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Estudo Mostra Que O Evento de Carrington Foi Maior Do Que Se Pensava

Uma equipe de cientistas liderada por C. D. Beggan, da British Geological Survey, realizou um feito notável na história da geociência ao digitalizar registros magnéticos contínuos das tempestades geomagnéticas que ocorreram em agosto e setembro de 1859. Este evento incluiu a famosa tempestade Carrington, considerada uma das mais intensas já registradas. Os resultados do estudo foram publicados no periódico Space Weather.

Os registros originais, mantidos em papel, foram obtidos dos observatórios de Greenwich e Kew, em Londres, e agora foram convertidos em um conjunto de valores digitais cronometrados e escalados para análises futuras. A digitalização desses dados permite que pesquisadores de todo o mundo acessem informações cruciais sobre a intensidade e a evolução dessas tempestades históricas.

A análise inicial dos dados sugere que as taxas de variação do campo magnético, que ultrapassaram 700 nT/min, excederam o valor extremo de 1 em 100 anos, estimado entre 350–400 nT/min para essa latitude. Essa descoberta ressalta a magnitude extraordinária das tempestades de 1859 e a importância de compreender eventos semelhantes para proteger a infraestrutura tecnológica moderna.

A metodologia utilizada pelos autores envolveu um processo meticuloso de digitalização de registros magnéticos históricos, que foram originalmente gravados em papel nos observatórios de Greenwich e Kew em Londres. O objetivo era converter esses registros em um conjunto de valores digitais cronometrados e escalados para análises futuras. Vou detalhar os passos principais da metodologia:

Extração de Dados dos Magnetogramas: A equipe utilizou imagens dos magnetogramas para extrair os traços das linhas que representam as variações do campo magnético. Eles capturaram os dados das tempestades geomagnéticas entre 25 de agosto e 5 de setembro de 1859, incluindo períodos de calmaria para comparação.

Uso do Software Engauge Digitizer: Para a digitalização, foi empregado o Engauge Digitizer, um programa de código aberto que permite importar arquivos de imagem contendo gráficos, sobrepor manualmente um gráfico clicando em pontos com o mouse e exportar um arquivo de texto contendo as coordenadas digitalizadas do gráfico.

Tratamento de Dados Ilegíveis: Durante tempestades geomagnéticas, mudanças rápidas na amplitude podem tornar os traços ilegíveis. Quando havia lacunas ou dados ilegíveis, uma nova curva era iniciada, garantindo que não houvesse valores interpolados no período ausente.

Escala e Unidades SI: Os valores digitais foram escalados para unidades do Sistema Internacional (SI), utilizando a distância relativa entre a série temporal e uma linha de base que indicava o valor absoluto do campo magnético.

Correção de Erros de Escala e Tempo: A equipe estimou erros de escala em torno de 5%, considerando a precisão das partes do todo em 4 casas decimais. Erros de tempo também foram considerados, especialmente durante eventos identificáveis como o Evento Solar de Carrington (SFE), onde a precisão do tempo poderia ser de três a cinco minutos.

Ajuste de Dados para Tempo Universal (UT): Foi necessário converter o tempo Astronômico, comumente usado até o início do século XX, para o Tempo Universal. Em Greenwich, o dia começava ao meio-dia local, o que foi levado em conta na interpretação dos dados.

Análise de Correlação e Incerteza: A equipe comparou os valores registrados simultaneamente nos dois sites, encontrando uma correlação de Pearson de 0.73 para o ângulo de declinação e 0.81 para os valores horizontais. A densidade de medidas linearmente correlacionadas foi codificada por cores em um gráfico de dispersão.

Avaliação Crítica dos Dados: A equipe alertou para a necessidade de cautela ao usar a magnitude exata em unidades SI e os tempos precisos dos eventos individuais, devido às incertezas inerentes e recomendou referência aos magnetogramas originais para evitar “sobre-interpretar” o conjunto de dados.

A metodologia aplicada permitiu a criação de um conjunto de dados digitais que agora está disponível para a comunidade científica, possibilitando uma análise mais detalhada das tempestades geomagnéticas de 1859 e contribuindo para o entendimento de eventos de clima espacial extremos.

Com essa metodologia, os autores do trabalho conseguiram resultados interessantes, que podemos destacar.

Digitalização bem-sucedida: Os autores digitalizaram com sucesso os registros de magnetogramas contínuos dos observatórios de Greenwich e Kew em Londres, que documentaram as tempestades geomagnéticas de agosto e setembro de 1859, incluindo a tempestade Carrington.

Dados de alta resolução: A digitalização produziu um conjunto de valores digitais cronometrados e escalados que permitem análises futuras com maior detalhe e precisão do que era possível com os registros em papel.

Taxas de variação do campo magnético: A análise inicial dos dados digitais sugere que as taxas de variação do campo magnético durante as tempestades excederam 700 nT/min, superando o valor extremo de 1 em 100 anos de 350–400 nT/min para essa latitude, com base em registros da era digital.

Disponibilidade de dados: Os dados digitais estão disponíveis publicamente no serviço de dados ambientais do Natural Environment Research Council (NERC), permitindo que outros pesquisadores realizem análises adicionais.

Contribuição para o entendimento de fenômenos geofísicos: Os dados de longa série temporal dos observatórios magnéticos contribuem para o entendimento de fenômenos geofísicos diversos, como o estudo do fluxo no núcleo externo da Terra e a climatologia solar de longo prazo.

Comparação entre observatórios: A comparação dos dados entre os observatórios de Greenwich e Kew mostrou uma boa correlação para os componentes de Declinação e Campo Horizontal, mas diferenças significativas no componente Vertical, especialmente durante o pico de 2 de setembro.

Questões de calibração: Foi observado que o componente Vertical do observatório de Greenwich apresentou variações muito maiores do que o de Kew, levantando questões sobre a calibração ou o funcionamento correto do instrumento de Greenwich durante o evento.

Esses resultados são significativos porque fornecem uma visão mais clara e detalhada de um dos eventos de clima espacial mais extremos já registrados, o que é crucial para a compreensão dos impactos potenciais de tempestades geomagnéticas semelhantes na infraestrutura tecnológica moderna.

O estudo também destaca o “magnetic crusade” internacional que começou na década de 1840, levando à criação de dezenas de observatórios magnéticos ao redor do mundo. Os dados coletados desde então têm sido fundamentais para o estudo de fenômenos geofísicos diversos, desde o fluxo no núcleo externo da Terra até a climatologia solar de longo prazo.

Os desafios enfrentados pelos pesquisadores incluíram a ausência de fatores de escala originais e a dificuldade em interpretar variações do campo magnético que se perderam quando os traços saíram da página durante as tempestades. Para superar esses obstáculos, a equipe utilizou relatórios escritos da época e anuários dos observatórios para rastrear fatores de escala plausíveis e explicar o processo de digitalização de registros muito antigos.

Os dados digitais criados no estudo estão disponíveis no serviço de dados ambientais do Natural Environment Research Council (NERC) no Centro Nacional de Dados Geocientíficos, sob a licença do governo do Reino Unido. Além disso, a coleção de magnetogramas do BGS pode ser encontrada online, assim como o Anuário de Greenwich de 1859 e as médias anuais do Reino Unido.

O artigo conclui que, embora os instrumentos da época tivessem uma resposta relativamente amortecida a variações rápidas, os registros indicam claramente a natureza extrema das tempestades de 1859. A digitalização dos registros oferece uma nova perspectiva sobre esses eventos históricos e reforça a necessidade de preparação para eventos de clima espacial extremos, que podem ter consequências significativas para as sociedades modernas dependentes de tecnologia.

Em suma, o trabalho de Beggan e colaboradores não apenas fornece um conjunto de dados digitais de alta resolução para futuras análises, mas também reitera a relevância de compreender e mitigar os riscos associados a tempestades geomagnéticas extremas. Este estudo é um exemplo notável de como a ciência pode utilizar registros históricos para avançar no conhecimento do clima espacial e seus impactos potenciais.

Os registros de variação contínua do campo magnético começaram em Greenwich na década de 1840, seguidos por Kew uma década depois. Por acaso, uma das maiores tempestades geomagnéticas já registradas, a tempestade de Carrington, em 2 a 5 de setembro de 1859, foi medida em ambos os locais. Um precursor e uma tempestade extrema menos reconhecida em 28 a 29 de agosto também foram observados.

Extrair valores digitais dessas imagens é difícil e requer tempo e experiência para traçar manualmente as mudanças no campo magnético e converter corretamente as trajetórias de milímetros para tempo e unidades SI de graus de ângulo e nT. No caso de registros mais antigos, é necessário um trabalho investigativo cuidadoso para verificar os valores extraídos e garantir que o conjunto de dados esteja corretamente alinhado no tempo e na magnitude. Com dois observatórios independentes na mesma cidade, isso oferece uma ótima oportunidade para produzir um conjunto de variação histórica do campo magnético validado cruzado.

Ao comparar nossas trajetórias extraídas com valores semi-independentes de anuários e outras informações publicadas da época, fornecemos o primeiro conjunto de dados de minutagem dos valores das tempestades de agosto e setembro de 1859 extraídos dos registros de magnetogramas dos observatórios magnéticos de Kew e Greenwich. Descobrimos que a correlação entre os registros dos observatórios é relativamente alta em 0,81 na componente Horizontal e 0,73 na Declinação. Os dados da componente Vertical são incompletos e questionáveis em Greenwich, embora estejam disponíveis quase continuamente em Kew. Na melhor de nossas habilidades, tentamos ser consistentes na extração e escalonamento dos magnetogramas, embora não possamos quantificar completamente todos os erros em geral. Os magnetogramas digitalizados estão disponíveis no formato IAGA-2002. A análise inicial sugere que as taxas de mudança do campo de mais de 700 nT/min excederam o valor extremo de 350-400 nT/min em 1 a cada 100 anos nessa latitude com base em registros da era digital. Uma análise mais aprofundada pode agora ser realizada para entender melhor ambas as tempestades e sua evolução em detalhes mais finos.

Fonte:

https://agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1029/2023SW003807

Sérgio Sacani

Formado em geofísica pelo IAG da USP, mestre em engenharia do petróleo pela UNICAMP e doutor em geociências pela UNICAMP. Sérgio está à frente do Space Today, o maior canal de notícias sobre astronomia do Brasil.

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