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22 de novembro de 2024

Inédito – A Primeira Detecção Clara de Um Buraco Negro de Massa Intermediária

Por toda a sua imensidão e vazio, o universo está sempre vibrando devido às ondas gravitacionais. Produzidas pelos fenômenos astrofísicos mais extremos conhecidos, essas reverberações provocam ondulação no tecido do espaço-tempo, como se fosse um sino cósmico.

Agora, os pesquisadores detectaram um sinal do que pode ser a mais massiva fusão buracos negros já observada em ondas gravitacionais. O produto dessa fusão, é a clara detecção do que é conhecido como um buraco negro de massa intermediária, ou seja, um buraco negro que tem entre 100 e 1000 vezes a massa do Sol.

A onda gravitacional foi chamada de GW190521, e foi detectada em 21 de maio de 2019, através do Laser Interferometer Gravitational-wave Observatory (LIGO) da National Science Foundation, um par de interferômetros idênticos com 4 km de comprimento localizados em dois pontos dos Estados Unidos, e pelo VIRGO, um detector de 3 km de comprimento localizado na Itália.

O sinal, que na verdade lembra o sinal de um pequeno sismo, tem uma duração de tempo extremamente curta, menos de um décimo de um segundo. A partir desse sinal, a GW190521 foi gerada por uma fonte que está aproximadamente a 5 gigaparsecs de distância, quando o universo tinha cerca de metade da sua idade atual, fazendo dessa uma das mais distantes fontes de ondas gravitacionais já detectadas.

Com base nas modelagens e nas técnicas de computação, os cientistas calcularam que a GW190521 foi muito provavelmente gerada por um para de buracos com propriedades incomuns que se fundiram.

Quase todos os sinais de onda gravitacional detectados até o momento foram gerados pela fusão de dois buracos negros ou de duas estrelas de nêutrons. Essa fusão mais recente é a mais massiva analisada até o momento, envolvendo dois buracos negros que se espiralaram e se fundiram com massas de 85 e 65 vezes a massa do Sol.

A equipe do LIGO e VIRGO conseguiu medir a rotação de cada buraco negro e descobriu que à medida que os buracos negros se aproximavam, eles poderiam estar girando em seus próprios eixos em ângulos que estavam alinhados com o eixo de suas órbitas. O desalinhamento da rotação dos buracos negros provavelmente foi causado pela precessão da órbita à medida que os dois buracos negros chegavam perto um do outro.

O novo sinal representa provavelmente o instante em que os dois buracos negros se fundiram. A fusão criou um buraco negro ainda mais massivo, com cerca de 142 vezes a massa solar, e lançou uma grande quantidade de energia equivalente a cerca de 8 vezes a massa do Sol, que se espalhou pelo universo na forma de ondas gravitacionais.

“Isso não se parece muito com o que normalmente nós detectamos”, disse Nelson Christensen, membro do VIRGO, um pesquisador no French National Centre for Scienctific Research, ou CNRS, comparando o sinal de agora com o primeiro sinal detectado pelo LIGO em 2015. “Essa detecção mais recente é como um Bang, e é o sinal mais massivo que o LIGO e o VIRGO já detectaram”.

A equipe internacional de cientistas que fazem parte do LIGO Scientific Collaboration, o LSC e do Virgo Collaboration, reportaram essa descoberta em dois artigos publicados no dia 2 de setembro de 2020. Um artigo está no Physical Review Letters detalhando a descoberta e o outro está no The Astrophysical Journal Letters, discutindo as propriedades físicas e implicações astrofísicas.

“O LIGO mais uma vez nos surpreendeu com a detecção de buracos negros com tamanhos que são difíceis de serem explicados, mas fazendo isso usando técnicas que não foram desenhadas especificamente para fusões estelares”, disse Pedro Marronetti, diretor do programa para física gravitacional do National Science Foundation. “Isso tem uma grande importância, já que mostra a habilidade do instrumento em detectar sinais completamente inesperados de eventos astrofísicos até então nunca antes vistos, esse é o poder LIGO”.

A grande massa dos dois buracos negros que se fundiram, bem como o buraco negro final, levanta muitas questões sobre essa formação.

Todos os buracos negros observados até o momento se ajustavam bem em duas categorias: buracos negros de massa estelar, que têm cerca de dezenas de vezes a massa do Sol e se formam quando estrelas massivas morrem, ou buracos negros supermassivos, que são os buracos negros que fiam no centro das galáxias, que têm de centenas de milhares até bilhões de vezes a massa do Sol, como o Sagittarius A* no centro da Via Láctea.

Contudo, o buraco negro final produzido pela fusão que gerou a GW190521 com 142 vezes a massa do Sol, localiza-se dentro do intervalo de massa entre os estelares e os supermassivos, que é conhecido como buraco negro de massa intermediária, o primeiro desse tipo já detectado.

Os dois buracos negros progenitores que produziram o buraco negro final também são únicos em seus tamanhos. Eles são tão passivos que os cientistas suspeitam que ambos não se formaram a partir de uma estrela que colapsou, como a maior parte dos buracos negros de massa estelar se formam.

De acordo com a física da evolução estelar, a pressão exercida para fora de uma estrela por fótons e gás no núcleo dela, suporta a estrela, contra a força da gravidade para dentro, nesse ponto a estrela está estável, como o Sol. Depois que o núcleo da estrela massiva fundi elementos pesados como o ferro, ela não pode mais produzir pressão suficiente para suportar suas camadas externas. Quando essa pressão para fora é menor que é a gravidade, a estrela então colapsa sobre o seu próprio peso, numa explosão chamada de supernova de colapso de núcleo, que pode levar à formação de um buraco negro.

Esse processo pode explicar como estrelas que têm 130 vezes a massa do Sol podem produzir buracos negros de até 65 vezes a massa do Sol. Mas, para estrelas mais pesadas, ocorre um fenômeno conhecido como instabilidade de par. Esses pares geram menos pressão dos que os fótons, fazendo com que a estrela se torne instável, ocorrendo um colapso gravitacional, que resulta numa explosão forte o suficiente para não deixar nada para trás. Até mesmo estrelas mais massivas, acima de 200 vezes a massa do Sol, eventualmente irão colapsar diretamente num buraco negro que terá no final uma massa de 120 vezes a massa do Sol. Assim sendo, uma estrela em colapso não deve ser capaz de produzir um buraco negro entre 65 e 120 vezes a massa do Sol, esse intervalo de massa é conhecido como “o gap de massa da instabilidade de par”.

Mas agora, tudo mudou, porque, o buraco negro mais massivo que produziu a onda gravitacional GW190521 tinha 85 vezes a massa do Sol, é o primeiro detectado até hoje dentro do gap de massa.

“O fato de estarmos vendo um buraco negro nesse gap irá fazer muitos astrofísicos coçarem suas cabeças e tentar entender como esses buracos negros se formam”, disse Christensen, que é o diretor do Artemis Laboratory no Observatório de Nice, na França.

Uma possibilidade considerada é o de uma fusão hierárquica, onde os dois buracos negros progenitores podem ter se formado de fusões de buracos negros menores, antes de migrarem para se fundirem e dar origem ao sinal detectado recentemente.

“Esse evento levanta mais questões do que fornece respostas”, disse o membro do LIGO Alan Weinstein professor de física no Caltech. “Da perspectiva da descoberta e da física, isso é algo muito animador”.

Existem muitas questões ainda em aberto sobre o evento GW190521.

À medida que os detectores do LIGO e do VIRGO ouviram as ondas gravitacionais passando pela Terra, pesquisas automáticas foram combinadas para analisar os dados chegando. Essas pesquisas podem ser feitas usando dois métodos, algoritmos que detectam um padrão de onda específico nos dados que podem ter sido produzidos por sistemas binários compactos, e pesquisas de “rajadas” mais gerais, que essencialmente procuram por algo fora do comum.

Salvatore Vitale, membro do LIGO, e professor assistente de física no MIT, compara a pesquisa por sistemas binários compactos como sendo passar um pente fino através dos dados para pegar eventos em um determinado espaçamento, já a abordagem de “rajadas”, não passam esse pente fino e sim pegam tudo que se tem.

No caso da GW190521, foi a busca de “rajada” que captou o sinal de forma mais clara, abrindo uma pequena chance para que a onda gravitacional produzida seja resultado de um fenômeno diferente de um fusão de sistemas binários compactos.

“O nível de exigência  para afirmar que descobrimos algo novo é muito alto”, disse Weinstein. “Então normalmente aplicamos a navalha de Occam: a solução mais simples é sempre a melhor, que nesse caso é a de buracos negros binários”.

Mas e se algo inteiramente novo produzisse essas ondas gravitacionais? Essa é uma perspectiva tentadora, e em seus artigos, os cientistas consideram brevemente outras fontes no universo que podem ter produzido o sinal detectado. Por exemplo, talvez, as ondas gravitacionais tenham sido emitidas por uma estrela em colapso na nossa galáxia. O sinal pode também ser de uma cadeia cósmica de eventos produzida logo após o universo inflar nos seus primeiros momentos – embora nenhuma dessas possibilidades exóticas correspondam aos dados, bem como uma fusão binária.

“Desde o primeiro dia que ligamos o LIGO, pela primeira vez, tudo o que observamos com confiança foi uma colisão de buracos negros ou de estrelas de nêutrons”, disse Weinstein. “Este é o único evento em que nossas análises permitem a possibilidade de que o evento não seja resultado desse tipo de colisão. Embora este evento seja consistente com o de uma fusão de buracos negros excepcionalmente massivos, e as explicações alternativas sejam desfavorecidas, ele está empurrando o limite da nossa confiança. Pelo fato de todos nós esperarmos por algo novo, algo inesperado, que posso desafiar o que já sabemos, esse evento é maravilhoso e tem potencial para isso”.

Fonte:

https://www.ligo.caltech.edu/news/ligo20200902

https://dcc.ligo.org/public/0165/P2000020/012/LS17910.pdf

https://dcc.ligo.org/public/0165/P2000021/012/gw190521-implications-main_20200901.pdf

Sérgio Sacani

Formado em geofísica pelo IAG da USP, mestre em engenharia do petróleo pela UNICAMP e doutor em geociências pela UNICAMP. Sérgio está à frente do Space Today, o maior canal de notícias sobre astronomia do Brasil.

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