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Fatos Sobre Os Eclipses Na Era Medieval e Na Renascença

Na sociedade e na cultura medievais e renascentistas, as ocorrências celestes não eram vistas apenas como espetáculos no céu; em vez disso, eram percebidas como presságios, indicadores de eventos futuros e insights sobre as operações do cosmos. A historiadora da Universidade de Rochester, Laura Ackerman Smoller, e a bibliotecária Anna Siebach-Larsen, que dirige a Biblioteca Rossell Hope Robbins, esclareceram a compreensão, a interpretação e os encontros de eclipses, alinhamentos planetários e outros eventos astronômicos por indivíduos durante a chamada “Idade das Trevas”.

Smoller, um ilustre professor de história em Rochester e membro da Academia Medieval da América, desafia o equívoco de que os indivíduos medievais geralmente eram pouco inteligentes, desinformados e supersticiosos. Ela destaca que astrônomos antigos e medievais possuíam o conhecimento para antecipar as ocorrências de conjunções e eclipses com precisão. O posicionamento da lua, seja ela nova ou cheia, e sua interseção com o caminho do sol, conhecida como eclíptica, determinaram a presença de um eclipse — um eclipse solar com lua nova e um eclipse lunar com lua cheia. Durante um eclipse, o sol e a lua se alinham em oposição, separados por 180 graus ou em conjunção no mesmo grau, exigindo que seus caminhos estejam no mesmo plano e se cruzem, o que Smoller descreve como um conceito matematicamente avançado.

Apesar dessa sofisticação astronômica, a Europa medieval manteve uma perspectiva geocêntrica, considerando o sol e a lua como planetas orbitando a Terra, ao lado dos cinco planetas conhecidos na época: Vênus, Mercúrio, Marte, Júpiter e Saturno. Esse modelo geocêntrico prevaleceu não apenas na Idade Média, mas também em várias civilizações clássicas, como a Grécia e Roma antigas.

O início da Revolução Copernicana em 1543 com a publicação da obra de Nicolau Copérnico, “De revolutionibus orbium coelestium” (Sobre as revoluções das esferas celestiais), sinalizou uma mudança do modelo centrado na Terra há muito estabelecido para um heliocêntrico, colocando o sol no centro do nosso sistema solar. Os europeus medievais viam os alinhamentos planetários, como as conjunções de Júpiter e Saturno, como precursores de eventos futuros, desde desastres naturais como fomes, terremotos e inundações até ocorrências significativas, como o nascimento de Cristo e a queda de impérios. Eles acreditavam que os eclipses, particularmente os solares, tinham o poder de intensificar e reforçar as influências dessas conjunções planetárias.

O Departamento de Livros Raros, Coleções Especiais e Preservação (RBSCP) da Universidade abriga um livro impresso antigo de 1485, de autoria de Firmin de Beauval, intitulado Opusculum repertorii prognosticon in mutationes aeris (Sobre a previsão de mudanças no clima), publicado por Erhard Ratdolt, conhecido por sua experiência em imprimir trabalhos relacionados à geometria, astrologia e astronomia. Esta valiosa compilação de fontes medievais antigas investiga a correlação entre movimentos planetários e eventos meteorológicos para fins de previsão do tempo. Além das previsões meteorológicas, o tratado também explora tópicos como solstícios, equinócios, conjunções planetárias e eclipses, atribuindo a eles a capacidade de prever ocorrências futuras.

Ao estudar a marca latina original (ou incable), Smoller destaca a crença em eclipses que potencializam os efeitos das conjunções planetárias. O texto menciona um cenário em que se prevê que um eclipse solar, combinado com a conjunção planetária de Saturno e Júpiter na cabeça de Áries, tenha efeitos com duração de 12.000 anos, uma afirmação verdadeiramente surpreendente. Dignas de nota são as marcas desbotadas encontradas nas margens direitas, indicando o espanto de um leitor precoce com o efeito de superreforço descrito.

Ao contrário da crença popular sobre a Idade Média ser supersticiosa, Smoller argumenta que atribuir eventos celestes aos impactos terrestres era uma crença comum. Ela traça paralelos com as mudanças de maré sincronizadas com o ciclo lunar, enfatizando que essa perspectiva prevaleceu na filosofia natural medieval, antiga e do início da modernidade, conforme endossado por figuras proeminentes como Galileu e Kepler.

Durante o período medieval, os teólogos contemplaram o significado do que chamaram de “eclipse milagroso” que supostamente coincidiu com a crucificação de Jesus. Os eclipses não interessaram apenas aos astrônomos especializados, mas também foram incluídos no currículo da educação universitária geral, especialmente para teólogos.

Por exemplo, William de Auvergne, um importante professor de teologia e bispo de Paris de 1228 a 1249, discutiu o suposto “eclipse milagroso” durante a crucificação de Jesus. Sua obra De universo, um manuscrito de 600 fólios que significa “Sobre o Universo”, lança luz sobre a cultura científica da época e seus métodos de transmissão. Notavelmente, o manuscrito apresenta uma iluminação única dividida em elementos de terra, água, ar e fogo, mostrando uma mistura de conhecimento científico e representação artística.

Um dos primeiros observadores do conceito de “magia natural” entre os intelectuais medievais, William discute o assunto dos eclipses em De universo. Ele está listado entre os vários autores cristãos, começando pelos primeiros pais da Igreja, que afirmam que o eclipse durante a crucificação teve que ser milagroso, pois foi considerado impossível naturalmente, de acordo com Smoller. A razão por trás dessa afirmação está no momento do evento: a crucificação supostamente ocorreu durante a Páscoa, que começa na primeira ou segunda lua cheia após o equinócio da primavera. No entanto, um eclipse solar exige uma lua nova em vez de uma lua cheia para ocorrer.

Dentro da coleção da Biblioteca Robbins está um charmoso “almanaque de livros de morcegos” derivado do Kalendarium de John Somer, que remonta à década de 1390. Este almanaque de pergaminho, de tamanho pequeno, foi criado para ser fácil de dobrar e transportar. Servindo como auxiliares para astronomia, oração e astrologia, esses almanaques desempenharam um papel vital na determinação do prognóstico, diagnóstico e tratamento de um paciente — o equivalente a um aplicativo de smartphone WebMD medieval.

“Embora frequentemente encontremos essas informações em forma de livro, é extremamente raro encontrar um manuscrito como esse destinado a ser anexado ao cinto de um indivíduo para consulta em qualquer lugar”, comenta Siebach-Larsen. Surpreendentemente, existem apenas 31 almanaques conhecidos desse tipo na Inglaterra, com apenas quatro, incluindo os da Universidade, que datam do século XIV. Conforme afirmado por Siebach-Larsen, o manuscrito de Rochester pode ser um dos primeiros textos em inglês dessa natureza.

Smoller explica ainda que o almanaque foi criado para permitir que os médicos determinassem o momento mais favorável para misturar medicamentos e realizar procedimentos médicos. Embora o manuscrito apresente detalhes sobre eclipses solares, acompanhados de ilustrações cativantes, permanece incerto se essa ocorrência celestial foi percebida como um sinal positivo ou negativo nas práticas e ciências de cura medievais.

Durante a Idade Média, os eclipses lunares e solares tiveram importância, mas certos alinhamentos planetários tiveram maior peso.

Na hierarquia do significado astronômico, onde estão os eclipses lunares, os eclipses solares e os alinhamentos ou conjunções planetárias?

Para indivíduos na época medieval, apesar dos eclipses serem mais visíveis, outras conjunções planetárias tiveram maior importância. Isso se deve à crença de astrólogos e astrônomos medievais de que o sol e a lua são essencialmente dois dos sete planetas. De acordo com Smoller, são os planetas “mais lentos e externos” — Saturno, Júpiter e Marte — que foram considerados mais significativos.

“Os eventos verdadeiramente cruciais são aquelas conjunções únicas de Saturno e Júpiter que ocorrem aproximadamente a cada 240 e 960 anos, não os ciclos mais frequentes de 20 anos”, explica ela.

Embora o próximo alinhamento de Saturno e Júpiter esteja programado para o ano de 2040, deve-se notar que esse evento não teria tido muita importância para os astrônomos durante o período medieval.

Do ponto de vista dos estudiosos medievais, o próximo alinhamento verdadeiramente importante dos planetas – de acordo com seu entendimento – não ocorreria até o século 22.

No entanto, com base em eventos passados, é lógico supor que os futuros habitantes da Terra manterão o interesse atemporal que a humanidade sempre teve pelas ocorrências celestes.

Fonte:

https://phys.org/news/2024-04-facts-beliefs-eclipses-medieval-renaissance.html

Sérgio Sacani

Formado em geofísica pelo IAG da USP, mestre em engenharia do petróleo pela UNICAMP e doutor em geociências pela UNICAMP. Sérgio está à frente do Space Today, o maior canal de notícias sobre astronomia do Brasil.

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