Em uma descoberta sem precedentes no campo da astronomia, cientistas identificaram uma anã branca com características singulares. Essa anã branca, uma espécie de núcleo remanescente de estrelas mortas, apresenta uma dualidade em sua composição. De um lado, é composto predominantemente por hidrogênio, enquanto o outro lado é formado por hélio.
A pesquisa, liderada por Ilaria Caiazzo e publicada na prestigiada revista Nature, revelou essa característica surpreendente que deixou muitos na comunidade científica impressionados. “Quando mostro as observações às pessoas, elas ficam maravilhadas”, relata Caiazzo.
As anãs brancas são, em essência, os restos escaldantes de estrelas que um dia foram semelhantes ao nosso sol. Com o avanço da idade, essas estrelas se expandem, transformando-se em gigantes vermelhas. Eventualmente, elas perdem seu material externo, e seus núcleos se contraem, dando origem aos anões brancos. Estima-se que nosso próprio sol seguirá esse destino, tornando-se um anão branco em cerca de 5 bilhões de anos.
A anã branca em questão foi carinhosamente apelidada de Janus, em homenagem ao deus romano de duas faces. Sua descoberta foi possível graças ao Zwicky Transient Facility (ZTF), um instrumento que varre os céus todas as noites a partir do Observatório Palomar do Caltech, localizado próximo a San Diego. Caiazzo, em suas investigações, estava em busca de anões brancos altamente magnetizados. Em suas pesquisas anteriores com o ZTF, ela e sua equipe já haviam identificado um objeto conhecido como ZTF J1901+1458.
Janus, no entanto, destacou-se por suas rápidas variações de luminosidade. Diante dessa peculiaridade, Caiazzo decidiu aprofundar sua investigação, utilizando o instrumento CHIMERA no Observatório Palomar e o HiPERCAM no Gran Telescopio Canarias, localizado nas Ilhas Canárias, Espanha. Os dados coletados confirmaram uma característica notável: Janus gira em seu próprio eixo a cada 15 minutos.
Observações adicionais, realizadas no Observatório W. M. Keck no Havaí, revelaram a natureza dupla desta anã branca. A equipe utilizou um espectrômetro, um instrumento que dispersa a luz da anã branca em um espectro de comprimentos de onda, revelando assim suas “impressões digitais” químicas. Quando um lado do objeto estava visível, detectava-se a presença de hidrogênio sem vestígios de hélio. No entanto, quando o outro lado vinha à vista, apenas hélio era observado.
A grande questão que desafia os pesquisadores é: o que poderia causar essa dicotomia em uma anã branca? Embora a equipe admita que o fenômeno é enigmático, algumas teorias foram propostas. Uma delas sugere que Janus pode estar passando por uma fase rara na evolução das anãs brancas. “Não todos, mas algumas anãs brancas passam de uma superfície dominada por hidrogênio para uma dominada por hélio”, explica Caiazzo. “Talvez tenhamos identificado um anão branco nesse exato momento de transição.”
Após a formação das anãs brancas, os elementos mais pesados tendem a afundar em seus núcleos, enquanto os mais leves, como o hidrogênio, flutuam para a superfície. No entanto, à medida que esfriam, acredita-se que esses materiais comecem a se misturar. Em alguns casos, o hidrogênio é incorporado ao interior, sendo diluído, fazendo com que o hélio se torne mais proeminente. Janus pode estar representando essa fase de transição. No entanto, o que intriga os cientistas é por que essa transição ocorre de forma tão desigual, com um lado evoluindo antes do outro.
Uma possível resposta pode estar nos campos magnéticos. “Campos magnéticos ao redor de corpos cósmicos tendem a ser assimétricos, ou seja, mais fortes de um lado”, esclarece Caiazzo. Esses campos podem impedir a mistura de materiais. Assim, se o campo magnético for mais intenso em um dos lados, esse lado apresentará menos mistura e, consequentemente, uma maior concentração de hidrogênio.
Outra teoria, também centrada nos campos magnéticos, sugere que esses campos podem alterar a pressão e densidade dos gases atmosféricos. “Os campos magnéticos podem resultar em pressões gasosas mais baixas na atmosfera, permitindo a formação de um ‘oceano’ de hidrogênio onde os campos são mais fortes”, postula James Fuller, coautor da pesquisa e professor de astrofísica teórica no Caltech. Ainda não se sabe qual dessas teorias é a correta, mas é consenso entre os pesquisadores que os campos magnéticos desempenham um papel crucial nesse fenômeno.
Para elucidar esse mistério, a equipe espera encontrar mais anãs brancas semelhantes a Janus com a ajuda do ZTF. “O ZTF é excelente para identificar objetos atípicos”, afirma Caiazzo. Futuras pesquisas, especialmente aquelas realizadas pelo Observatório Vera C. Rubin no Chile, prometem facilitar a descoberta de anãs brancas variáveis.
O estudo, intitulado “Uma anã branca rotativa mostra composições diferentes em suas faces opostas”, recebeu financiamento de várias instituições, incluindo o Instituto Walter Burke de Física Teórica do Caltech, o Conselho Europeu de Pesquisa, The Leverhulme Trust e o Conselho de Instalações Científicas e Tecnológicas do Reino Unido.
Observações adicionais, provenientes do Observatório Neils Gehrels Swift da NASA, também foram cruciais para a pesquisa. Nomeado em homenagem a Gehrels, um ex-aluno do Caltech que faleceu em 2017, o observatório ajudou a determinar a temperatura de Janus, que é de impressionantes 35.000 Kelvin, ou aproximadamente 35.000 graus Celsius.
Em resumo, a descoberta de Janus e suas características únicas ampliam nossa compreensão sobre as anãs brancas e os processos evolutivos que esses corpos celestes podem sofrer. A pesquisa continua, e a comunidade científica aguarda ansiosamente por mais descobertas que possam lançar luz sobre os mistérios do universo.
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