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17 de setembro de 2024

O Mundo Tá Maluco – Chuvas Torrenciais no Deserto do Saara

O Deserto do Saara, conhecido por suas vastas e áridas paisagens, raramente testemunha eventos de precipitação significativa. No entanto, quando a chuva finalmente chega, pode transformar drasticamente o cenário. Recentemente, um evento meteorológico incomum trouxe chuvas torrenciais a esta região, destacando a importância e a raridade de tais fenômenos. Este artigo explora o impacto dessas chuvas, suas causas e as implicações para a compreensão dos padrões climáticos no Saara.

O Saara é o maior deserto não-polar do mundo, abrangendo aproximadamente 9,2 milhões de quilômetros quadrados no norte da África. Caracterizado por suas dunas de areia, planícies rochosas e montanhas, o clima do Saara é predominantemente árido, com temperaturas diurnas que podem ultrapassar os 50 graus Celsius e precipitação anual que, em algumas áreas, não ultrapassa alguns milímetros. A vegetação é escassa e a vida é adaptada às condições extremas de seca e calor.

Normalmente, a precipitação no Saara é esporádica e limitada. A maioria das chuvas ocorre durante o verão, mas mesmo assim, são eventos breves e localizados. A escassez de água é uma característica definidora do deserto, e a infraestrutura para medir e monitorar a precipitação é limitada devido à vastidão e inospitalidade da região. Portanto, quando chuvas significativas ocorrem, elas são eventos notáveis que atraem a atenção de cientistas e meteorologistas.

Em setembro de 2024, um ciclone extratropical se formou sobre o Oceano Atlântico e se deslocou para o norte da África, trazendo consigo uma quantidade incomum de umidade. Este sistema meteorológico raro resultou em chuvas intensas que afetaram grandes áreas do noroeste do Saara, incluindo partes de Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia. A precipitação acumulada em alguns locais foi equivalente ao que normalmente se esperaria em um ano inteiro, uma ocorrência extraordinária para esta região.

O evento foi capturado por satélites da NASA, que forneceram imagens detalhadas das áreas afetadas. Utilizando o MODIS (Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer) no satélite Terra, os cientistas puderam observar o impacto das chuvas na paisagem do Saara. As imagens de cor falsa revelaram a extensão do alagamento e a formação de lagos temporários em áreas que normalmente são secas. Essas observações são cruciais para entender a dinâmica dos eventos de precipitação no deserto e suas consequências para o meio ambiente e as comunidades locais.

Nos dias 7 e 8 de setembro de 2024, um ciclone extratropical incomum atravessou o noroeste do Deserto do Saara, trazendo chuvas torrenciais para regiões de Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia. Este evento meteorológico raro resultou em precipitações que variaram de dezenas a mais de 200 milímetros, uma quantidade equivalente à média anual de chuva para essas áreas. A tempestade se formou sobre o Oceano Atlântico e se estendeu para o sul, puxando umidade da África equatorial para o norte do Saara, um fenômeno que raramente ocorre.

Embora grande parte da chuva tenha caído em áreas pouco povoadas, várias vilas em Marrocos enfrentaram inundações repentinas destrutivas, danos em estradas e interrupções no fornecimento de eletricidade e água. As imagens de satélite capturadas pelo MODIS (Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer) no satélite Terra da NASA revelaram extensos alagamentos e escoamentos, com áreas cobertas por água aparecendo em tons de azul escuro e claro. A profundidade da água e a quantidade de sedimentos suspensos influenciam essas tonalidades.

Além dos impactos imediatos nas comunidades humanas, o evento também provocou mudanças significativas na paisagem natural. Lagos normalmente secos no Saara começaram a se encher, como observado em áreas como o Parque Nacional Iriqui, em Marrocos, e a Sebkha el Melah, uma planície salina na Argélia central. Este fenômeno de enchimento de lagos secos é extremamente raro e foi registrado apenas seis vezes nas últimas duas décadas, de acordo com estudos recentes.

O Dr. Moshe Armon, um destacado pesquisador do Instituto de Ciências da Terra e da Universidade Hebraica de Jerusalém, destacou a singularidade deste evento devido à participação de um ciclone extratropical. Utilizando dados do IMERG (Integrated Multi-Satellite Retrievals for GPM) da NASA, Armon e sua equipe conseguiram avaliar sistematicamente a precipitação em áreas amplas do Saara, onde estações de medição terrestres são escassas. A análise preliminar indicou que este evento foi um dos poucos associados a ciclones extratropicais durante o verão, uma estação que normalmente apresenta eventos de precipitação menos intensos.

Os pesquisadores analisaram duas décadas de dados do IMERG para compreender melhor a frequência de eventos de precipitação intensa na região. Eles identificaram mais de 38.000 eventos de precipitação intensa no Saara, dos quais aproximadamente 30% ocorreram durante o verão. No entanto, apenas uma pequena fração desses eventos de verão esteve associada a ciclones extratropicais, destacando a excepcionalidade do evento de setembro de 2024.

Estudar eventos climáticos extremos como este é crucial para aprofundar nossa compreensão das mudanças climáticas e dos padrões meteorológicos globais. A ocorrência de um ciclone extratropical no Saara e suas consequências destacam a necessidade de monitoramento contínuo e detalhado das condições climáticas em regiões áridas. Além disso, esses eventos fornecem dados valiosos para a modelagem climática e a previsão de futuros fenômenos extremos, contribuindo para a preparação e mitigação de seus impactos. A pesquisa contínua nesta área pode revelar novas informações sobre a dinâmica atmosférica e a resposta dos ecossistemas a eventos climáticos extremos, oferecendo insights importantes para a ciência climática e a gestão ambiental.

Fonte:

observatory.nasa.gov/images/153320/a-deluge-for-the-sahara”>https://earthobservatory.nasa.gov/images/153320/a-deluge-for-the-sahara

Sérgio Sacani

Formado em geofísica pelo IAG da USP, mestre em engenharia do petróleo pela UNICAMP e doutor em geociências pela UNICAMP. Sérgio está à frente do Space Today, o maior canal de notícias sobre astronomia do Brasil.

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