Novas observações obtidas pelo Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA) deram aos astrónomos a melhor vista de sempre de uma estrela gigantesca a formar-se no seio de uma nuvem escura. Descobriu-se um útero estelar com cerca de 500 vezes a massa solar – o maior alguma vez descoberto na Via Láctea – que ainda está a crescer. A estrela embrionária no seio da nuvem alimenta-se vorazmente do material que cai para o interior. Pensa-se que esta nuvem irá dar origem a uma estrela muito brilhante com uma massa que poderá atingir as 100 massas solares.
As estrelas mais brilhantes e de maior massa da nossa Galáxia formam-se no interior de nuvens escuras e frias, no entanto este processo mantém-se envolto tanto em poeira como em mistério [1]. Uma equipa internacional de astrónomos utilizou o ALMA para fazer uma ecografia em microondas de modo a ter uma ideia mais clara sobre a formação duma destas estrelas gigantescas, localizada a cerca de 11 000 anos-luz de distância, numa nuvem conhecida como Nuvem Escura de Spitzer (sigla do inglês, SDC) 335.579-0.292.
Existem duas teorias para a formação de estrelas de massa muito elevada. Uma sugere que a nuvem escura progenitora se fragmenta, criando vários núcleos pequenos que colapsam por si próprios, formando eventualmente estrelas. A outra é mais dramática: uma nuvem inteira começa a colapsar, com o material a deslocar-se rapidamente para o centro da nuvem, criando nessa região uma ou mais estrelas de massa muito elevada. A equipa liderada por Nicolas Peretto do CEA/AIM Paris/Saclay, França e Universidade de Cardiff, Reino Unido, compreendeu que o ALMA era a ferramenta perfeita para descobrir o que se está realmente a passar no interior destas nuvens.
Com o auxílio do Telescópio Espacial Spitzer da NASA e o Observatório Espacial Herschel da ESA, a SDC 335.579-0.292 revelou-se inicialmente como sendo um ambiente dramático de filamentos de gás escuros e densos. Agora a equipa usou a sensibilidade única do ALMA para observar em detalhe, tanto a quantidade de poeira como o movimento do gás a deslocar-se no interior da nuvem escura, e descobriu um verdadeiro monstro.
“As observações ALMA permitiram-nos ver pela primeira vez com todo o pormenor o que se passa no interior desta nuvem,” diz Peretto. “Queríamos ver como é que estrelas monstruosas se formam e crescem, e conseguimos! Uma das fontes que encontrámos é uma verdadeira gigante – o maior núcleo protoestelar alguma vez encontrado na Via Láctea.”
Este núcleo – o útero da estrela embrionária – tem mais de 500 vezes a massa do nosso Sol serpenteando no seu interior [2]. E as observações ALMA mostram que muito mais matéria está ainda a ser acretada, aumentando esta massa ainda mais. Todo este material eventualmente colapsará para formar uma estrela jovem que poderá atingir as 100 massas solares – um monstro muito raro.
“Embora soubéssemos já que esta região era uma boa candidata a uma nuvem a formar estrelas de grande massa, não esperávamos encontrar uma estrela embrionária tão grande no seu centro,” diz Peretto. “Pensa-se que este objecto formará uma estrela que pode atingir as 100 massas solares. De todas as estrelas da Via Láctea apenas uma em cada dez milhares atinge este tipo de massa!”
“Estas estrelas não são apenas raras, mas o seu nascimento é também extremamente rápido e a sua infância é muito curta. É por isso que encontrar um objecto com tanta massa numa fase tão inicial da sua evolução é, de facto, um resultado espectacular, “ acrescenta o membro da equipa Gary Fuller da Universidade de Manchester, Reino Unido.
Outro membro da equipa, Ana Duarte Cabral do Laboratoire d´Astrophysique de Bordeaux, França, enfatisa que “as observações do ALMA revelam os detalhes espectaculares dos movimentos da rede de filamentos de gás e poeira e mostram que uma enorme quantidade de gás se está a deslocar para a região central compacta”. Este facto apoia fortemente a teoria do colapso global para a formação de estrelas de grande massa, em vez da da fragmentação.
Estas observações foram obtidas durante a fase de Ciência Preliminar do ALMA, quando se usava apenas um quarto da rede total de antenas. “Conseguimos estas observações muito pormenorizadas utilizando apenas uma fracção do poder do ALMA,” conclui Peretto. “O ALMA irá claramente revolucionar o nosso conhecimento da formação estelar, resolvendo alguns dos problemas actuais e levantando certamente novas questões.”
Notas
[1] Os astrónomos usam a expressão “estrelas de grande massa” para se referir às estrelas que têm dez ou mais massas solares. É uma referência à massa da estrela e não ao seu tamanho. [2] Esta região de formação estelar está a formar muitas estrelas. O núcleo de 500 massas solares é o de maior massa entre vários outros.Mais Informações
O Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), uma infraestrutura astronómica internacional, é uma parceria entre a Europa, a América do Norte e o Leste Asiático, em cooperação com a República do Chile. O ALMA é financiado na Europa pelo Observatório Europeu do Sul (ESO), na América do Norte pela Fundação Nacional para a Ciência dos Estados Unidos (NSF) em cooperação com o Conselho Nacional de Investigação do Canadá (NRC) e no Leste Asiático pelos Institutos Nacionais de Ciências da Natureza (NINS) do Japão em cooperação com a Academia Sínica (AS) da Ilha Formosa. A construção e operação do ALMA é coordenada pelo ESO, em prol da Europa, pelo Observatório Nacional de Rádio Astronomia (NRAO), que é gerido, pela Associação de Universidades (AUI), em prol da América do Norte e pelo Observatório Astronómico Nacional do Japão (NAOJ), em prol do Leste Asiático. O Observatório ALMA (JAO) fornece uma liderança e direção unificadas na construção, gestão e operação do ALMA.
Este trabalho foi descrito num artigo científico intitulado “Global collapse of molecular clouds as a formation mechanism for the most massive stars”, que será publicado na revista da especialidade Astronomy & Astrophysics.
A equipa é composta por N. Peretto (CEA/AIM Paris Saclay, França; University of Cardiff, RU), G. A. Fuller (University of Manchester, RU; Jodrell Bank Centre for Astrophysics e UK ALMA Regional Centre Node), A. Duarte-Cabral (LAB, OASU, Université de Bordeaux, CNRS, França), A. Avison (University of Manchester, RU; UK ALMA Regional Centre node), P. Hennebelle (CEA/AIM Paris Saclay, França), J. E. Pineda (University of Manchester, RU; UK ALMA Regional Centre node; ESO, Garching, Alemanha), Ph. André (CEA/AIM Paris Saclay, França), S. Bontemps (LAB, OASU, Université de Bordeaux, CNRS, França), F. Motte (CEA/AIM Paris Saclay, França), N. Schneider (LAB, OASU, Université de Bordeaux, CNRS, França) e S. Molinari (INAF, Roma, Itália).
O ESO é a mais importante organização europeia intergovernamental para a investigação em astronomia e é o observatório astronómico mais produtivo do mundo. O ESO é financiado por 15 países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Brasil, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Itália, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia e Suíça. O ESO destaca-se por levar a cabo um programa de trabalhos ambicioso, focado na concepção, construção e funcionamento de observatórios astronómicos terrestres de ponta, que possibilitam aos astrónomos importantes descobertas científicas. O ESO também tem um papel importante na promoção e organização de cooperação na investigação astronómica. O ESO mantém em funcionamento três observatórios de ponta, no Chile: La Silla, Paranal e Chajnantor. No Paranal, o ESO opera o Very Large Telescope, o observatório astronómico óptico mais avançado do mundo e dois telescópios de rastreio. O VISTA, o maior telescópio de rastreio do mundo que trabalha no infravermelho e o VLT Survey Telescope, o maior telescópio concebido exclusivamente para mapear os céus no visível. O ESO é o parceiro europeu do revolucionário telescópio ALMA, o maior projeto astronómico que existe atualmente. O ESO encontra-se a planear o European Extremely Large Telescope, E-ELT, um telescópio de 39 metros que observará na banda do visível e do infravermelho próximo. O E-ELT será “o maior olho no céu do mundo”.
Fonte:
http://www.eso.org/public/brazil/news/eso1331/