Por:
Nelson Travnik
Eta Carinae, como diz o nome, situa-se na constelação da Carina e é parte da constelação do Navio, Argus, que o astrônomo francês Nicholas L. de La Caille (1713-1762) subdividiu em três constelações menores: Carina, Quilha; Popa, Puppis e Vela, Vela. Eta Carinae é um dos astros mais intrigantes já vistos no firmamento. Um mistério que aos poucos vai sendo desvendado.
Com brilho equivalente a 5 milhões de sóis, é a maior, a mais luminosa e a que emite mais energia na galáxia. O que mais intrigava os astrônomos é que a massa da estrela contrariava o chamado Limite de Eddington, proposta pelo astrofísico inglês Arthur Stanley Eddington (1882-1944) no qual estabelecendo o limite para uma estrela massiva de até 160 sóis, a gigante Eta Carinae não deveria existir pelo fato de que, em essência, a pressão da radiação não deve exceder a gravidade. Em 1826 a curiosidade em torno de Eta Carinae começou quando o naturalista inglês William J. Burschell observando-a de São Paulo, notou que a estrela classificada como de magnitude 4 brilhava como uma de magnitude 2. A atenção dos astrônomos aumentou quando o estudioso de Eta Carinae, Kris Davidson, estimou que a explosão dessa estrela em 1843 havia lançado ao espaço uma quantidade de matéria equivalente a duas massas solares. O enigma aumentou ainda mais quando em 1850, com nova explosão, ela atingiu o brilho de Sirius, a estrela mais brilhante do céu. Nessa explosão alguns astrônomos calcularam que Eta Carinae se livrou de uma só tacada, algo ao redor de 10 estrelas como o nosso Sol. Depois dessa ‘explosão’ de brilho, ela desapareceu dentro de um casulo de gás e poeira como a vemos hoje estimado em 9 anos-luz ou, 7,1 trilhões de quilômetros e que é conhecida como Nebulosa Eta Carinae ou NGC 3372. Com isso ela não pode ser vista diretamente porque sua luz espalhada pelo casulo denominado Homúnculo, forma uma borrão impenetrável aos instrumentos. Pesquisas recentes mostram que o gás e poeira à sua volta está se dissipando e ela talvez possa ser vista novamente no próximo século.
DECIFRANDO O ENIGMA
Eta Carinae está situada a 7.500 anos-luz e foi catalogada pela primeira vez em 1677 pelo astrônomo inglês Edmond Halley (1656-1742). Seu tamanho gigantesco atualmente calculado em 126 massas solares, é raríssimo, contrariava o Limite de Eddington e não explicava os grandes saltos de brilho. Isso foi solucionado pelo astrofísico brasileiro Augusto Damineli do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas do IAG,USP, estudando o estranho comportamento da estrela. Uma hipótese apresentada por ele em 1977, sugeria que Eta Carinae era uma estrela dupla numa órbita excêntrica quando elas na aproximação máxima (periastro) estariam separadas por menos de 200 milhões de quilômetros, distância relativamente pequena, pouco mais da distância da Terra ao Sol. Isto resolvia as restrições impostas pelo Limite de Eddington ao dividir a massa mas restava a explicação para os saltos e diminuição do brilho. Damineli estimou o período da órbita em 5,53 anos ou, 2020 dias e que havia uma queda de brilho chamado ‘apagão’ quando uma estrela passava à frente da outra com relação a linha de visão que liga a Terra a Eta Carinae e isto provocava outrossim uma súbita queda na emissão de raios X. Contudo era necessário a comprovação da hipótese, da parceria de Eta Carinae A e Eta Carinae B e essa veio através do satélite Fuse , sigla em inglês de “Explorador Espectroscópico do Ultravioleta Distante” da NASA. As medidas no ultravioleta permitiram identificar a presença de Eta Carinae B, comprovando também que a estrela no periastro entra dentro do vento estelar de Eta Carinae A. Vento estelar são chuvas de partículas altamente energéticas produzidas e ejetadas pelas estrelas. O fenômeno conhecido como ‘apagão’ ocorre portanto quando a componente B com massa calculada de 36 vezes a do Sol e mais quente, penetra no periastro no vento estelar da principal A com 90 massas solares, maior e mais fria. O resultado é uma espécie de eclipse estelar de alta energia que faz com que certas faixas do espectro eletromagnético em especial os raios X, sejam bloqueados. Para monitorar o comportamento de ambas estrelas, o astrônomo amador de Campinas,SP, Rogério Marcon, através de um espectroscópio por ele construído, está empenhado na imagem diária do sistema que irá possibilitar flagrar o inicio, o meio e o fim do ‘apagão’.
MORTE ANUNCIADA
Resta saber quando irá ocorrer a terceira que poderá ser a última explosão. Há 7.500 anos-luz ela já poderá ter ocorrido e portanto está a caminho um tsunami cósmico. Pesquisas mostram que Eta Carinae é um barril de pólvora estelar com o pavio quase no fim. A teoria que conhecemos da evolução estelar nos mostra que o final da vida de uma estrela de grande massa é curta cujo final é a transformação em uma supernova. Explosões dessas estrelas são freqüentes e registradas em outras galáxias a muitos milhões, bilhões de anos-luz. O caso contudo de Eta Carinae face ao seu gigantismo será ainda maior, uma hipernova. Por uma fração de segundo, estrelas hipernovas emitem tanta luz como a galáxia inteira! No caso de Eta Carinae, em sua explosão final – quando o combustível nuclear não bastar para fornecer energia capaz de suportar a contração gravitacional – será o espetáculo mais grandioso da história da nossa galáxia. Nosso céu será inundado por uma luz tão forte que fará a noite virar dia durante um mês ! Para nós do hemisfério sul, isso acontecerá nas estações do outono e inverno. Essa explosão irá significar que a energia liberada – a terrível radiação gama – será trilhões de vezes mais intensa. Mesmo distante 7.500 anos-luz, essa radiação direcionada à Terra, varrerá toda a vida do planeta. Um funeral luminoso e segundo alguns pesquisadores uma dessas explosões pode ter atingido a Terra no final do período Ordoviciano, há 450 milhões de anos e que tenha conseguido exterminar mais de 80% de todas as espécies viventes aquela época. Contudo para nossa felicidade, o grupo do astrônomo Kris Davidson descobriu recentemente que o eixo de rotação de Eta Carinae A não está em nossa direção e assim como os raios gama saem em feixe estreito na direção do eixo de rotação, ufa ! estamos salvos !
Nelson Travnik é astrônomo em Campinas, SP e Membro Titular da Sociedade Astronômica da França.c