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Horizonte de Eventos – Episódio 17 – A História da Água na Lua

Água, os astrônomos têm verdadeira obsessão por esse elemento, seja no planeta que for no objeto que for.

Existe toda a ligação da água com a vida como conhecemos, então isso justifica e muito toda essa busca pelo H2O no universo.

Quando falamos de objetos próximos, como a Lua e Marte, por exemplo, além da vida a água passa a ter outros interesses, além de poder ajudar na exploração prolongada desses mundos pelo ser humano, pode ser um recurso para impulsionar sondas para o espaço profundo.

A história da água na Lua, não é recente, e certamente muitos outros capítulos ainda serão escritos.

A possibilidade de se encontrar gelo de água no assoalho de crateras lunares localizadas nos polos do nosso satélite foi sugerida pela primeira vez em 1961 pelos pesquisadores Kenneth Murray e Harrison Brown do Caltech.

Embora, traços de água tenham sido encontrados em amostras de rochas lunares trazidas para a Terra pelas missões Apollo, os pesquisadores assumiram isso como contaminação e toda a superfície da Lua foi dita como sendo completamente seca.

A primeira evidência direta de água na Lua, foi obtida pelo instrumento conhecido como Experimento de Detecção de íons supratermais, esse instrumento em 7 de março de 1971 detectou uma série de rajadas de íons de vapor d’água na superfície perto do local de pouso da missão Apollo 14.

Em fevereiro de 1978, os cientistas soviéticos Akhmanova, Dementiev e Markov do Instituto de Geoquímica Vernadsky publicaram um artigo onde falavam na detecção de água, o estudo mostra que amostras que retornaram para a Terra, a bordo da sonda soviética Luna 24 continham 0.1% de água por unidade de massa, como foi visto na espectroscopia de absorção infravermelha, no comprimento de onda de 3 mícrons.

Durante os anos 1980 e 1990 essa busca por água na Lua ficou meio parada, até que em 1994 sonda norte-americana Clementine, fez o seu experimento de radar bi-esta’tico, onde ela atirava um feixe de ondas de rádio na Lua e a reflexão dessas ondas eram captadas na Terra, pelas grandes antenas do sistema Deep Space Network.

Embora os resultados tenham sido inconclusivos para a água o experimento detectou uma grande área na Lua que fica permanentemente na sombra, e que então teria a chance de conter gelo de água, a partir desse ponto o foco das missões foi tentar encontrar assinaturas relacionadas com gelo de água nas regiões polares da Lua.

Lançada em 1998, a sonda Lunar Prospector usou o seu espectrômetro de nêutrons para medir a quantidade de hidrogênio no regolito lunar perto das regiões polares, ela foi capaz de determinar a abundância de hidrogênio  e a localização  da concentração de hidrogênio nos polos norte e sul da Lua. Os resultados indicavam uma grande quantidade de gelo de água armazenado nas crateras que ficam permanentemente nas sombras, mas essa medida podia também estar relacionada à hidroxila, OH, e por isso o resultado foi inconclusivo para a água.

E aqui vale uma explicação, a hidroxila e a água, ou seja, o OH e o H2O, são muito difíceis de serem separados no espectro e por isso muitas medidas ficavam com interpretações ambíguas.

Em julho de 1999, a missão Lunar Prospector foi encerrada, com a sonda sendo enviada para colidir na Cratera Shoemaker perto do polo sul lunar, a ideia era detectar algum tipo de gelo de água sendo liberado no impacto, mas as observações não identificaram nada.

E em 1999, enquanto seguia para Saturno, a sonda Cassini-Huygens também passou pela Lua e tentou detectar água, mas os resultados mais uma vez foram inconclusivos.

Terminamos assim o século 20 e nada de encontrar a bendita água na Lua.

Em 2005, a sonda Deep Impact também investigou a presença de água na Lua e os resultados foram inconclusivos.

Em 2006, foi a vez da antena de Arecibo pesquisar pela água na Lua  perto dos locais estudados anteriormente pela sonda Clementine, e os resultados mostraram que na verdade os sinais eram rochas ejetadas durante a formação de crateras recentes.

Mas os estudos feitos com o Arecibo não excluíram a presença de gelo de água em crateras que ficam eternamente nas sombras.

Em junho de 2009, a sonda Deep Impact, rebatizada de EPOXI conseguiu confirmar a presença de hidrogênio no seu sobrevoo pela Lua.

Em setembro de 2007, o Japão lançou uma das missões mais sensacionais que já explorou a Lua, a missão Kaguya, que carregava um espectrômetro de raios-gamma, que podia medir a quantidade de diferentes elementos no solo da Lua.

Mas mesmo os sensores ultra-sensíveis da missão Kaguya falhou ao tentar detectar água na superfície do nosso satélite e também não conseguiu detectar gelo nas crateras eternamente nas sombras lunares.

Em outubro de 2007 foi a vez da China entrar nessa corrida, ela lançou a missão Chang’e-1 que fez as primeiras imagens em alta resolução das áreas polares da Lua, onde o gelo poderia ser encontrado.

A descoberta de água na Lua estava amadurecendo, a tecnologia estava desenvolvendo e então chegamos no turniung point de toda essa história.

No dia 14 de novembro de 2008, às 18:31, hora de Brasília , a sonda indiana Chandrayaan-1 lançou. A Moon Impact Probe (MIP) que impactou com a Cratera Shackleton, no polo lunar, lançando detritos da subsuperfície que então foram analisados.

Durante os 25 minutos de descida, o instrumento Chandra’s Altitudinal Composition Explorer, ou CHACE registrou a evidência de água presente na fina atmosfera acima da superfície da Lua e hidroxila.

No dia 25 de setembro de 2009, a NASA declarou que os dados enviados pelo instrumento M3 confirmava a existência de hidrogênio em grandes áreas da superfície da Lua, embora em baixa concentração e na forma de hidroxila, OH.

Isso estava de acordo com as evidências anteriores registradas pelos espectrômetros que passaram pela Lua a bordo das sondas Deep Impact e Cassini.

Na Lua essa detecção é vista como uma absorção amplamente distribuída que aparece mais forte em latitudes frias e mais altas e em crateras mais novas com muito feldspato.

A falta de uma correlação geral dessa característica nos dados obtidos pela ferramenta M3 da região iluminada pelo Sol com os dados de espectrômetro de massa que mostram uma abundância de hidrogênio sugere que a formação é um processo superficial.

O processo de produção do OH/H2O pode ter acontecido nas frias armadilhas polares e assim fez o regolito um forte candidato a ser fonte de elementos voláteis muito úteis para a exploração humana.

Embora os resultados obtidos com o instrumento M3 seja consistente com as descobertas recentes de outros instrumentos da NASA a bordo da sonda indiana Chandrayaan-1, a descoberta de moléculas de água nas regiões polares da Lua não é consistente  com a presença de espessos depósitos de gelo de água pura encontrados a poucos metros da superfície lunar.

Mas isso também não exclui a presença de uma pequena quantidade de pedaços de gelo misturados no regolito lunar.

Outras análises dos dados do instrumento M3 publicadas em 2018 forneceram mais evidências diretas do gelo de água perto da superfície num raio de 20 graus ao redor de ambos os polos.

Além disso, os cientistas usaram as capacidades de absorção no infravermelho próximo do instrumento M3 estudaram as regiões que ficam permanentemente nas sombras, ali perto dos polos lunares e encontrar assinaturas de absorção no espectro que são consistentes com gelo de água.

Na região polar norte da Lua, o gelo de água está espalhado em pedaços, enquanto que na região polar sul da Lua ele é concentrado em um único corpo.

Pelo fato das regiões polares da Lua experimentarem temperaturas extremamente baixas, ficou postulado que os polos agem como armadilhas frias onde a água vaporizada é coletada na Lua.

Em março de 2010, foi reportado pelos cientistas que o instrumento conhecido como Mini-SAR, a bordo da sonda Chandrayaan-1 descobriu mais de 40 crateras que ficam permanentemente nas sombras, perto do polo norte da Lua, o que poderia levar a uma estimativa da presença de 600 milhões de toneladas cúbicas de gelo de água na Lua.

Então chegamos em 2020, mais precisamente em outubro de 2020.

Depois de mais de 10 anos, a NASA anunciou a descoberta de moléculas de água na Lua.

Mas dessa vez, algo chamou muito a atenção, a água não foi detectada nas regiões da Lua que ficam eternamente nas sombras como antes.

Dessa vez, a água foi detectada na cratera Clavius, uma grande cratera com 231 km de diâmetro e que é facilmente visível da Terra.

Embora a Clavius fique perto do polo sul da Lua, ela não fica totalmente na sombra. O assoalho da cratera recebe luz do Sol diretamente e isso sim é uma grande novidade para a busca por água no nosso satélite.

Dessa vez, os astrônomos usaram o SOFIA, o Stratospheric Observatory For Infrared Astronomy, um verdadeiro observatório que tem um telescópio de 2.5 metros de diâmetro que fica embarcado num Boeing 747SP.

O SOFIA não foi feito para observar a Lua, mas sim objetos distantes, como galáxias, buracos negros entre outros, na verdade, as observações usadas nessa descoberta foram feitas a partir de um voo de teste de observação da Lua em 2018, e aparentemente tudo deu bem certo.

Muitos consideram que o SOFIA descobriu mais do mesmo, algo que já sabíamos a décadas, mas não, a descoberta é realmente importante, pois descobre água longe das regiões eternamente nas sombras, e além disso, conseguiu separar a água H2O do que chamamos de hidroxila, que embora não seja algo é um bom composto para gerar água.

Essa descoberta do SOFIA gerou alguns questionamentos bem importantes.

Se a água foi detectada numa região da Lua onde bate o Sol e onde a temperatura pode chegar até 230 graus Celsius, como essa água não evapora, como que ainda fica ali nas rochas da Cratera Clavius?

Existem algumas possíveis explicações para isso, uma delas é que as moléculas de H2) e OH estejam bem presas nos poros das rochas e por isso não sofrem uma ação direta do aquecimento causado pelo Sol e por isso não evaporam.

Outra possível explicação é que essa água foi levada para a Lua a bordo de pequenos meteoroides, que quando se chocam com a Lua, aquecem muito o terreno, criam rochas vítreas e a água pode ficar presa dentro dessas rochas vítreas.

Outra discussão é sobre a origem dessa água, ela não vem do subsolo, como ela está ali na Lua.

A primeira ideia é que ela tenha vindo a bordo desses meteoroides e esses bólidos que colidiram com a Lua.

Outra explicação é que com a presença da hidroxila no regolito lunar, junto com a radiação ultravioleta que incide na Lua proveniente do Sol, e que não tem atmosfera para filtrar, cria a reação necessária para a formação da água.

Mas quanto de água o SOFIA descobriu na Lua?

Não dá para saber ao certo, mas alguns cálculos que foram feitos indicam que o SOFIA detectou uma quantidade de água na cratera Clavius que é 100 vezes menos do que a região mais seca do Deserto do Saara.

Mas vale ressaltar também, que tudo isso é baseado numa pequena e estreita faixa que foi pesquisada pelo SOFIA, não foi a cratera toda, como eu disse, essa foi uma observação de teste do SOFIA para saber se seria capaz mesmo poder observar e estudar a Lua.

Lembrando que o SOFIA é a ferramenta ideal pois, voa acima de 99% da camada de vapor de água da atmosfera da Terra, e usa o infravermelho que é o comprimento de onda ideal para poder detectar a água em outros objetos.

E o futuro da água na Lua, como será? Na sequência!!

Lógico que com a ideia do homem retornar para a Lua em 2024 com o Programa Artemis da NASA, a água na Lua volta a ser uma grande prioridade.

Para quem não sabe, antes do ser humano pousar na Lua novamente, a ideia da NASA é mandar uma série landers e rovers para preparar o terreno e alguns desses equipamentos vão para a Lua para estudar a água e os elementos voláteis.

Ainda em 2021, a NASA deve lançar a missão Lunar Flashlight, no final de 2021, que será um cubesat que usará lasers infravermelhos e um espectrômetro para mapear o gelo de água no nosso satélite.

Em 2023, a NASA pretende lançar a missão VIPER – Volatiles Invetigating Polar Exploration Rover, a ideia é que esse pequeno rover, um jipe robô, possa explorar as regiões que ficam eternamente nas sombras e possa perfurar a superfície lunar em busca da água, e de outro elementos voláteis.

Outra missão que a NASA pretende lançar para a Lua é a Lunar Trailblazer, uma pequena nave que deve ser lançada para o nosso satélite em 2025 para procurar também nas regiões que ficam em sombra permanente por micro trapas frias, ou seja armadilhas que podem abrigar a água, além disso, essa missão poderá também estudar o ciclo da água na Lua ], mostrando como a abundância de água na Lua muda com o dia lunar, ou seja, cerca de 29 dias terrestres.

A Índia não vai parar, considerada como a nação que descobriu junto com os EUA água na Lua, ela já tem a Chandrayaan-2 explorando o nosso satélite, mas deve lançar no final do ano 2021, caso tudo dê certo, a missão Chandrayaan-3, que poderá pesquisar por água nas regiões eternamente nas sombras da Lua.

E ainda tem o próprio SOFIA, que irá fazer novas observações da Lua para tentar quantificar melhor a distribuição e a quantidade de água no nosso satélite, fora das regiões que ficam sempre nas sombras.

Certamente teremos muitas novidades com relação a água na Lua, por isso fiquem atentos.

A Lua nunca foi como Marte, a bilhões de anos atrás, ela nunca teve oceanos, nunca teve rios ou lagos e certamente nunca teve chuva ou neve.

Mas água tem, e a localização dessa água pode direcionar os futuros planos de exploração humana da Lua, e se ela puder ser identificada, acessada e até minerada, então a água lunar poderá representar um grande salto para a exploração do nosso Sistema Solar e para o entendimento da história da própria Lua, da Terra e da evolução do nosso Sistema solar.

Ficaremos atentos para toda e qualquer descoberta relacionada com a água na Lua.

Sérgio Sacani

Formado em geofísica pelo IAG da USP, mestre em engenharia do petróleo pela UNICAMP e doutor em geociências pela UNICAMP. Sérgio está à frente do Space Today, o maior canal de notícias sobre astronomia do Brasil.

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