
Descoberta revolucionária pode transformar nossa compreensão sobre a formação dos primeiros buracos negros supermassivos
Uma descoberta revolucionária feita pelo telescópio espacial James Webb (JWST) está reescrevendo nossa compreensão sobre os buracos negros no universo primitivo. Uma equipe internacional de mais de 25 pesquisadores, liderada por Sophia Geris da Universidade de Cambridge, revelou a existência de uma vasta população de buracos negros de baixa massa que permaneceu oculta até agora, existindo quando o universo tinha apenas 1 a 2 bilhões de anos de idade.
A pesquisa, publicada na prestigiosa revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society em junho de 2025, representa um marco na astronomia moderna ao preencher uma lacuna crítica no conhecimento sobre como os buracos negros supermassivos se formaram e evoluíram nos primórdios do cosmos.
Uma Janela para o Universo Jovem
O estudo utilizou dados do projeto JADES (JWST Advanced Deep Extragalactic Survey), analisando aproximadamente 600 espectros obtidos pelo instrumento NIRSpec do James Webb. Os pesquisadores focaram em galáxias localizadas em redshifts entre 3 e 7, o que corresponde a uma época em que o universo tinha entre 800 milhões e 2,2 bilhões de anos – um período crucial para entender a formação das primeiras estruturas cósmicas.
“Até o lançamento do James Webb, nossas observações eram limitadas a quasares luminosos e massivos no alto redshift, ou núcleos galácticos ativos no universo local ou em redshifts relativamente baixos”, explica o estudo. “Assim, as potenciais sondas dos mecanismos de formação e crescimento de buracos negros não podiam ser totalmente utilizadas.”
A descoberta foi possível graças a uma técnica inovadora chamada “stacking” ou empilhamento espectroscópico. Como os buracos negros de baixa massa são muito fracos para serem detectados individualmente, os pesquisadores combinaram centenas de espectros para aumentar o sinal e revelar características que permaneciam invisíveis em observações isoladas.
Revelando os Gigantes Ocultos
Os buracos negros descobertos possuem massas da ordem de algumas vezes 10^6 massas solares – significativamente menores que os buracos negros supermassivos de bilhões de massas solares encontrados em quasares distantes, mas ainda assim gigantescos em termos absolutos. Estes objetos estão acretando matéria a taxas relativamente baixas, com razões de luminosidade para luminosidade de Eddington (L/L_Edd) entre 0,02 e 0,1.
“Identificamos populações de buracos negros que se enquadram na dispersão da relação de escala local M_BH – M_* (massa do buraco negro versus massa estelar), indicando que existe uma população de buracos negros de alto redshift que não são supermassivos em relação às suas galáxias hospedeiras”, relatam os pesquisadores.
Esta descoberta é particularmente significativa porque contrasta com observações anteriores do James Webb, que revelaram principalmente buracos negros “supermassivos” – objetos que são desproporcionalmente grandes em comparação com suas galáxias hospedeiras. A nova população descoberta sugere uma diversidade muito maior nos tipos de buracos negros que existiam no universo primitivo.

Metodologia Revolucionária
A chave para esta descoberta foi a detecção de componentes largas na linha de emissão Hα (hidrogênio alfa) sem uma contrapartida correspondente nas linhas proibidas de [OIII]. Esta assinatura espectroscópica específica é característica da Região de Linhas Largas (BLR – Broad Line Region) ao redor de buracos negros ativos, distinguindo-a de outros fenômenos como ventos galácticos ou explosões de supernovas.
“Em várias pilhas, detectamos um componente largo de Hα sem uma contrapartida em [OIII], implicando que não é devido a fluxos de saída, mas está rastreando a Região de Linhas Largas de uma grande população de núcleos galácticos ativos de baixa luminosidade não detectados em espectros individuais”, detalham os autores.
Os pesquisadores também consideraram cuidadosamente outras possíveis explicações para os sinais observados, incluindo contribuições de supernovas de colapso do núcleo ou estrelas muito massivas. No entanto, após análise detalhada, concluíram que essas alternativas são altamente improváveis como explicação principal para os resultados observados.
Implicações para a Cosmologia
A descoberta tem implicações profundas para nossa compreensão da evolução cósmica. A função de massa dos buracos negros derivada do estudo mostra que a população cresce rapidamente em direção a massas menores, sugerindo que buracos negros de baixa massa eram muito mais comuns no universo primitivo do que se pensava anteriormente.
Os pesquisadores estimaram uma densidade volumétrica de Φ = 5,7×10^-3 Mpc^-3 dex^-1 para buracos negros com log(M_BH/M_☉) = 6,26 no intervalo de redshift 3 < z < 5. Este valor, embora sujeito a incertezas devido à variância cósmica, fornece a primeira medida quantitativa da abundância desses objetos no universo jovem.
“A função de massa dos buracos negros é consistente com modelos nos quais os buracos negros evoluem através de rajadas curtas de acreção super-Eddington”, observam os autores. Esta descoberta apoia cenários teóricos específicos para o crescimento rápido de buracos negros no universo primitivo, onde períodos de acreção extremamente intensa alternam com fases mais quiescentes.
Desafios Observacionais Superados
Uma das principais conquistas deste estudo foi superar as limitações observacionais que há muito tempo impediam a detecção de buracos negros de massa intermediária no universo distante. Tradicionalmente, os levantamentos astronômicos careciam da sensibilidade necessária para detectar as linhas largas de Balmer fracas associadas a buracos negros com massas menores que a maior parte da população conhecida (tipicamente ~10^7-10^8 massas solares).
“O principal problema na detecção de buracos negros de massa intermediária é que os levantamentos atuais podem carecer da sensibilidade para detectar linhas largas de Balmer fracas associadas a massas de buracos negros menores que a maior parte da população atualmente encontrada”, explicam os pesquisadores.
A técnica de empilhamento espectroscópico desenvolvida pela equipe representa uma solução elegante para este problema, permitindo que sinais fracos sejam amplificados através da combinação estatística de múltiplas observações. Esta abordagem já havia sido utilizada com sucesso em estudos de galáxias de alto redshift, mas sua aplicação sistemática para a detecção de núcleos galácticos ativos de baixa luminosidade representa uma inovação metodológica significativa.
Contexto Histórico e Tecnológico
A descoberta se insere em um contexto mais amplo de revoluções observacionais proporcionadas pelo James Webb Space Telescope. Desde seu lançamento, o JWST tem transformado nossa compreensão do universo primitivo, revelando galáxias mais massivas e evoluídas do que se esperava, além de uma população surpreendentemente abundante de núcleos galácticos ativos em altos redshifts.
“O JWST desencadeou uma revolução nas descobertas de núcleos galácticos ativos, caracterizando bem mais de 100 AGN no universo primitivo, com luminosidades muito menores que os quasares previamente observados”, contextualizam os autores.
As observações espectroscópicas com o NIRSpec MOS (Multi-Object Spectroscopy), IFU (Integral Field Unit) e NIRCam Grism revelaram que existe uma grande população de buracos negros em acreção em z > 4, coexistindo com a população de quasares brilhantes já descobertos, mas com luminosidades significativamente menores.
Diversidade na População de Buracos Negros Primitivos
Um dos aspectos mais intrigantes da descoberta é a diversidade observada na população de buracos negros primitivos. Enquanto muitos estudos anteriores com o JWST encontraram principalmente buracos negros “supermassivos” – objetos que são desproporcionalmente grandes em comparação com suas galáxias hospedeiras – este novo estudo revela uma população mais diversificada.
“Identificamos populações de buracos negros que se enquadram na dispersão da relação de escala local M_BH – M_*, indicando que existe uma população de buracos negros de alto redshift que não são supermassivos em relação às suas galáxias hospedeiras e que foram em grande parte perdidos em observações anteriores do JWST”, relatam os pesquisadores.
Esta diversidade sugere que os mecanismos de formação e crescimento de buracos negros no universo primitivo eram mais complexos e variados do que se pensava anteriormente. Alguns buracos negros parecem ter crescido em proporção com suas galáxias hospedeiras, seguindo relações similares às observadas no universo local, enquanto outros experimentaram períodos de crescimento acelerado que os tornaram desproporcionalmente massivos.
Implicações para Modelos Teóricos
A descoberta tem implicações significativas para modelos teóricos de formação de buracos negros supermassivos. Há décadas, os astrofísicos debatem como buracos negros de bilhões de massas solares puderam se formar tão rapidamente após o Big Bang. Várias teorias foram propostas, incluindo o colapso direto de nuvens de gás primordial, remanescentes de estrelas da População III acretando através de rajadas super-Eddington, e fusões rápidas de estrelas e remanescentes estelares em aglomerados densos.
Os novos dados fornecem evidências observacionais que podem ajudar a distinguir entre esses cenários. A função de massa dos buracos negros derivada do estudo, que mostra um aumento acentuado em direção a massas menores, é consistente com modelos nos quais os buracos negros evoluem através de rajadas curtas de acreção super-Eddington.
“A função de massa dos buracos negros é consistente com modelos nos quais os buracos negros evoluem através de rajadas curtas de acreção super-Eddington”, observam os autores. Esta descoberta apoia cenários onde períodos de crescimento extremamente rápido, excedendo o limite de Eddington, alternam com fases mais quiescentes.
Desafios e Limitações
Apesar dos resultados impressionantes, os pesquisadores reconhecem várias limitações e desafios em seu estudo. Uma preocupação importante é a possível contaminação dos sinais observados por outros fenômenos astrofísicos. Os autores consideraram cuidadosamente a possibilidade de que as componentes largas detectadas pudessem ser devidas a supernovas de colapso do núcleo ou estrelas muito massivas.
“Também consideramos a possível contribuição de Supernovas (SNe) e Estrelas Muito Massivas e concluímos que, embora isso seja muito improvável, não podemos excluir alguma contribuição potencial de SNe para algumas das pilhas”, admitem os pesquisadores.
No entanto, várias linhas de evidência suportam a interpretação de que os sinais são principalmente devidos a buracos negros ativos. A detecção, em algumas pilhas, de altas razões [OIII]4363/Hγ, típicas de núcleos galácticos ativos, fornece confirmação adicional de que as pilhas revelam uma grande população de AGN.
Outra limitação importante é a incerteza na determinação das massas dos buracos negros individuais. Como a técnica de empilhamento combina sinais de múltiplas fontes, as propriedades derivadas representam médias da população, não medidas individuais. Isso torna desafiador caracterizar a dispersão real nas propriedades dos buracos negros dentro de cada bin observacional.
Perspectivas Futuras
A descoberta abre várias avenidas promissoras para pesquisas futuras. Uma prioridade imediata é expandir o estudo para outras faixas de redshift e luminosidade, para mapear mais completamente a evolução da população de buracos negros de baixa massa ao longo da história cósmica.
Os pesquisadores também sugerem que observações mais profundas com o JWST poderão eventualmente detectar alguns desses buracos negros individualmente, permitindo estudos mais detalhados de suas propriedades e ambientes. Isso seria particularmente valioso para testar as predições derivadas das análises de empilhamento.
Além disso, a técnica desenvolvida neste estudo pode ser aplicada a outros levantamentos espectroscópicos, tanto atuais quanto futuros. O próximo Extremely Large Telescope (ELT), por exemplo, poderá fornecer dados complementares com resolução espacial superior, permitindo estudos mais detalhados da morfologia das galáxias hospedeiras desses buracos negros de baixa massa.
Impacto na Compreensão da Evolução Galáctica
A descoberta também tem implicações importantes para nossa compreensão da coevolução entre buracos negros e galáxias. No universo local, existe uma correlação bem estabelecida entre a massa dos buracos negros supermassivos centrais e várias propriedades de suas galáxias hospedeiras, como a massa do bojo estelar e a dispersão de velocidades estelares.
O fato de que alguns dos buracos negros descobertos seguem relações similares às locais, enquanto outros são claramente supermassivos, sugere que os processos de coevolução já estavam operando no universo primitivo, mas com maior diversidade e, possivelmente, eficiência variável.
“Em média, as pilhas ainda são supermassivas em relação à relação local, com algumas delas 1-2 dex acima dela”, observam os pesquisadores. Esta observação sugere que, embora existam buracos negros que seguem as relações locais, a população como um todo ainda mostra evidências de crescimento acelerado no universo primitivo.

Conclusões e Significado Científico
Esta descoberta representa um avanço fundamental em nossa compreensão dos buracos negros no universo primitivo. Pela primeira vez, os astrônomos conseguiram detectar sistematicamente uma população de buracos negros de baixa massa em altos redshifts, preenchendo uma lacuna crítica no conhecimento sobre a evolução cósmica desses objetos extremos.
A pesquisa demonstra o poder transformador do James Webb Space Telescope e das técnicas analíticas inovadoras para revelar populações de objetos anteriormente inacessíveis. A metodologia de empilhamento espectroscópico desenvolvida pela equipe estabelece um novo padrão para estudos de populações fracas no universo distante.
Mais fundamentalmente, a descoberta força uma reavaliação dos modelos teóricos de formação e evolução de buracos negros supermassivos. A existência de uma população diversificada de buracos negros no universo primitivo, incluindo objetos que seguem relações de escala similares às locais, sugere que os processos de crescimento eram mais complexos e variados do que se pensava anteriormente.
À medida que o James Webb continua suas observações e novas técnicas analíticas são desenvolvidas, podemos esperar descobertas ainda mais surpreendentes sobre os primórdios do universo e os objetos extremos que o habitavam. Esta pesquisa estabelece uma base sólida para esses estudos futuros e marca um novo capítulo na exploração dos buracos negros cósmicos.
A descoberta de Geris e colaboradores não apenas expande nosso conhecimento sobre os buracos negros primitivos, mas também demonstra como a combinação de tecnologia de ponta e métodos analíticos inovadores pode revelar aspectos ocultos do cosmos. É um lembrete poderoso de que o universo ainda guarda muitos segredos, esperando para serem descobertos por mentes curiosas armadas com as ferramentas certas.




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