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23 de novembro de 2024

Holofote Distante Mostra Como Uma Galáxia Se Alimenta

Esta concepção artística mostra uma galáxia no Universo longínquo, apenas dois bilhões de anos depois do Big Bang, no processo de acretar gás frio (em laranja) do meio circundante. Os astrônomos conseguiram descobrir muito sobre este objeto ao estudar não apenas a galáxia, mas também a luz emitida por um quasar muito mais distante (o objeto brilhante à esquerda da galáxia central) que, por acaso, se encontra no lugar certo para que a sua radiação passe através do gás que está sendo acretado pela galáxia. Os movimentos do gás e a sua composição concordam com perfeição com as teorias de acreção de gás frio como modo de alimentar a formação estelar e permitir o crescimento das galáxias. Crédito: ESO/L. Calçada/ESA/AOES Medialab
Esta concepção artística mostra uma galáxia no Universo longínquo, apenas dois bilhões de anos depois do Big Bang, no processo de acretar gás frio (em laranja) do meio circundante. Os astrônomos conseguiram descobrir muito sobre este objeto ao estudar não apenas a galáxia, mas também a luz emitida por um quasar muito mais distante (o objeto brilhante à esquerda da galáxia central) que, por acaso, se encontra no lugar certo para que a sua radiação passe através do gás que está sendo acretado pela galáxia. Os movimentos do gás e a sua composição concordam com perfeição com as teorias de acreção de gás frio como modo de alimentar a formação estelar e permitir o crescimento das galáxias.
Crédito:
ESO/L. Calçada/ESA/AOES Medialab

observatory_150105Com o auxílio do Very Large Telescope do ESO, astrônomos descobriram uma galáxia distante alimentando-se vorazmente do gás que se encontra nos seus arredores. As observações mostram o gás caindo em direção à galáxia, o que cria um fluxo que alimenta a formação estelar ao mesmo tempo que impulsiona a rotação da galáxia. Esta é a melhor evidência observacional direta até agora que apoia a teoria de que as galáxias atraem e devoram material próximo de modo a crescerem e formarem estrelas. Os resultados serão publicados a 5 de julho de 2013 na revista Science.

Os astrônomos sempre suspeitaram que as galáxias crescem atraindo material do meio circundante, no entanto este processo tem-se revelado muito difícil de observar diretamente. Agora o Very Large Telescope do ESO foi utilizado para estudar um alinhamento muito raro entre uma galáxia longínqua [1] e um quasar ainda mais longínquo – o centro extremamente brilhante de uma galáxia alimentado por um buraco negro de elevada massa. A radiação emitida pelo quasar passa através da matéria que circunda a galáxia, antes de chegar à Terra, o que permite explorar em detalhe as propriedades deste material [2]. Estes novos resultados dão a melhor visão até hoje de uma galáxia em plena refeição.

“Este tipo de alinhamento é muito raro e permitiu-nos fazer observações únicas”, explica Nicolas Bouché do Instituto de Investigação de Astrofísica e Planetologia (IRAP, sigla do francês) de Toulose, França, autor principal do novo artigo científico que descreve os resultados. “Usamos o Very Large Telescope do ESO para observar tanto a galáxia propriamente dita como o gás que a rodeia, o que nos permitiu abordar um problema importante na formação galática: como é que as galáxias crescem e formam estrelas”.

À medida que formam novas estrelas, as galáxias esgotam rapidamente o seu reservatório de gás, por isso têm que, de alguma maneira, se reabastecer de forma contínua com gás novo para poderem continuar a produzir estrelas. Os astrônomos suspeitavam que a resposta a este problema estivesse na quantidade de gás frio que se situa nos arredores das galáxias, devido à sua atração gravitacional. Neste cenário, a galáxia atrai o gás, o qual circula à sua volta, rodando com a galáxia antes de cair para o seu interior. Embora já tivessem sido observadas anteriormente algumas evidências dum tal processo de acreção, tanto o movimento do gás como as suas outras propriedades não tinham sido ainda completamente exploradas.

Os astrônomos usaram dois instrumentos, o SINFONI e o UVES [3], ambos montados no VLT do ESO no observatório do Paranal, no norte do Chile. As novas observações mostraram como é que a galáxia propriamente dita roda e revelaram igualmente a composição e o movimento do gás situado no exterior da galáxia.

“As propriedades deste enorme volume de gás circundante são exatamente as que esperávamos encontrar se o gás frio estivesse a ser atraído pela galáxia”, diz o co-autor Michael Murphy (Swinburne University of Technology, Melbourne, Austrália). “O gás move-se como o esperado, a quantidade existente é também a esperada e tem a composição certa para ajustar os modelos de modo perfeito. É como a hora de comer dos leões no jardim zoológico – esta galáxia em particular tem um apetite devorador e nós descobrimos como é que ela se alimenta de modo a crescer tão depressa”.

Os astrônomos já encontraram evidências de material em torno de galáxias no Universo primordial, mas esta é a primeira vez que puderam mostrar com clareza que este material se desloca para o interior e não para o exterior, tendo também determinado a composição deste combustível para futuras gerações de estrelas. Sem a luz do quasar a atuar como uma lupa, não teria sido possível detectar este gás circundante.

“Neste caso tivemos sorte em ter um quasar no lugar certo para que a sua luz passasse através do gás que está caindo em direção à galáxia. A próxima geração de telescópios extremamente grandes permitirá fazer este estudo com múltiplas linhas de visão por galáxia, fornecendo assim uma visão muito mais completa”, conclui a co-autora Crystal Martin (University of California Santa Barbara, EUA).

Notas

[1] Esta galáxia foi detectada no rastreio de 2012 do SINFONI de desvios para o vermelho de z ~ 2, o chamado Programa SINFONI Mg II para Emissores de Linhas (acrônimo do inglês, SIMPLE). O quasar que se encontra no campo de fundo chama-se HE 2243-60 e a galáxia situa-se a um desvio para o vermelho de 2,3285 – o que significa que a estamos vendo quando o Universo tinha apenas cerca de dois bilhões de anos de idade.

[2] Quando a luz do quasar passa através das nuvens de gás alguns dos comprimentos de onda são absorvidos. O modo como estas impressões digitais estão dispostas fornece aos astrônomos informação acerca dos movimentos e da composição química do gás. Sem o quasar no fundo não se conseguiria ter obtido tanta informação – as nuvens de gás não brilham e por isso não são visíveis em imagens diretas.

[3] O SINFONI é um espectrógrafo de campo integral que opera no infravermelho próximo (Spectrograph for INtegral Field Observations in the Near Infrared) e o UVES é um espectrógrafo Echelle que opera no visível e ultravioleta (Ultraviolet and Visual Echelle Spectrograph). Ambos se encontram montados no Very Large Telescope do ESO. O SINFONI revelou os movimentos do gás na galáxia propriamente dita e o UVES mostrou os efeitos do gás em torno da galáxia com o auxílio da luz emitida pelo quasar mais distante.

Mais Informações

Este trabalho foi descrito no artigo científico entitulado “Signatures of Cool Gas Fueling a Star-Forming Galaxy at Redshift 2.3”, que será publicado na revista Science em 5 de julho de 2013.

A equipe é composta por N. Bouché (CNRS; IRAP, França), M. T. Murphy (Swinburne University of Technology, Melbourne, Austrália), G. G. Kacprzak (Swinburne University of Technology, Austrália; Australian Research Council Super Science Fellow), C. Péroux (Université Aix Marseille, CNRS, França), T. Contini (CNRS; Université Paul Sabatier,  Toulouse, França), C. L. Martin (University of California Santa Barbara, EUA), M. Dessauges-Zavadsky (Observatório de Genebra, Suíça).

O ESO é a mais importante organização europeia intergovernamental para a pesquisa em astronomia e é o observatório astronômico mais produtivo do mundo. O ESO é  financiado por 15 países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Brasil, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Itália, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia e Suíça. O ESO destaca-se por levar a cabo um programa de trabalhos ambicioso, focado na concepção, construção e funcionamento de observatórios astronômicos terrestres de ponta, que possibilitam aos astrônomos importantes descobertas científicas. O ESO também tem um papel importante na promoção e organização de cooperação nas pesquisas astronômicas. O ESO mantém em funcionamento três observatórios de ponta, no Chile: La Silla, Paranal e Chajnantor. No Paranal, o ESO opera  o Very Large Telescope, o observatório astronômico óptico mais avançado do mundo e dois telescópios de rastreio. O VISTA, o maior telescópio de rastreio do mundo que trabalha no infravermelho e o VLT Survey Telescope, o maior telescópio concebido exclusivamente para mapear os céus no visível. O ESO é o parceiro europeu do revolucionário telescópio  ALMA, o maior projeto astronômico que existe atualmente. O ESO está planejando o European Extremely Large Telescope, E-ELT, um telescópio de 39 metros que observará na banda do visível e infravermelho próximo. O E-ELT será “o maior olho no céu do mundo”.

Esta imagem de grande angular mostra o céu em torno do par muito raro composto por uma galáxia e um quasar na constelação austral do Tucano. O quasar e a galáxia são demasiado tênues para poderem ser vistos nesta imagem obtida com um telescópio relativamente pequeno, mas a sua posição encontra-se marcada. Esta imagem foi criada a partir de dados do Digitized Sky Survey 2. Crédito: ESO/Digitized Sky Survey 2. Acknowledgement: Davide De Martin
Esta imagem de grande angular mostra o céu em torno do par muito raro composto por uma galáxia e um quasar na constelação austral do Tucano. O quasar e a galáxia são demasiado tênues para poderem ser vistos nesta imagem obtida com um telescópio relativamente pequeno, mas a sua posição encontra-se marcada. Esta imagem foi criada a partir de dados do Digitized Sky Survey 2.
Crédito:
ESO/Digitized Sky Survey 2. Acknowledgement: Davide De Martin

Fonte:

http://www.eso.org/public/brazil/news/eso1330/

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Sérgio Sacani

Formado em geofísica pelo IAG da USP, mestre em engenharia do petróleo pela UNICAMP e doutor em geociências pela UNICAMP. Sérgio está à frente do Space Today, o maior canal de notícias sobre astronomia do Brasil.

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