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Quasares e Buracos Negros Primitivos em Universo Livre de Poeira

Os quasares mais distantes conhecidos possuem um desvio para o vermelho (redshift) z = 6, esses objetos normalmente possuem características que não são possíveis de serem distinguidas dos quasares que possuem um redshift menor, nas bandas ultravioleta, óptica e de raios-X. O resultado desse quebra-cabeça sugere que esses quasares distantes são objetos em desenvolvimento mesmo quando o universo só tinha sete por cento da sua idade atual. Recentemente um quasar com z=6 não mostrou qualquer emissão de poeira quente detectável, porém não estava claro se isso indicava diferentes propriedades da poeira quente para altos redshifts ou se esse quasar era simplesmente um outlier. Linhua Jiang e uma série de autores publicaram então na Nature de 18 de Março de 2010 a descoberta de um segundo quasar sem a emissão de poeira quente em um espaço amostral analisado de 21 quasares com z = 6. Além disso os pesquisadores mostraram que a abundância de poeira quente nos 21 quasares analisados se eleva junto com o crescimento do buraco negro central enquanto que em quasares com redshift baixo essa relação é quase que inexistente. Assim, os quasares com z = 6 estão realmente em um estado de evolução inicial, com rápida acresção de massa e poeira de formação. Os dois quasares livre de poeira quente pertencem aparentemente à primeira geração de quasares nascidos em um ambiente livre de poeira e são tão jovens que não formaram uma quantidade de poeira quente suficiente para ser detectada ao seu redor.

Gráficos de 6 quasares analisados no estudo, mostrando os pontos medidos (círculos pretos) e os modelos ajustados. Pode-se observar que os quasares J0005-0006 e o J0303-0019 mostram um grande desajuste com a linha cinza do gráfico indicando suas propriedades próprias. Esses dados foram obtidos utilizando o Telescópio Espacial Spitzer da NASA.

Mais de 40 quasares têm sido descobertos com um redshift z = 6, nessa época, o Universo tinha menos de um bilhão de anos. Esses quasares abrigam buracos negros com massa superior a 10^8 massas solares e emitem radiação em torno do limite de Eddington. De acordo com os modelos de unificação dos núcleos de galáxias ativos, o disco de acresção de um buraco negro é circundado por uma estrutura empoeirada. Uma significante fração da radiação ultravioleta e óptica do quasar é absorvida  por essa poeira e é reemitida em comprimentos de onda do infravermelho. Em particular a poeira mais quente  é diretamente aquecida  por um motor central e produz radiação no comprimento de onda do infravermelho próximo. A radiação emitida pela poeira quente é observada como sendo encontrada entre todos os quasares, e é uma forte evidência para os modelos de unificação.

Com o que os primeiros buracos negros e os primeiros quasares parecem? O universo no seu início era livre de poeira cósmica e desse modo tanto os quasares como os buracos negros também. Mas ninguém sabia disso até o momento que só pôde ser confirmado com as novas observações do Spitzer. Essa é uma impressão artística de como um quasar do início do universo pareceria.

Para estudar as propriedades da poeira quente em objetos com alto redshift os pesquisadores obtiveram dados fotométricos de infravermelho profundo de 21 quasares com z = 6 usando o Telescópio Espacial Spitzer. Para fazer as medições foram utilizados quatro canais do equipamento IRAC o Peak-up Imaging do IRS e outras bandas importantes do espectro. Para exemplificar as análises foram escolhidos 6 quasares. Porém dentre os 21 analisados todos, exceto o J0005-0006 e o J0303-0019 foram detectados com uma alta razão sinal/ruído em todas as bandas dos equipamentos utilizados do Spitzer. O gráfico apresentado aqui mostra exatamente isso, onde nos dois quasares citados pode-se observar que não há um ajuste entre os pontos medidos e o modelo considerado, os demais quasares apresentados apresentam um bom ajuste entre o modelo e os dados experimentais. Esses ajustes significam que os quasares apresentaram emissões que foram interpretadas como provenientes da poeira quente, porém o J0005-0006 e o J0303-0019 não mostraram qualquer emissão detectável de poeira quente.

Impressão artística mostrando como quasares são formados a partir da colisão de galáxias com um buraco negro no seu centro.

Quasares são energizados pela acresção de massa sobre o buraco negro central e a poeira quente é diretamente aquecida pela atividade do quasar, então as massas dos buracos negros podem fornecer pistas úteis de porque os quasares J0005-0006 e o J0303-0019 não possuem poeira quente. A massa de um buraco negro em quasares distantes pode ser estimada usando relações escalares de massas com base na largura das linhas de emissão e nas luminosidades contínuas.  Em baixos redshifts a abundância de poeira quente é quase independente da massa do buraco negro. Isso explica por que os autores não encontraram quasares com baixos redshifts como o J0005-0006 e o J0303-0019, pois em baixos redshifts a poeira é supostamente reciclada entre as galáxias e o meio intergaláctico, e os quasares que hospedam as galáxias são ricos em poeira mesmo antes de o buraco negro central iniciar a sua acresção. Em redshifts com z = 6, contudo, a abundância de poeira quente é proporcional a massa do buraco negro, indicando que os dois crescem no mesmo ritmo. Os dois quasares livres de poeira quente com a mais baixa quantidade desse material possuem os buracos negros com as menores massas entre 200000000 e 300000000 massas solares e as maiores razões de luminosidades de Eddington, aproximadamente igual a dois. Isso sugere que eles estão no estágio inicial de evolução do quasar com rápida acresção de massa, mas são muito jovens para formar uma quantidade de poeira quente que seja detectável  ao seu redor.

Gráfico extraído do artigo de Jiang ET AL. onde claramente é possível observar que os dois quasares J0005-0006 e o J0303-0019 apresentam características distintas dos demais quasares analisados com o Spitzer.

No universo local, a maior parte da poeira no meio interestelar é produzida por estrelas AGB de massa variando entre pouca e intermediária, que se desenvolveram entre 0.5 e 1 bilhão de anos depois  da explosão inicial que as formou. Em objetos com redshift de z = 6, a idade do universo era menor que 1 bilhão de anos e as primeiras estrelas se formaram menos de meio bilhão de anos antes. Desse modo, outro mecanismo de produção de poeira pode ter papel importante para objetos com alto redshift. Por exemplo, a própria atividade do quasar pode produzir de maneira eficiente poeira através de ventos em que sopram para fora do quasar. A forte correlação entre a abundância de poeira quente e a massa do buraco negro para quasar com z =6 sugere que a poeira quente nesses quasares pode ser produzida dessa maneira. As supernovas são outra fonte alternativa de poeira para altos redshifts. Por exemplo, a cor avermelhada do quasar com z = 6.2 e a da galáxia hospedeira do GRB050904 com z = 6.29 não podem ser explicadas pela extinção as curvas para baixo redshift, mas se ajustam bem pela poeira originada das supernovas.

Impressão artística do que seria um dos buracos negros primitivos pertencentes aos quasares com redshift z = 6, estudados pela equipe liderada por Linhua Jiang utilizando o Telescópio Espacial Spitzer.

Os autores concluem o artigo ressaltando que embora até hoje observações em múltiplas bandas do espectro haviam mostrado que quasares com z = 6 eram objetos bem desenvolvidos no começo do universo, pelo fato deles não terem distinção dos quasares com baixo redshift observados, novas observações feitas com o Telescópio Espacial Spitzer da NASA mostrou que esses quasares  são realmente jovens e sua poeira quente se desenvolve rapidamente. Além disso a forte correlação entre a quantidade de poeira quente e a massa do buraco negro mostra que existe uma evolução relacionada para objetos com z > : pequenos buracos negros estão crescendo rapidamente com a poeira quente se também aumentando na mesma taxa. Com isso, pode-se concluir que os quasares J0005-0006 e o J0303-0019 estão vivendo em um ambiente extremamente jovem, fazem parte da primeira geração de quasares, que nasceram em um meio livre de poeira  e estão em seus estágios iniciais de evolução. Conseqüentemente devido à relação existente os buracos negros também vivem nesse ambiente, ou seja, no início do universo.

Fonte:

http://www.nature.com/nature/journal/v464/n7287/full/nature08877.html

Sérgio Sacani

Formado em geofísica pelo IAG da USP, mestre em engenharia do petróleo pela UNICAMP e doutor em geociências pela UNICAMP. Sérgio está à frente do Space Today, o maior canal de notícias sobre astronomia do Brasil.

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