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23 de novembro de 2024

Nova Maneira de Estudar Atmosferas de Exoplanetas – Tau Boötis b Enfim Revelado

Esta impressão artística mostra o exoplaneta Tau Boötis b. Este foi um dos primeiros exoplanetas a ser descoberto em 1996 e continua a ser um dos sistemas planetários mais próximos que se conhece. Os astrônomos utilizaram o Very Large Telescope do ESO para captar e estudar, pela primeira vez, a fraca radiação emitida pelo planeta. Ao aplicar uma nova técnica observacional, a equipe descobriu que a atmosfera do planeta parece ser mais fria a maior altitude, o contrário do que se esperava.

Uma nova técnica permitiu aos astrônomos estudarem pela primeira vez a atmosfera de um exoplaneta em detalhe – embora este não passe em frente da sua estrela hospedeira. Uma equipe internacional utilizou o Very Large Telescope do ESO para captar diretamente o fraco brilho do planeta Tau Boötis b. A equipe estudou a atmosfera do planeta e determinou pela primeira vez a sua órbita e massa de forma precisa – resolvendo assim um velho problema de 15 anos. Surpreendentemente, a equipe também descobriu que a atmosfera do planeta parece ser mais fria a maior altitude, o contrário do que se esperava. Os resultados serão publicados na revista Nature de 28 de Junho de 2012.

O planeta Tau Boötis b [1] foi um dos primeiros exoplanetas a ser descoberto em 1996 e continua a ser um dos sistemas planetários mais próximos que se conhece. Embora a sua estrela hospedeira seja facilmente visível a olho nu, o planeta propriamente dito não o é, e até agora conseguia apenas detectar-se pelo efeito gravitacional que exerce sob a estrela. Tau Boötis b é um planeta grande e quente do tipo de Júpiter que orbita muito próximo da estrela hospedeira.

Tal como a maioria dos exoplanetas, este planeta não transita o disco da sua estrela (como o recente trânsito de Vênus). Até agora estes trânsitos eram essenciais para o estudo das atmosferas dos exoplanetas: quando um planeta passa em frente da sua estrela deixa uma marca das características da atmosfera na radiação estelar. Como nenhuma radiação estelar atravessa a atmosfera de Tau Boötis b em nossa direção, isso implicava que até agora a atmosfera do planeta não podia ser estudada.

No entanto, depois de 15 anos tentando estudar o fraco brilho emitido por exoplanetas quentes do tipo de Júpiter, os astrônomos conseguiram pela primeira vez determinar a estrutura da atmosfera de Tau Boötis b e deduzir a sua massa de forma precisa. A equipe utilizou o instrumento CRICES [2] montado no Very Large Telescope (VLT), instalado no Observatório do Paranal do ESO, no Chile. Os astrônomos combinaram observações infravermelhas de alta qualidade (em comprimentos de onda da ordem dos 2,3 microns) [3] com uma técnica nova que consegue extrair o fraco sinal emitido pelo planeta, da radiação muito mais forte emitida pela estrela hospedeira [4].

Este mapa mostra a localização da estrela Tau Boötis na constelação do Boieiro. O mapa mostra a maioria das estrelas visíveis a olho nu sob boas condições de observação, sendo que a estrela propriamente dita está assinalada com um círculo vermelho. A estrela pode ser facilmente observada a olho nu mas o planeta que a orbita só agora foi detectado diretamente a partir da radiação que emite com a ajuda do VLT do ESO.

O autor principal do estudo Matteo Brogi (Observatório de Leiden, Holanda) explica: “Graças à elevada qualidade das observações fornecidas pelo VLT e pelo CRICES conseguimos estudar o espectro do sistema com muito mais detalhe do que o que era possível até agora. Apenas 0,01% da radiação observada é emitida pelo planeta, enquanto que o resto vem da estrela, por isso não foi nada fácil separar esta contribuição”.

A maioria dos planetas que orbitam outras estrelas foram descobertos pelo efeito gravitacional que exercem nas estrelas hospedeiras, o que limita a informação que podemos retirar sobre a sua massa: apenas podemos calcular um limite inferior para a massa do planeta [5]. Esta nova técnica é muito mais poderosa. Conseguir observar a radiação que vem diretamente do planeta permitiu aos astrônomos medir o ângulo da órbita do planeta e consequentemente determinar a sua massa de forma precisa. Ao traçar as variações do movimento do planeta à medida que este orbita a estrela, a equipe pôde determinar, pela primeira vez, que Tau Boötis b orbita a sua estrela hospedeira com um ângulo de 44 graus e tem uma massa igual a seis vezes a massa do planeta Júpiter no nosso Sistema Solar.

“As novas observações do VLT solucionam o problema, presente há 15 anos, da massa de Tau Boötis b. E a nova técnica significa também que agora podemos estudar as atmosferas de exoplanetas que não transitam as suas estrelas, e também medir as suas massas de forma precisa, o que era impossível antes,” diz Ignas Snellen (Observatório de Leiden, Holanda), co-autor do artigo científico que descreve o trabalho. “Este é um grande passo em frente.”

Além de detectar o brilho da atmosfera e medir a massa de Tau Boötis b, a equipe estudou a atmosfera e mediu a quantidade de monóxido de carbono presente, assim como a temperatura a diferentes altitudes por meio da comparação entre as observações e modelos teóricos. Um resultado surpreendente deste trabalho é de que as novas observações indicam que a temperatura da atmosfera decresce com a altitude. Este resultado é o oposto do esperado da inversão de temperatura – um aumento da temperatura com a altitude – encontrada em outros exoplanetas quentes do tipo de Júpiter [6][7].

As observações do VLT mostram que a espectroscopia de alta resolução obtida por telescópios terrestres é uma ferramenta valiosa na análise detalhada das atmosferas de exoplanetas que não transitam. A detecção de diferentes moléculas no futuro permitirá aos astrônomos aprender mais sobre as condições atmosféricas do planeta. Ao medir estas condições atmosféricas ao longo da órbita do planeta, os astrônomos poderão até ser capazes de encontrar variações atmosféricas entre as manhãs e as tardes do planeta.

“Este estudo mostra o enorme potencial dos atuais e futuros telescópios terrestres, tais como o E-ELT. Talvez um dia possamos deste modo encontrar evidências de atividade biológica em planetas do tipo da Terra”, conclui Ignas Snellen. 

Esta imagem do céu em torno da estrela Tau Boötis foi criada a partir de imagens do Digitized Sky Survey 2. A estrela propriamente dita, que é suficientemente brilhante para ser vista a olho nu, encontra-se no centro. Os raios e círculos à sua volta são artefatos do telescópio e placa fotográfica utilizados, não correspondendo à realidade. O exoplaneta Tau Boötis b tem a sua órbita muito próxima da estrela e é completamente invisível na imagem. O planeta só agora foi detectado diretamente a partir da radiação que emite com a ajuda do VLT do ESO.

Notas

[1] O nome do planeta, Tau Boötis b, combina o nome da estrela (Tau Boötis ou ? Boötis, onde ? é a letra grega “tau” e não a letra t) com a letra “b” que indica que este é o primeiro planeta encontrado em torno desta estrela. A designação Tau Boötis a é utilizada para a estrela propriamente dita.

[2] Sigla do inglês CRyogenic InfraRed Echelle Spectrometer

[3] Em comprimentos de onda infravermelhos, a estrela hospedeira emite menos radiação que no regime óptico, por isso este é o comprimento de onda favorável para separar o fraco sinal emitido pelo planeta.

[4] Este método utiliza a velocidade do planeta em órbita da sua estrela hospedeira para separar a emissão planetária da emissão estelar e também da emissão vinda da própria atmosfera terrestre. A mesma equipe de astrônomos testou esta técnica anteriormente num planeta que transita, medindo a velocidade orbital durante a sua passagem em frente ao disco estelar.

[5] Isto deve-se ao fato da inclinação da órbita ser geralmente desconhecida. Se a órbita do planeta está inclinada relativamente à linha de visão entre a Terra e a estrela, então um planeta com maior massa causa o mesmo efeito de movimento para trás e para a frente da estrela que um planeta mais leve numa órbita menos inclinada, não sendo possível separar os dois efeitos.

[6] Pensa-se que as inversões térmicas são caracterizadas pelas bandas moleculares em emissão no espectro, em vez das em absorção, tal como observado na fotometria de exoplanetas quentes do tipo de Júpiter com o Telescópio Espacial Spitzer. O exoplaneta HD209458b é o melhor exemplo de inversões térmicas em atmosferas de exoplanetas.

[7] Esta observação apoia modelos nos quais a emissão ultravioleta forte associada a atividade cromosférica – semelhante à exibida pela estrela hospedeira de Tau Boötis b – é responsável pela inibição da inversão térmica. 

Mais Informações

Este trabalho foi descrito no artigo científico “The signature of orbital motion from the dayside of the planet ? Boötis b” que será publicado na revista Nature de 28 de Junho de 2012.

A equipe é composta por Matteo Brogi (Observatório de Leiden, Holanda), Ignas A. G. Snellen (Observatório de Leiden), Remco J. de Kok (SRON, Utrecht, Holanda), Simon Albrecht (Massachusetts Institute of Technology, Cambridge, EUA), Jayne Birkby (Observatório de Leiden) e Ernst J. W. de Mooij (Universidade de Toronto, Canadá; Observatório de Leiden).

O ano de 2012 marca o quinquagésimo aniversário da fundação do Observatório Europeu do Sul (ESO). O ESO é a mais importante organização europeia intergovernamental para a pesquisa em astronomia e é o observatório astronômico mais produtivo do mundo. O ESO é  financiado por 15 países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Brasil, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Itália, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia e Suíça. O ESO destaca-se por levar a cabo um programa de trabalhos ambicioso, focado na concepção, construção e funcionamento de observatórios astronômicos terrestres de ponta, que possibilitam aos astrônomos importantes descobertas científicas. O ESO também tem um papel importante na promoção e organização de cooperação nas pesquisas astronômicas. O ESO mantém em funcionamento três observatórios de ponta, no Chile: La Silla, Paranal e Chajnantor. No Paranal, o ESO opera  o Very Large Telescope, o observatório astronômico óptico mais avançado do mundo e dois telescópios de rastreio. O VISTA, o maior telescópio de rastreio do mundo que trabalha no infravermelho e o VLT Survey Telescope, o maior telescópio concebido exclusivamente para mapear os céus no visível. O ESO é o parceiro europeu do revolucionário telescópio  ALMA, o maior projeto astronômico que existe atualmente. O ESO está planejando o European Extremely Large Telescope, E-ELT, um telescópio da classe dos 40 metros que observará na banda do visível e próximo infravermelho. O E-ELT será “o maior olho no céu do mundo”.

Fonte:

http://www.eso.org/public/brazil/news/eso1227/

 

Sérgio Sacani

Formado em geofísica pelo IAG da USP, mestre em engenharia do petróleo pela UNICAMP e doutor em geociências pela UNICAMP. Sérgio está à frente do Space Today, o maior canal de notícias sobre astronomia do Brasil.

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