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A Crise Existencial da Magnetar J1818

Astrônomos observaram um comportamento bizarro e nunca antes visto em uma magnetar que emite intensa radiação em ondas de rádio. Para quem não sabe, uma magnetar é um tipo especial de estrelas de nêutrons e um dos objetos que possui um dos mais intensos campos magnéticos em todo o universo.

Os pesquisadores sugerem que as magnetars possam ter um campo magnético ainda mais complexo do se pensava anteriormente, o que desafia as teorias sobre como elas nasceram e se desenvolveram com o passar dos tempos.

Os astrônomos até o momento já detectaram cerca de 30 magnetars tanto dentro como ao redor da Via Láctea, a maior parte delas detectadas por telescópios que atuam no comprimento de ondas de raios-X, e que descobriram esses objetos através de rajadas que eles emitem de alta energia.

Porém, algumas dessas magnetars também foram observadas emitindo pulsos de ondas de rádio, algo bem parecido com os pulsares. Os pulsares, seriam os primos menos magnéticos das magnetars, que produzem feixes em ondas de rádio a partir dos seus polos magnéticos. Rastreando como o pulso dessas magnetars intensas em ondas de rádio mudam com o tempo, os astrônomos podem entender melhor como ocorre a sua evolução.

Em março de 2020, uma nova magnetar, denomida Swift J1818.0-1607, vamos chamar de J1818 para ficar mais simples, foi descoberta depois de emitir uma rajada em raios-X. Rápidas observações de follow-up detectaram pulsos originando da magnetar. De forma curiosa, a aparência dos pulsos de rádio da J1818 era diferente dos pulsos detectados de outras magnetars que tem uma intensa emissão em ondas de rádio.

A maior parte dos pulsos de rádio das magnetars, se mantém com um brilho consistente através de um grande intervalo de frequências do espectro. Contudo, os pulsos da J1818 eram muito mais brilhantes nas baixas frequências do que nas altas frequências, algo bem parecido com o que se é visto nos pulsares, outro tipo comum de estrela de nêutrons que emite sua radiação fortemente em ondas de rádio.

Para entender melhor como a J1818 se desenvolveu com o decorrer do tempo, um grupo de cientistas observou por 8 vezes o objeto usando o rádio telescópio de Parkes na Austrália, entre maio e outubro de 2020.

Durante esse período eles descobriram que a magnetar estava passando por uma breve crise de identidade. Em maio, ela estava gerando uma emissão parecida com um pulsar que tinha sido detectado anteriormente, contudo, em junho, ela começou a piscar intensamente entre um estado muito brilhante e muito fraco. Esse comportamento de piscar intensamente, atingiu o seu pico em julho, quando os astrônomos viram a pulsação variar entre algo parecido com um pulsar e com uma magnetar.

Esse comportamento bizarro nunca tinha sido antes em qualquer magnetar que tenha uma forte emissão nas ondas de rádio.

Isso parece ser um fenômeno de curto prazo, e depois, o objeto volta a ter um comportamento permanente de um estado de magnetar.

Os cientistas também procuraram por pulsos e por mudanças de brilho em diferentes frequências de rádio e compararam com observações de um modelo teórico com 50 anos. Esse modelo prevê a geometria esperada de um pulsar, com base na variação da direção da sua luz polarizada.

A partir das observações, os astrônomos descobriram que o eixo magnético da J1818 não está alinhado com o seu eixo de rotação. Ao invés disso, o polo magnético da emissão de rádio parece estar no seu hemisfério sul, localizado logo abaixo do equador. A maior parte das magnetars possuem campos magnéticos que são alinhados com o seu eixo de rotação ou são um pouco ambíguos. Essa é a primeira vez, que os pesquisadores viram de forma definitiva uma magnetar com um polo magnético desalinhado.

O mais impressionante é que essa geometria magnética parece ser estável na maior parte das observações. Isso sugere que qualquer mudança no perfil de pulso ocorre devido ‘a variações na altura dos pulsos de rádio que são emitidos acima da superfície da estrela de nêutrons. Contudo, em uma observação de 1 de agosto de 2020, marcou uma curiosa exceção.

O melhor modelo geométrico para essa observação sugere que o feixe de rádio brevemente variou completamente entre os diferentes polos magnéticos localizados no hemisfério norte da magnetar.

Uma falta distinta de qualquer mudança no perfil de pulso da magnetar indica que as mesmas linhas de campo magnético que dispararam um pulso de rádio normal também são responsáveis pelos pulsos vistos no outro polo magnético.

O estudo sugere que essa é uma evidência de que os pulsos de rádio da J1818 se originam de loops das linhas de campo magnético conectando dois polos próximos, como acontece por exemplo nas manchas solares. Isso é diferente da maioria das estrelas de nêutrons ordinárias, que são esperadas ter polos sul e norte em lados opostos da estrela e que são conectados com uma forma diferente com o campo magnético.

Essa configuração peculiar do campo magnético é também suportada por um estudo independente de pulsos de raios-X da J1818 que foram detectados pelo instrumento NICER a bordo da Estação Espacial Internacional. Os raios-X parecem vir de uma única região distorcida das linhas de campo magnético que emergem da superfície da magnetar ou de duas regiões próximas menores.

Essas descobertas possuem implicações para as simulações computacionais que mostram como as magnetars nascem e se desenvolvem ao longo do tempo, enquanto geometrias mais complexas do campo magnético que mudam rapidamente seus campos magnéticos são esperados decair com o tempo. Além disso, as teorias que sugerem que as fast radio bursts irão se originar de magnetars terão que levar em conta os pulsos de rádio potencialmente originando de múltiplos locais ativos dentro do campo magnético.

Registrar a reversão entre os polos magnéticos em ação pode também fornecer a primeira oportunidade para os astrônomos de mapearem o campo magnético de uma magnetar.

O telescópio de Parkes irá continuar observando essa magnetar no decorrer do próximo ano.

Fonte:

https://phys.org/news/2021-02-astronomers-bizarre-never-before-seen-strongest-magnets.html

Sérgio Sacani

Formado em geofísica pelo IAG da USP, mestre em engenharia do petróleo pela UNICAMP e doutor em geociências pela UNICAMP. Sérgio está à frente do Space Today, o maior canal de notícias sobre astronomia do Brasil.

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