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27 de dezembro de 2025

Estrelas Primordiais Supermassivas: A Origem do Excesso de Nitrogênio no Universo Primitivo

Descoberta revolucionária revela que estrelas gigantescas com até 10.000 massas solares criaram as primeiras assinaturas químicas do cosmos

Introdução: Uma Janela para o Amanhecer Cósmico

Uma descoberta extraordinária está revolucionando nossa compreensão sobre as primeiras estrelas que iluminaram o universo. Pesquisadores liderados por Devesh Nandal, da Universidade da Virgínia, em colaboração com cientistas de Harvard, Portsmouth e Monash, desvendaram um mistério que intrigava astrônomos há anos: a origem do excesso extremo de nitrogênio observado na galáxia GS 3073, localizada a um redshift de z = 5.55, correspondendo a uma época em que o universo tinha apenas cerca de um bilhão de anos de idade.

O Telescópio Espacial James Webb (JWST) tem revelado uma riqueza de novas galáxias que existiram apenas algumas centenas de milhões de anos após o Big Bang. Essas galáxias apresentam razões N/O (nitrogênio/oxigênio) incomuns que são difíceis de explicar com as populações estelares conhecidas atualmente. Enquanto estrelas Wolf-Rayet em populações de múltiplas explosões, estrelas massivas ou de rotação rápida, e até mesmo estrelas supermassivas podem, em princípio, explicar o excesso de nitrogênio em galáxias como GN-z11 e CEERS 1019, nenhuma estrela conhecida ou supernova poderia explicar a razão N/O muito mais alta de 0.46 encontrada em GS 3073.

A pesquisa, publicada no The Astrophysical Journal Letters em novembro de 2025, apresenta evidências conclusivas de que estrelas primordiais extremamente massivas, com massas entre 1.000 e 10.000 vezes a massa do nosso Sol, são as únicas candidatas capazes de produzir as grandes razões N/O, C/O e Ne/O observadas nesta galáxia distante. Esta descoberta representa a primeira evidência conclusiva no registro de abundâncias fósseis da existência de estrelas supermassivas de População III no final das idades cósmicas obscuras.

O Enigma Químico de GS 3073

A galáxia GS 3073 apresenta uma composição química que desafia todas as explicações convencionais. Com uma razão nitrogênio/oxigênio de 0.46 – medida em escala logarítmica onde o valor solar é zero – esta galáxia exibe um enriquecimento de nitrogênio que supera em mais de duas ordens de magnitude o que seria esperado para sua idade cósmica. Além disso, as razões carbono/oxigênio e neônio/oxigênio também mostram valores elevados que não podem ser reproduzidos por modelos tradicionais de evolução química galáctica.

Para contextualizar a magnitude desta descoberta, é importante compreender que o nitrogênio é um elemento secundário, produzido principalmente através do ciclo CNO (carbono-nitrogênio-oxigênio) em estrelas massivas. Em condições normais, a produção eficiente de nitrogênio requer a presença prévia de carbono e oxigênio, elementos que são sintetizados em gerações anteriores de estrelas. No entanto, GS 3073 mostra evidências de enriquecimento de nitrogênio em uma época tão precoce do universo que simplesmente não haveria tempo suficiente para múltiplas gerações de estrelas produzirem tal abundância através dos mecanismos estelares convencionais.

Tentativas anteriores de explicar abundâncias elevadas de nitrogênio em galáxias de alto redshift invocaram diversos cenários: estrelas Wolf-Rayet que perdem suas camadas externas ricas em hidrogênio e expõem material processado pelo ciclo CNO; estrelas massivas de rotação rápida que misturam material nuclear para suas superfícies; ou até mesmo explosões de supernovas de estrelas supermassivas. Cada um desses mecanismos pode, em princípio, produzir algum excesso de nitrogênio, mas nenhum consegue atingir os níveis extremos observados em GS 3073 enquanto simultaneamente reproduz as razões de carbono e neônio.

Estrelas Primordiais: Os Gigantes do Universo Jovem

A solução para este enigma reside nas condições únicas que prevaleciam no universo primitivo. Nos primeiros bilhões de anos após o Big Bang, o cosmos era fundamentalmente diferente do que observamos hoje. O gás intergaláctico consistia quase exclusivamente de hidrogênio e hélio, com apenas traços minúsculos de lítio produzido durante a nucleossíntese primordial. Não havia elementos pesados – aquilo que os astrônomos chamam de “metais” – para catalisar o resfriamento eficiente do gás e fragmentá-lo em pequenos aglomerados que formariam estrelas de massa modesta como nosso Sol.

Neste ambiente primordial, o gás só podia resfriar através de processos atômicos de hidrogênio e hélio, que são muito menos eficientes do que o resfriamento molecular. Consequentemente, as primeiras estrelas – conhecidas como estrelas de População III – formaram-se a partir de nuvens de gás muito mais quentes e massivas. Enquanto as estrelas que se formam hoje tipicamente têm massas entre 0.1 e 100 massas solares, com uma massa média em torno de 0.5 massas solares, as estrelas primordiais podiam alcançar massas verdadeiramente colossais.

A equipe de pesquisa modelou a evolução de estrelas de População III com massas variando de 1.000 a 10.000 massas solares, utilizando o código de evolução estelar GENEC (Geneva Stellar Evolution Code). Este código sofisticado resolve as equações da estrutura estelar em uma dimensão, levando em conta processos complexos como geração de energia nuclear, transporte de radiação, convecção e até correções relativísticas gerais através da modificação da constante gravitacional de Newton.

As estrelas foram inicializadas como politropos hidrostáticos de 2 massas solares com composição química uniforme correspondente ao Big Bang: 75.16% de hidrogênio, 24.84% de hélio e metalicidade zero. Elas então cresceram através de acreção de material a taxas entre 0.025 e 1 massa solar por ano, eventualmente atingindo suas massas-alvo ao final da sequência principal. Este processo de crescimento por acreção é fundamental, pois estrelas tão massivas não podem se formar instantaneamente – elas precisam acumular material gradualmente enquanto queimam hidrogênio em seus núcleos.

A Alquimia Nuclear nas Entranhas Estelares

O segredo da produção extrema de nitrogênio nestas estrelas supermassivas reside na estrutura interna complexa que se desenvolve durante sua evolução. Quando uma estrela primordial supermassiva inicia a queima de hidrogênio em seu núcleo, as temperaturas centrais atingem dezenas de milhões de graus Kelvin, permitindo que reações de fusão nuclear convertam hidrogênio em hélio. Durante este processo, conhecido como queima central de hidrogênio, o núcleo também produz carbono-12 através da fusão de três núcleos de hélio (o processo triplo-alfa).

Este carbono-12 recém-produzido não permanece confinado ao núcleo. Devido às enormes taxas de geração de energia e aos gradientes de temperatura extremos, desenvolve-se uma camada convectiva ao redor do núcleo queimando hidrogênio. A convecção é um processo de transporte de energia através do movimento físico de material, semelhante à água fervendo em uma panela. Nesta camada convectiva, o carbono-12 produzido no núcleo é transportado para regiões mais externas da estrela onde ainda há abundante hidrogênio.

Quando o carbono-12 encontra hidrogênio em temperaturas suficientemente altas (acima de cerca de 15 milhões de graus), inicia-se o ciclo CNO – uma série de reações nucleares que usa carbono, nitrogênio e oxigênio como catalisadores para converter hidrogênio em hélio. O aspecto crucial deste ciclo para nossa história é que ele converte eficientemente carbono-12 em nitrogênio-14. As reações procedem da seguinte forma: carbono-12 captura um próton para formar nitrogênio-13, que decai beta para carbono-13, que captura outro próton para formar nitrogênio-14.

Em condições normais em estrelas de massa modesta, o nitrogênio-14 continuaria o ciclo, capturando outro próton para eventualmente regenerar carbono-12. No entanto, nas estrelas supermassivas modeladas neste estudo, algo extraordinário acontece. A camada convectiva queimando hidrogênio é tão extensa e as escalas de tempo de convecção são tão rápidas que o nitrogênio-14 é disperso por toda a estrela antes que possa continuar através do ciclo CNO completo. Múltiplas zonas convectivas que se desenvolvem acima da camada de queima de hidrogênio transportam este nitrogênio para as camadas externas da estrela, tornando-o o quarto elemento mais abundante na atmosfera estelar.

Síntese de Elementos Pesados e Perda de Massa

Além da produção prodigiosa de nitrogênio, estas estrelas supermassivas também sintetizam quantidades significativas de outros elementos através de estágios subsequentes de queima nuclear. Após esgotar o hidrogênio em seu núcleo, a estrela contrai e aquece até que as temperaturas centrais atinjam cerca de 100 milhões de graus, iniciando a queima de hélio. Durante este estágio, três núcleos de hélio-4 fundem-se para formar carbono-12, e a captura subsequente de mais núcleos de hélio produz oxigênio-16, neônio-20, e traços de elementos ainda mais pesados.

Particularmente importante para explicar as abundâncias observadas em GS 3073 é a produção de oxigênio-18 através de capturas alfa por carbono-14 no núcleo, que também pode criar nitrogênio-15 na camada de hidrogênio. O oxigênio-16, produzido abundantemente durante a queima de hélio, também é misturado por toda a estrela através das zonas convectivas. Este oxigênio eventualmente se torna o quinto elemento mais abundante na superfície estelar, embora sua abundância relativa seja muito menor que a do nitrogênio.

A síntese de nitrogênio-14 e oxigênio-16 através do ciclo CNO depleta carbono-12 ao longo do tempo. Embora o carbono seja o quarto elemento mais abundante no início da queima de hélio, ele cai para o quinto lugar abaixo do oxigênio-16 na metade da queima central de hélio. Esta depleção de carbono relativa ao oxigênio é crucial para explicar as razões C/O observadas em GS 3073, que mostram uma subabundância de carbono em comparação com o oxigênio.

Um aspecto crítico dos modelos é a perda de massa durante a evolução estelar. Estrelas massivas não retêm toda sua massa até o final de suas vidas – elas perdem material através de ventos estelares impulsionados pela intensa pressão de radiação em suas superfícies. Para as estrelas supermassivas primordiais, a quantidade de massa perdida permanece incerta, então os pesquisadores exploraram três cenários: perda de 10% da massa inicial, perda de 50% da massa, e perda de toda a massa acima do núcleo de carbono-oxigênio.

A quantidade de massa perdida tem um impacto profundo nas abundâncias finais porque determina quanto material enriquecido é ejetado para o meio interestelar. Quando a estrela perde massa, ela ejeta preferencialmente suas camadas externas, que foram enriquecidas com nitrogênio pela convecção. Se a perda de massa é modesta (10%), a estrela retém a maior parte de seu material enriquecido, que só é liberado quando a estrela eventualmente colapsa. Se a perda de massa é substancial (50% ou mais), grandes quantidades de material enriquecido são dispersas no espaço enquanto a estrela ainda está evoluindo.

Colapso e Formação de Buracos Negros Massivos

Todos os dez modelos estelares evoluídos neste estudo eventualmente entram no regime de instabilidade de pares, onde a pressão de radiação não pode mais sustentar a estrela contra seu próprio peso gravitacional. Neste ponto, a estrela colapsa catastroficamente, e a equipe de pesquisa demonstrou que o colapso inevitavelmente leva à formação de um buraco negro massivo.

O colapso ocorre porque, em temperaturas extremamente altas (bilhões de graus), os fótons de alta energia no núcleo estelar começam a se converter espontaneamente em pares elétron-pósitron. Esta conversão remove energia do gás, reduzindo a pressão que sustenta a estrela contra a gravidade. Quando a pressão cai abaixo de um limiar crítico, o núcleo entra em colapso livre, liberando enormes quantidades de energia gravitacional.

Em estrelas de massa mais modesta (100-260 massas solares), esta energia pode ser suficiente para desintegrar completamente a estrela em uma explosão de supernova de instabilidade de pares, não deixando remanescente compacto. No entanto, para as estrelas supermassivas modeladas neste estudo (1.000-10.000 massas solares), a energia gravitacional liberada é tão grande que a estrela quase certamente será engolida pelo buraco negro em formação, com pouca ou nenhuma massa escapando em uma explosão.

Esta conclusão tem implicações profundas para a origem dos buracos negros supermassivos que observamos nos centros das galáxias. Os buracos negros formados pelo colapso destas estrelas primordiais teriam massas iniciais entre 500 e 10.000 massas solares. Se estes buracos negros nasceram em redshifts z ≳ 15 e acretaram matéria a taxas sub-Eddington (abaixo da taxa máxima teoricamente possível), eles poderiam crescer para 10^8.2 massas solares até z = 5.55, a época de GS 3073.

Este cenário fornece uma solução elegante para o “problema das sementes” de buracos negros supermassivos. Observações recentes com o JWST revelaram buracos negros supermassivos com bilhões de massas solares existindo quando o universo tinha menos de um bilhão de anos. Formar buracos negros tão massivos em tão pouco tempo é extremamente desafiador se eles começaram como sementes de massa estelar (dezenas de massas solares) produzidas por supernovas convencionais. No entanto, se as sementes iniciais já tinham milhares de massas solares, o crescimento para escalas supermassivas torna-se muito mais plausível.

Confrontando Teoria com Observações

A verdadeira força deste estudo reside na comparação detalhada entre as previsões dos modelos e as abundâncias observadas em GS 3073. Os pesquisadores calcularam razões de número N/O, C/O e Ne/O para cada modelo estelar e as compararam com os valores observados, levando em conta diferentes cenários de perda de massa e fatores de diluição.

O fator de diluição é um parâmetro crucial que representa quanto o material ejetado pela estrela é diluído pelo gás interestelar circundante antes de ser incorporado em estrelas de gerações subsequentes. Um fator de diluição de 10, por exemplo, significa que a massa de gás contaminado pelos ejeitos estelares é 10 vezes maior que a massa dos próprios ejeitos. Fatores de diluição típicos variam de 1 (sem diluição) a 1.000 (diluição extrema), dependendo do ambiente galáctico.

Para as razões N/O, os modelos mostram que estrelas com massas entre 1.000 e 10.000 massas solares podem produzir valores que correspondem às observações de GS 3073 para fatores de diluição apropriados. Especificamente, a estrela de 1.000 massas solares produz N/O = 0.38 para fatores de diluição de 31-56, enquanto a estrela de 3.000 massas solares produz N/O = 0.48 para fatores de diluição de 12-38. Estes valores estão notavelmente próximos do valor observado de 0.46 para GS 3073.

Para as razões C/O, quatro estrelas com perdas de massa de 10% produzem uma superabundância de carbono em relação ao oxigênio comparada à de GS 3073. As estrelas de 2.000, 5.000 e 7.000 massas solares têm razões C/O mais próximas dos valores observados, com valores de -0.45, -0.44 e -0.14, respectivamente, para fatores de diluição de 5-15. Para o caso de perda de massa de 50%, três modelos produzem uma superabundância de C/O em relação a GS 3073, com a estrela de 7.000 massas solares correspondendo mais de perto a GS 3073 com uma razão C/O de -0.30 para fatores de diluição de 1-8.

As razões Ne/O fornecem um teste adicional particularmente rigoroso dos modelos. A estrela de 10.000 massas solares com perda de massa de 10% é a melhor correspondência para GS 3073, com Ne/O = -0.71 para um fator de diluição de aproximadamente 20. Para perda de massa de 50%, a estrela de 9.000 massas solares é a melhor correspondência, com Ne/O = -0.77 para um fator de diluição de cerca de 20. Notavelmente, apenas um ou dois dos dez modelos produzem uma superabundância de neônio em relação a GS 3073, demonstrando que a faixa de massas estelares capaz de explicar todas as três razões de abundância é bastante restrita.

Contribuições de Múltiplas Gerações Estelares

É importante reconhecer que nenhuma estrela supermassiva individual seria esperada para corresponder a todas as razões de abundância de GS 3073, porque outras gerações de estrelas também contribuíram para o enriquecimento químico da galáxia. A contribuição de estrelas massivas convencionais pode aumentar as razões C/O e Ne/O ao longo do tempo, porque perda de massa e explosões de supernovas de estrelas ricas em metais produzem muito mais carbono e neônio do que nitrogênio.

Para avaliar este efeito, os pesquisadores calcularam as contribuições combinadas de estrelas supermassivas e populações estelares quimicamente maduras para as razões de abundância. Eles descobriram que, quando as contribuições de estrelas supermassivas e do meio interestelar são consideradas juntas, obtém-se boa concordância com GS 3073 para uma estrela de 6.000 massas solares com perda de massa de 10%. A mistura dos componentes de estrelas supermassivas e meio interestelar produz um deslocamento quase vertical no diagrama N/O versus O/H, desde seu piso de -1.1 até 0.46, sugerindo o aumento significativo na abundância de nitrogênio sem uma mudança substancial na abundância de oxigênio.

Este teste também demonstra que as estrelas supermassivas devem ser de População III porque nenhuma outra estrela conhecida pode manter O/H constante enquanto aumenta drasticamente N/O. Estrelas Wolf-Rayet de estrelas supermassivas ricas em metais podem explicar um excesso menor de nitrogênio em GN-z11 (Nagele & Umeda 2023), mas não podem explicar suas abundâncias de neônio. Supernovas de estrelas supermassivas ricas em metais também não podem explicar a presença de um buraco negro em GS 3073, porque eventos de supernovas de instabilidade de pares de tais estrelas retardariam grandemente a formação estelar subsequente.

Implicações para a Evolução Química Galáctica

A descoberta de que estrelas primordiais supermassivas podem explicar as abundâncias observadas em GS 3073 tem implicações profundas para nossa compreensão da evolução química das galáxias no universo primitivo. Ela sugere que as primeiras gerações de estrelas incluíram não apenas estrelas massivas convencionais (10-100 massas solares), mas também gigantes verdadeiramente colossais com milhares de massas solares.

Estas estrelas supermassivas teriam um impacto desproporcional no enriquecimento químico de suas galáxias hospedeiras. Embora fossem provavelmente raras, cada estrela supermassiva poderia ejetar quantidades enormes de material enriquecido – centenas a milhares de massas solares de nitrogênio, carbono, oxigênio e outros elementos. Este material enriquecido então se misturaria com o gás interestelar primordial, elevando sua metalicidade e alterando as condições para a formação estelar subsequente.

O enriquecimento por estrelas supermassivas também teria consequências observacionais distintas. As superabundâncias de nitrogênio de alguns dos modelos preveem que galáxias com excessos de nitrogênio ainda maiores poderiam existir em redshifts elevados se estiverem em estágios mais precoces de formação estelar. Estes objetos poderiam ser encontrados em pesquisas futuras com o JWST e a próxima geração de observatórios terrestres na década vindoura.

Além disso, a presença de estrelas supermassivas no universo primitivo fornece um mecanismo natural para a formação rápida de buracos negros supermassivos. A descoberta de buracos negros massivos em galáxias de alto redshift com grandes razões N/O em pesquisas futuras reforçaria fortemente este cenário de enriquecimento. De fato, GS 3073 hospeda um buraco negro com massa log(M_BH) = 8.2 ± 0.4, consistente com a formação a partir do colapso de uma estrela supermassiva.

Desafios e Questões em Aberto

Apesar do sucesso notável dos modelos em explicar as abundâncias observadas, várias questões importantes permanecem em aberto. Primeiro, as condições exatas necessárias para a formação de estrelas primordiais supermassivas ainda são debatidas. Simulações cosmológicas sugerem que tais estrelas podem se formar em halos de matéria escura resfriados atomicamente com massas de 10^7 a 10^8 massas solares, mas apenas se o gás for protegido de radiação Lyman-Werner intensa que dissociaria as moléculas de H2 necessárias para resfriamento adicional.

Segundo, a taxa de formação de estrelas supermassivas no universo primitivo permanece incerta. Se tais estrelas fossem extremamente raras, elas poderiam não ter contribuído significativamente para o enriquecimento químico global do universo. Por outro lado, se fossem relativamente comuns em certos ambientes, elas poderiam ter deixado assinaturas químicas distintas em muitas galáxias de baixa metalicidade.

Terceiro, o destino final destas estrelas e a eficiência com que elas ejetam material enriquecido para o meio interestelar ainda são questões em aberto. Enquanto os modelos sugerem que todas as estrelas supermassivas colapsam para formar buracos negros, a quantidade de material que escapa antes do colapso depende de detalhes da física de altas energias que são difíceis de modelar com precisão.

Finalmente, a conexão entre estrelas supermassivas primordiais e os buracos negros supermassivos que observamos hoje requer mais investigação. Embora os buracos negros formados por estas estrelas possam servir como sementes para crescimento subsequente, as taxas de acreção e os mecanismos de fusão necessários para produzir os buracos negros de bilhões de massas solares observados em z ~ 6-7 ainda precisam ser completamente compreendidos.

Perspectivas Futuras e Conclusões

Esta pesquisa representa um marco importante em nossa compreensão das primeiras estrelas e da evolução química do universo primitivo. Pela primeira vez, temos evidências conclusivas no registro de abundâncias fósseis da existência de estrelas supermassivas de População III. As abundâncias químicas observadas em GS 3073 fornecem uma janela única para os processos nucleares que ocorreram nas entranhas destas estrelas gigantescas há mais de 12 bilhões de anos.

Os próximos anos prometem ser extremamente emocionantes para este campo de pesquisa. O JWST continuará a descobrir galáxias cada vez mais distantes e a medir suas composições químicas com precisão sem precedentes. Cada nova galáxia descoberta fornecerá um teste adicional dos modelos de estrelas supermassivas e ajudará a refinar nossa compreensão das condições no universo primitivo.

Observatórios terrestres de próxima geração, como o Extremely Large Telescope (ELT) e o Giant Magellan Telescope (GMT), complementarão as observações do JWST com espectroscopia de alta resolução que pode resolver linhas de emissão individuais e medir abundâncias de elementos adicionais. Estas observações permitirão testes ainda mais rigorosos dos modelos de nucleossíntese e ajudarão a distinguir entre diferentes cenários de enriquecimento.

Do lado teórico, simulações cosmológicas de alta resolução estão começando a resolver a formação de estrelas individuais em halos de matéria escura primordiais. Estas simulações, combinadas com modelos detalhados de evolução estelar como os apresentados neste estudo, permitirão previsões mais precisas sobre a frequência e as propriedades das estrelas supermassivas primordiais.

Em conclusão, a descoberta de que estrelas primordiais com 1.000 a 10.000 massas solares criaram o excesso de nitrogênio em GS 3073 abre uma nova janela para o amanhecer cósmico. Estas estrelas gigantescas, brilhando com a luminosidade de milhões de sóis, foram os primeiros alquimistas do universo, forjando elementos pesados nas fornalhas nucleares de seus núcleos e dispersando-os no cosmos quando colapsaram para formar buracos negros massivos. Suas assinaturas químicas, preservadas em galáxias distantes como GS 3073, nos contam a história notável dos primeiros capítulos da história cósmica e nos ajudam a compreender como o universo evoluiu do estado simples e primordial logo após o Big Bang para a rica diversidade química que observamos hoje.

FAQ – Perguntas Frequentes sobre Estrelas Primordiais Supermassivas

1. O que são estrelas de População III?

Estrelas de População III são as primeiras estrelas que se formaram no universo, aproximadamente 100-200 milhões de anos após o Big Bang. Diferentemente das estrelas atuais, elas se formaram a partir de gás primordial composto apenas de hidrogênio e hélio, sem elementos pesados (metais). Essas estrelas eram extremamente massivas, podendo atingir de centenas a milhares de vezes a massa do Sol, e foram responsáveis por criar os primeiros elementos químicos pesados no cosmos.

2. Por que a galáxia GS 3073 é tão especial?

A galáxia GS 3073, localizada a um redshift de z = 5.55 (quando o universo tinha cerca de 1 bilhão de anos), apresenta uma composição química extraordinária que desafia todas as explicações convencionais. Ela possui uma razão nitrogênio/oxigênio (N/O) de 0.46, que é extremamente elevada e não pode ser explicada por nenhuma população estelar conhecida ou processos de supernovas convencionais. Esta abundância única fornece a primeira evidência conclusiva da existência de estrelas supermassivas primordiais.

3. Como estrelas tão massivas (1.000-10.000 massas solares) podem se formar?

No universo primitivo, as condições eram fundamentalmente diferentes das atuais. O gás intergaláctico consistia quase exclusivamente de hidrogênio e hélio, sem elementos pesados para catalisar o resfriamento eficiente. Consequentemente, o gás só podia resfriar através de processos atômicos menos eficientes, resultando em nuvens de gás muito mais quentes e massivas. Estas nuvens colapsavam para formar estrelas gigantescas que cresciam por acreção contínua de material a taxas de 0.025 a 1 massa solar por ano.

4. O que é o ciclo CNO e por que é importante?

O ciclo CNO (carbono-nitrogênio-oxigênio) é uma série de reações nucleares que usa carbono, nitrogênio e oxigênio como catalisadores para converter hidrogênio em hélio. Nas estrelas supermassivas primordiais, este ciclo é crucial porque converte eficientemente carbono-12 em nitrogênio-14. Devido às extensas zonas convectivas nestas estrelas, o nitrogênio-14 é disperso por toda a estrela antes de continuar o ciclo completo, resultando em abundâncias extremamente altas de nitrogênio que são posteriormente ejetadas no meio interestelar.

5. Quanto tempo viveram essas estrelas supermassivas?

Estrelas supermassivas têm vidas extremamente curtas em termos cósmicos. Apesar de sua massa colossal, elas queimam seu combustível nuclear a taxas prodigiosas devido às temperaturas e pressões extremas em seus núcleos. Estima-se que estrelas de 1.000 a 10.000 massas solares vivam apenas alguns milhões de anos – um piscar de olhos comparado aos 10 bilhões de anos de vida esperados para o nosso Sol. Esta vida curta explica por que não observamos tais estrelas no universo atual.

6. O que acontece quando uma estrela primordial supermassiva morre?

Quando uma estrela primordial supermassiva esgota seu combustível nuclear, ela entra no regime de instabilidade de pares, onde a pressão de radiação não consegue mais sustentar a estrela contra a gravidade. A estrela então colapsa catastroficamente, formando diretamente um buraco negro massivo com centenas a milhares de massas solares. Durante este colapso, material enriquecido com nitrogênio, carbono, oxigênio e outros elementos é ejetado para o espaço, enriquecendo o meio interestelar para futuras gerações de estrelas.

7. Como esses buracos negros se relacionam com os buracos negros supermassivos atuais?

Os buracos negros formados pelo colapso de estrelas primordiais supermassivas (500-10.000 massas solares) podem servir como “sementes” para os buracos negros supermassivos que observamos nos centros das galáxias hoje. Se estes buracos negros nasceram em redshifts z ≳ 15 e acretaram matéria a taxas sub-Eddington, eles poderiam crescer para bilhões de massas solares até z = 5.55. Isto resolve o “problema das sementes” – como formar buracos negros tão massivos tão cedo na história do universo.

8. Como os cientistas modelaram essas estrelas se elas não existem mais?

Os pesquisadores utilizaram o código de evolução estelar GENEC (Geneva Stellar Evolution Code), um software sofisticado que resolve as equações da estrutura estelar em uma dimensão. O código leva em conta processos complexos como geração de energia nuclear, transporte de radiação, convecção e até correções relativísticas gerais. As estrelas foram inicializadas como politropos de 2 massas solares e cresceram por acreção até atingir massas de 1.000 a 10.000 massas solares, permitindo aos cientistas acompanhar toda a evolução estelar.

9. Qual o papel do Telescópio Espacial James Webb nesta descoberta?

O Telescópio Espacial James Webb (JWST) foi fundamental para esta descoberta porque possui capacidade sem precedentes de observar galáxias extremamente distantes e medir suas composições químicas com alta precisão. O JWST detectou as linhas de emissão de nitrogênio, oxigênio, carbono e neônio na galáxia GS 3073, permitindo aos astrônomos determinar as razões de abundância que revelaram a assinatura única das estrelas supermassivas primordiais. Sem o JWST, esta descoberta não teria sido possível.

10. Quais são as próximas etapas desta pesquisa?

Os próximos passos incluem a busca por mais galáxias com assinaturas químicas similares usando o JWST e futuros observatórios terrestres como o Extremely Large Telescope (ELT). Os cientistas esperam encontrar galáxias com excessos de nitrogênio ainda maiores em estágios mais precoces de formação estelar. Além disso, simulações cosmológicas de alta resolução estão sendo desenvolvidas para prever a frequência e propriedades destas estrelas supermassivas, ajudando a refinar nossa compreensão das condições no universo primitivo e a conexão com os buracos negros supermassivos observados hoje.

Sérgio Sacani

Formado em geofísica pelo IAG da USP, mestre em engenharia do petróleo pela UNICAMP e doutor em geociências pela UNICAMP. Sérgio está à frente do Space Today, o maior canal de notícias sobre astronomia do Brasil.

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