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Telescópio Espacial Hubble Observa a Estrela V1 – A Estrela Que Mudou a História do Universo

Embora o universo esteja preenchido com bilhões e bilhões de estrelas, a descoberta de uma única estrela variável em 1923 alterou o curso da astronomia moderna. E, no mínimo um famoso astrônomo daquele tempo lamentou que a descoberta tinha destruído sua visão de mundo.

A estrela recebeu um nome nada legal, a variável de Hubble número um, ou V1, e reside nas regiões externas da galáxia de Andrômeda, a M31. Mas no começo dos anos de 1900, a maioria dos astrônomos considerava a Via Láctea como a única ilha de estrelas do universo, com nada sendo observado além de suas fronteiras. A galáxia de Andrômeda era catalogada como sendo um dos muitos pedaços difusos de luz que os astrônomos chamavam na época de nebulosas espirais.

Essas nebulosas eram parte da Via Láctea, ou elas eram ilhas independentes localizadas fora da nossa galáxia? Os astrônomos não sabiam ao certo, até que Edwin Hubble, encontrou uma estrela em Andrômeda que brilhava e apagava com um padrão que podia ser previsto, do mesmo modo que a luz de um farol e a identificou como V1, uma estrela variável do tipo Cefeida. Esse tipo especial de estrela já tinha porém provado que poderia estar numa distância confiável dentro dos limites da nossa galáxia.

A estrela ajudou Hubble a mostrar que Andrômeda estava além da nossa galáxia e iniciou o debate sobre o estado das nebulosas espirais. O universo tornou-se um lugar muito maior depois da descoberta de Hubble , tudo isso para o desalento do astrônomo Harlow Shapley, que acreditava que as nebulosas difusas eram parte da nossa Via Láctea.

Aproximadamente 90 anos depois, a V1 está nas manchetes novamente. Os astrônomos apontaram o telescópio que leva o nome em homenagem a Edwin Hubble, o Telescópio Espacial Hubble da NASA na direção da estrela novamente, em um simbólico tributo em homenagem ao lendário marco observacional do astrônomo.

Os astrônomos com o projeto chamado Hubble Heritage Project do Sapce Telescope Science Institute em parceria com a American Association of Variable Star Observers (AAVSO) estudaram a estrela. Os observadores da AAVSO seguiram a V1 por seis meses, produzindo um gráfico, ou curva de luz, da variação rítmica do brilho da estrela. Com base nessa curva de luz, a equipe do Hubble Heritage programou o tempo de observação do telescópio para poder registrar imagens da estrela.

“A V1 é a estrela mais importante na história da cosmologia”, disse o astrônomo Dave Soderblom do Space Telescope Science Institute (STScI) em Baltimore, Md., que propôs as observações da V1.

“Ela é uma descoberta marcante que provou que o universo é maior e cheio de galáxias. Eu então pensei que seria muito interessante para o Hubble, o telescópio, observar essa estrela especial descoberta pelo Hubble, o homem”.

Mas o membro da equipe do Hubble Heritage, Max Mutchler do STScI disse que essa observação é muito mais do que apenas algo cerimonial em homenagem a um grande astrônomo.

“Essa observação é uma lembrança de que as Cefeidas ainda são relevantes, hoje em dia”, explica ele. “Os astrônomos estão usando esse tipo de estrela para medir distâncias de galáxias muito mais distantes que a Andrômeda. Elas são o primeiro degrau na escada de distâncias cósmicas”.

Dez astrônomos amadores de todo o mundo , juntamente com o diretor da AAVSO Arne Henden fizeram 214 observações da V1, entre Julho de 2010 e Dezembro de 2010. Eles obtiveram quatro ciclos de pulsaçãoo, cada um durando no mínimo mais de 31 dias. O estudo da AAVSO permitiu que a equipe do Hubble Heritage programasse as  observações com o telescópio espacial durante a fase mais e menos brilhante da estrela.

As observações tinham um truque. “O brilho da estrela tem um decaimento gradual seguido por um pulso forte , de modo que se você estiver desligado por um ou dois dias você pode perde-la”, explicou Mutchler.

Usando a Wide Field Camera 3, a equipe fez quatro observações em Dezembro de 2010 e em Janeiro de 2011.

“O telescópio espacial Hubble enxerga muito mais estrelas e muito mais apagadas no campo que Edwin Hubble fez suas observações e muitas dessas estrelas são de algum tipo de estrelas variáveis”, disse Mutchler. “Sua cintilação faz a galáxia parecer viva. As estrelas parecem grãos de areia e muitas delas nunca forma vistas anteriormente”.’

Para Soderblom, as observações do Hubble culminaram com mais de 25 anos de promoção da estrela. Pouco depois de Soderblom chegar ao Instituto em 1984, ele pensou em colocar a bordo do ônibus espacial Discovery que lançou o telescópio no espaço uma lembrança do astrônomo Edwin Hubble.

“Num primeiro momento, eu pensei que um artefato óbvio seria o cachimbo que sempre o acompanhava, mas Alan Sandage sugeriu outra coisa, a chapa fotográfica de vidro com a foto da V1, feita por Hubble em 1923”, lembra Sderblom.

Ele então fez 15 cópias da chapa original de 4 x 5 polegadas. Dez dessas cópias voaram a bordo do Discovery em 1990 na missão de lançamento do Hubble. Duas das cinco cópias restantes fizeram parte do voo do ônibus espacial Atlantis que em 2009 realizou a quinta de missão de serviço. Uma dessas cópias foi carregada a bordo pelo astronauta e astrônomo John Grunsfeld, agora ele é diretor do STScI.

Antes da descoberta da V1, muitos astrônomos pensavam que as nebulosas espirais como a Andrômeda, eram parte da nossa galáxia. Outros já não estavam tão certo. De fato, os astrônomos Shapley e Heber Curtis travaram um debate público em 1920 sobre a natureza dessas nebulosas. Durante o debate, Shapley se vangloriou da sua medida para a Via Láctea de 300000 anos-luz. Embora Shapley estivesse superestimado o tamanho da Via Láctea, ele estava correto em dizer que a Via Láctea era muito maior do que as dimensões normalmente aceitas. Ele também argumentou que as nebulosas espirais eram muito menores que a Via Láctea e por isso precisavam ser parte da nossa galáxia. Mas Curtis discordava. Ele achava que a Via Láctea era menor do que Shapley dizia ser deixando assim espaço para a existência de outras ilhas do universo além da nossa galáxia.

Para encerrar o debate, os astrônomos teriam que estabelecer distâncias confiáveis até as nebulosas espirais. Então eles começaram a buscar por estrelas nessas nebulosas que pudessem ter seu brilho intrínseco entendido. Conhecendo o brilho verdadeiro de uma estrela isso permitiria aos astrônomos calcularem qual a distância dessa estrela até a Terra. Mas algumas estrelas que eles escolheram não eram marcadores confiáveis.

Por exemplo, Andrômeda, a maior das nebulosas espirais, apresentava pistas ambíguas para a sua distância. Os astrônomos tinham observado diferentes tipos de estrelas explosivas na nebulosa. Mas eles não entendiam o processo estelar que estavam observando, então, por isso eles tinham dificuldade de usar essas estrelas para calcular a distância até a Terra. A distância estimada de Andrômeda variava muito, hora era dada perto demais hora muito distante. Qual distância estava correta? Edwin Hubble então entrou em cena determinado a responder essa questão.

O astrônomo gastou alguns meses em 1923 vasculhando Andrômeda com o telescópio de 100 polegadas Hooker, o mais poderoso telescópio daquela época na Terra, que fica no Observatório de Monte Wilson na Califórnia. Mesmo com a nitidez das imagens obtidas pelo telescópio, Andrômeda era monstruosamente grande, ela media aproximadamente 5 pés de comprimento na plano focal do telescópio. Hubble precisava fazer várias exposições cobrindo dezenas de chapas fotográficas para registrar a nebulosa por completo.

Ele se concentrou em três regiões. Uma delas era bem funda dentro de um braço espiral. Na noite de 5 de Outubro de 1923, Hubble começou uma rodada de observações que durou até as primeiras horas do dia 6 de Outubro de 1923. Sob condições não ideais de observação, o astrônomo fez uma exposição de 45 minutos que registrou três estrelas suspeitas de serem novas, uma classe de estrela explosiva. Ele então anotou a letra N para nova, próximo dos três objetos identificados.

Mais tarde contudo, Hubble fez uma interessante descoberta quando comparou as chapas fotográficas dos dias 5 e 6 de Outubro de 1923 com exposições feitas anteriormente das novas. Uma das chamadas novas tinha diminuído de brilho num período de tempo muito menor do que normalmente se observa para uma estrela nova típica.

Hubble, então obteve observações suficientes da V1 e construiu um gráfico com a sua curva de luz, ali ele pôde determinar uma período de 31.4 dias, indicando que o objeto era uma variável Cefeida. O período da estrela está diretamente relacionado com o seu brilho intrínseco que Hubble usou então para calcular a distância. A estrela estava localizada a 1 milhão de anos-luz da Terra, mais do que três vezes o diâmetro da Via Láctea calculado por Shapley.

Hubble então pegou sua caneta, e fez um x na letra N próximo da variável Cefeida recém descoberta e escreveu as letras VAR para variável, seguido de um ponto de exclamação.

Por alguns meses o astrônomo continuou vasculhando Andrômeda, encontrou outra variável Cefeida e algumas outras novas. Então Hubble enviou uma carte com a curva de luz da V1 para Shapley contando da sua descoberta. Após ler a carte, Shapley se convenceu de que as evidências eram genuínas. Ele então disse a um colega, “Aqui está a carte que destruiu o meu universo”.

No final de 1924 Hubble já tinha encontrado 36 estrelas variáveis em Andrômeda, 12 das quais eram Cefeidas. Usando todas as Cefeidas, ele obteve a distância de 900000 anos-luz. Medidas melhoradas e mais precisas feitas atualmente colocam a galáxia de Andrômeda a uma distância de 2 milhões de anos-luz da Terra.

“Hubble eliminou qualquer dúvida de que Andrômeda era extragaláctica”, disse Owen Gingerich, professor emérito de Astronomia e de História da Ciência no Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics em Cambridge, Mass.. “Basicamente, os astrônomos não sabem a distância até uma nova então eles precisam fazer uma estimativa grosseira de onde elas estavam e de qual era sua luminosidade absoluta. Mas esse método é muito traiçoeiro. Quando você tem uma Cefeida que tem sido razoavelmente calculada, o período dela irá lhe dizer onde ela está na curva de luminosidade, e a partir daí é possível calcular a distância”.

Shapley e o astrônomo Henry Norris Russell pressionaram Hubble para escrever um artigo para um encontro conjunto entre  a American Astronomical Society e a American Association for the Advancemente of Science no fim de Dezembro de 1924. O artigo de Hubble intitulado “Extragalactic Nature of Spiral Nebulae”, ganhou o prêmio de melhor artigo. Uma matéria curta sobre o prêmio apareceu na edição de 10 de Fevereiro de 1925 do jornal The New York Times. Gingerich disse que a descoberta de Hubble não foi uma grande notícia no congresso pois os astrônomos  já tinham sido informados por outros astrônomos do resultado alguns meses antes.

As observações de Edwin Hubble sobre a V1 tornaram-se críticas para o descobrir um universo muito maior do que se pensava antes. Ele abriu o caminho para que se pudesse encontrar muitas galáxias além da Via Láctea. Essas galáxias por sua vez, permitiu que ele mais tarde determinasse que o universo estava em expansão.

Poderia Hubble ter imaginado que 100 anos depois a tecnologia avançaria tanto que permitiria que astrônomos amadores com pequenos telescópios no jardim fossem capazes de fazer observações da V1? Ou poderia Hubble ter imaginado que um telescópio instalado no espaço com o seu nome continuaria a pesquisar e tentar medir com precisão a taxa de expansão do universo?

Fonte:

http://hubblesite.org/newscenter/archive/releases/2011/15/

 

 

Sérgio Sacani

Formado em geofísica pelo IAG da USP, mestre em engenharia do petróleo pela UNICAMP e doutor em geociências pela UNICAMP. Sérgio está à frente do Space Today, o maior canal de notícias sobre astronomia do Brasil.

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