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22 de dezembro de 2024

O que Torna Ativo um Buraco Negro de Massa Extremamente Elevada?

Um novo estudo, que combina dados do Very Large Telescope do ESO e do observatório espacial de raios X XMM-Newton da ESA, fez uma descoberta surpreendente. A maior parte dos buracos negros gigantes que se encontram no centro das galáxias desde os últimos 11 bilhões de anos não se tornaram ativos devido a fusões de galáxias, como se pensava até agora.

No coração da maior parte das grandes galáxias (ou até mesmo em todas) existe um buracos negro de massa extremamente elevada, com uma massa de milhões de vezes, ou até bilhões de vezes, a massa do Sol. Em muitas galáxias, incluindo a nossa própria Via Láctea, o buraco negro central não se encontra em atividade. Mas em algumas galáxias, particularmente no início da história do Universo [1], o monstro central alimenta-se de material que emite imensa radiação à medida que cai no buraco negro.

Um dos mistérios por resolver prende-se com o facto de sabermos donde virá o material que activa um buraco negro adormecido originando violentas explosões no centro da galáxia, tornando-o assim num núcleo activo de galáxia. Até agora, os astrónomos pensavam que  a maioria destes núcleos activos se “acendiam” quando se dava a fusão de duas galáxias ou quando duas galáxias passavam muito perto uma da outra e o material perturbado se tornava o combustível do buraco negro central. No entanto, novos resultados indicam que esta ideia pode estar errada no caso de muitas galáxias ativas.

Viola Allevato (Max-Planck-Institut für Plasmaphysik e Excellence Cluster Universe, Garching, Alemanha) e uma equipe internacional de cientistas da colaboração COSMOS [2] observaram detalhadamente mais de 600 galáxias ativas numa região do céu extensivamente estudada, o chamado campo COSMOS [3]. Tal como se esperava, os astrônomos descobriram que os núcleos ativos extremamente brilhantes são raros, enquanto que a maior parte das galáxias ativas nos 11 bilhões de anos anteriores são apenas moderadamente brilhantes. No entanto, os cientistas tiveram uma enorme surpresa: os novos dados mostram que a maioria das galáxias ativas mais comuns, as menos brilhantes, não se tornaram ativas devido à fusão de galáxias [4]. Os resultados serão publicados na revista científica especializada Astrophysical Journal.

A presença de núcleos ativos de galáxias revela-se através dos raios X emitidos pela região que circunda o buraco negro. O observatório espacial XMM-Newton da ESA observou esta radiação e as galáxias foram subsequentemente observadas pelo Very Large Telescope do ESO, que mediu as distâncias a estes objetos [5]. Quando se combinam os dois tipos de observações é possível fazer um mapa tridimensional que nos mostra onde se encontram as galáxias ativas.

“Demoramos mais de cinco anos, mas conseguimos obter um dos maiores e mais completos catálogos de galáxias ativas no céu de raios X,” diz Marcella Brusa, uma das autoras do estudo.

Os astrônomos utilizaram este novo mapa para determinar a distribuição das galáxias ativas e compararam estes resultados às predições feitas pela teoria. Determinaram também como é que esta distribuição varia à medida que o Universo envelhece – desde há aproximadamente 11 bilhões de anos até aos nosso dias.

A equipa descobriu que os núcleos ativos são encontrados maioritariamente em galáxias de massa muito elevada, que contêm muita matéria escura [6]. Este fato revelou-se surpreendente e nada consistente com as previsões feitas pela teoria – se a maior parte dos núcleos ativos fossem uma consequência de fusões e colisões entre galáxias seria de esperar que fossem encontrados em galáxias com massa moderada (cerca de um trilhão de vezes a massa do Sol). A equipe descobriu que a maior parte dos núcleos ativos se encontra em galáxias com massas cerca de 20 vezes maiores do que o valor previsto pela teoria da fusão.

“Estes novos resultados abrem-nos uma nova janela sobre como é que os buracos negros de massa extremamente elevada iniciam as suas “refeições”,” diz Viola Allevato, autora principal do artigo que descreve este trabalho. “Estes resultados indicam-nos que os buracos negros são normalmente alimentados por processos gerados no interior da própria galáxia, tais como instabilidades do disco e formação estelar violenta, em oposição a colisões de galáxias.”

Alexis Finoguenov, que supervisou o trabalho, conclui: “Mesmo no passado distante, até cerca de 11 bilhões de anos atrás, as colisões de galáxias apenas justificam uma pequena percentagem das galáxias ativas moderadamente brilhantes. Nessa altura as galáxias estavam todas mais próximas umas das outras e portanto era de esperar que a fusão fosse mais frequente do que no passado mais recente. Por isso mesmo os novos resultados são ainda mais surpreendentes.”

Notas

[1] As galáxias ativas mais brilhantes eram mais comuns no Universo cerca de três a quatro bilhões de anos depois do Big Bang, enquanto que os objetos menos brilhantes aparecem mais tarde, cerca de oito bilhões de anos depois do Big Bang.

[2] O novo estudo é baseado em dois grandes programas astronômicos europeus: o rastreio XMM-Newton do campo COSMOS liderado pelo Professor Günther Hasinger e o zCOSMOS do ESO liderado pelo Professor Simon Lilly. Estes programas fazem parte da iniciativa COSMOS, um esforço internacional para observar uma zona do céu utilizando o Telescópio Espacial Hubble da NASA/ESA, o XMM-Newton da ESA e o Chandra da NASA, ambos telescópios espaciais de raios X, o telescópio espacial de infravermelho Spitzer da NASA, em adição ao Very Large Telescope do ESO e a outros telescópios terrestres.

[3] O campo COSMOS é uma área com cerca de dez vezes o tamanho da Lua Cheia, na constelação do Sextante. Foi mapeada por uma série de telescópios a diferentes comprimentos de onda, de modo a que muitos de estudos e investigações possam beneficiar desta imensidão de dados.

[4] Um trabalho do Telescópio Espacial Hubble da NASA/ESA publicado o ano passado (heic1101) mostrou que não existia uma ligação importante entre núcleos ativos em galáxias e fusões de galáxias, numa amostra de galáxias relativamente próximas. Esse estudo olhava para trás no tempo cerca de oito bilhões de anos. No entanto, este novo estudo faz recuar esta conclusão para um limite temporal de mais de três bilhões de anos no passado, para uma altura em que as galáxias se encontravam ainda mais próximas umas das outras.

[5] A equipe utilizou um espectrógrafo montado no VLT para separar a radiação tênue emitida pelas galáxias nas suas diversas componentes. Uma análise cuidada permitiu seguidamente determinar o desvio para o vermelho: quanto é que a radiação foi esticada pela expansão do Universo desde que foi emitida pelas galáxias e portanto a que distância é que estas se encontram. Uma vez que a luz viaja a uma velocidade finita podemos também saber quão distantes no tempo estamos a ver estes objetos longínquos.

[6] A matéria escura é uma substância misteriosa que forma uma componente invisível na maior parte, senão mesmo todas, as galáxias (ativas ou não) – incluindo a nossa própria Via Láctea. Os autores estimaram a quantidade de matéria escura em cada galáxia – valor que indica a sua massa total – a partir da distribuição de galáxias no novo estudo.

Fonte:

http://www.eso.org/public/news/eso1124/

Sérgio Sacani

Formado em geofísica pelo IAG da USP, mestre em engenharia do petróleo pela UNICAMP e doutor em geociências pela UNICAMP. Sérgio está à frente do Space Today, o maior canal de notícias sobre astronomia do Brasil.

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