com seres de outros mundos pode não apenas expandir nosso conhecimento do universo, mas também proporcionar uma nova perspectiva sobre nossa própria existência e lugar no cosmos. A utilização de modelos de linguagem de grande escala (LLMs) para esse propósito representa um avanço significativo em relação aos métodos tradicionais de comunicação interestelar, como sinais de rádio e mensagens codificadas.

Os riscos associados a essa abordagem não devem ser subestimados. A transmissão de informações detalhadas sobre nossa civilização pode ser mal utilizada por civilizações hostis, caso existam. No entanto, a vastidão do universo e a improbabilidade de encontros imediatos com tais civilizações reduzem significativamente esses riscos. Além disso, a curadoria cuidadosa dos dados a serem transmitidos, realizada por uma equipe interdisciplinar de especialistas, pode mitigar potenciais ameaças, garantindo que as informações compartilhadas sejam representativas, mas não comprometam nossa segurança.

O uso de IA para comunicação interestelar também pode desempenhar um papel crucial na preservação do legado humano. Em um cenário onde a humanidade enfrenta desafios existenciais, como mudanças climáticas, conflitos globais ou pandemias, a transmissão de nosso conhecimento e cultura para o espaço pode assegurar que nossa história e realizações não sejam perdidas. Essa preservação digital, encapsulada em LLMs, pode servir como uma cápsula do tempo, proporcionando a futuras civilizações, sejam elas terrestres ou extraterrestres, uma janela para o passado humano.

Além disso, a implementação de tecnologias avançadas de comunicação, como lasers de alta potência e o uso do sol como lente gravitacional, pode acelerar significativamente a transmissão de dados interestelares. Essas inovações não apenas aumentariam a eficiência das comunicações, mas também abririam novas possibilidades para a exploração e colonização do espaço. A capacidade de enviar e receber grandes quantidades de dados rapidamente pode facilitar a troca de informações científicas, tecnológicas e culturais entre civilizações, promovendo um intercâmbio enriquecedor e mutuamente benéfico.

Em última análise, a adoção de IA para comunicação interestelar representa um passo audacioso e visionário para a humanidade. Ao enviar modelos de linguagem de grande escala bem curados para o cosmos, não estamos apenas buscando respostas para a eterna pergunta sobre a existência de vida além da Terra, mas também garantindo que nosso legado perdure. Essa iniciativa pode abrir a porta para trocas sem precedentes com inteligências extraterrestres, enriquecendo nosso entendimento do universo e solidificando nosso lugar nele. A era da comunicação interestelar mediada por IA está apenas começando, e suas implicações podem ser tão vastas quanto o próprio cosmos.

Fonte:

https://www.scientificamerican.com/article/artificial-intelligence-will-let-humanity-talk-to-alien-civilizations/

Sérgio Sacani

Formado em geofísica pelo IAG da USP, mestre em engenharia do petróleo pela UNICAMP e doutor em geociências pela UNICAMP. Sérgio está à frente do Space Today, o maior canal de notícias sobre astronomia do Brasil.

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