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21 de novembro de 2024

CiencTecTV Ep.56 – A Polêmica da Entrada ou Não Do Brasil no ESO

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observatory_1501051Depois de se arrastar por mais de quatro anos na burocracia, omissão e falta de vontade política do governo, o acordo de adesão do Brasil ao Observatório Europeu do Sul (ESO) finalmente chegou ao plenário da Câmara na semana passada, apenas para acabar de novo na gaveta. Em um “show” de irresponsabilidade, falta de visão e demagogia, a votação que ratificaria o acerto, assinado em dezembro de 2010 pelo então ministro da Ciência e Tecnologia Sérgio Rezende, no apagar das luzes do governo Lula, foi alvo de “obstrução”, sendo novamente lançada para um “limbo” ainda mais inescrutável que as profundezas cósmicas as quais o consórcio europeu se dedica estudar.

Já abordei várias vezes antes aqui no blog a vergonha e a perda de oportunidadeseconômicas que a demora nesta ratificação representa, os méritos e senões do acordo, então vou apenas relatar e comentar o que aconteceu na semana passada e suas possíveis consequências científicas, culturais e para a imagem do Brasil no mundo.

No último dia 5 de fevereiro, corria sessão ordinária da Câmara que tinha em pauta a votação de diversos acordos assinados por nosso país, coisas como um acerto de cooperação técnica com a Guiné. Discursos para lá, questões de ordem para cá, o deputado Efraim Filho (DEM-PB) solta a bomba:

“Percebendo a pauta, nós começamos a entender o porquê dos pedidos de obstrução: o item nº 8, por meio do qual o governo quer evitar que essa discussão aconteça. Se nós estamos aqui achando muito investimentos da ordem de R$ 600 mil, então R$ 36 milhões… Quero fazer um alerta à sociedade que nos assiste: o Item nº 8 prevê 270 milhões de euros em investimentos para a cooperação em pesquisas. Então, nós temos que pensar muito bem sobre a prioridade que o Brasil dará para enfrentar o tema, já que as pesquisas nas universidades brasileiras não recebem o mesmo apoio”.

Foi a deixa para mais uma enxurrada de apartes e questões de ordem, até que o deputado Afonso Florence (PT-BA) interveio e afirmou:

“Eu próprio fui responsável por acompanhar a tramitação desse projeto em várias comissões. Saudamos sua presença na pauta. Ele é fundamental para a comunidade científica brasileira. É a adesão do Brasil à convenção que estabelece a pesquisa astronômica no hemisfério austral. Ele foi originado em 2010. O Brasil será o primeiro país fora da Europa a fazer essa adesão. O PT e o governo tiveram enorme dificuldade com a tramitação da matéria nas comissões, muitas vezes por objeção do próprio DEM, que agora diz que o governo é contra, que o PT é contra a sua votação.
Só para registrar, digo que ele está na pauta e que nós lutamos por isso. Agora, no âmbito da convenção, há um processo de atualização de parâmetros. Podem convir alguns ajustes.
Se o projeto vier a ser aprovado será uma vitória do Brasil e da comunidade científica”.

Seguem mais discussões regimentais até que, por fim, o processo de votação é “obstruído” e o deputado Fabio Garcia (PSB-MT) sai com essa:

“Nós pedimos a retirada de pauta do Item 8 porque entendemos que, neste momento, não podemos destinar R$ 800 milhões, em compromisso financeiro, para estudos astronômicos. Os astros que precisam ser enxergados no Brasil são os cidadãos brasileiros, que sofrem com a ausência de saúde, educação e segurança pública de qualidade”.

Artist’s impression of the European Extremely Large Telescope

Não vou discutir aqui a antiga e notória precariedade da saúde, educação, segurança pública e tantas outras áreas sob a responsabilidade do governo no Brasil, nem se esse dinheiro seria melhor gasto em outros projetos, como até defende uma pequena minoria da comunidade astronômica brasileira. Para mim, a questão pode ser resumida em dois pontos:

1) Ao assinar o acordo, o Brasil assumiu um compromisso, e não cumpri-lo é algo como pedir a namorada em casamento, e depois de tudo pronto e a festa paga pelo pai da noiva, o noivo subir ao altar só para dizer “não”. Desde 2010, e confiando na ratificação do acordo, o ESO concedeu aos astrônomos e à comunidade científica brasileira igualdade na postulação de projetos que usam seus equipamentos no Chile, entre eles um dos maiores e mais avançados telescópios do mundo, o conjunto VLT de Paranal. Só isso já rendeu importantes estudos, como a determinação, pela primeira vez, da idade de mais de 20 estrelas “gêmeas” do Sol e do primeiro asteroide com seu próprio sistema de anéis, que ajudam na nossa compreensão sobre nosso lugar no Universo e nosso futuro nele. Mas a paciência dos outros países associados do ESO está se esgotando e este “período de graça” começa a ficar sem graça. Quando esta janela se fechar e o Brasil for “expulso” do ESO, será uma vergonha tão tamanha quanto nossa exclusão do consórcio da Estação Espacial Internacional (ISS), ao qual também tínhamos aderido e não entregamos nada do prometido. Depois disso, acho que ficará muito difícil, ou quase impossível, o Brasil conseguir entrar em qualquer outro grande projeto científico internacional, como a adesão como Estado-associado do também majoritariamente europeu Cern, também em negociação atualmente após consulta e início de conversas pelo mesmo ministro Rezende. Seremos para sempre “anões da ciência”, assim como hoje já somos “anões diplomáticos”;

2) Sem querer ofender nem menosprezar ninguém, acho que o Brasil tem advogados, jornalistas (eu inclusive), sociólogos, economistas, cientistas políticos etc de mais e engenheiros, matemáticos, físicos, químicos, biólogos etc de menos. E creio que a astronomia é uma importante e forte fonte de inspiração para que as novas gerações, as crianças e jovens de hoje, vejam a ciência como um caminho profissional interessante, rico, diverso e válido. Quando vi a série original “Cosmos”, de Carl Sagan, pela primeira vez, lá no início dos anos 80, tudo que eu queria ser na vida era um astronauta-astrônomo. Ainda sob esta inspiração, cheguei a cursar a faculdade de física. Não terminei o curso devido principalmente à falta de perspectivas profissionais na área de pesquisa na época aqui no Brasil (admiro muito quem tem a vocação, mas não me sentia talhado para ser professor). Hoje, no entanto, a situação é bem diferente. Temos atualmente os vários INCTs, programas como o “Ciência sem fronteiras”, instituições como Fapesp e Faperj etc que abriram um enorme horizonte e leque de oportunidades para quem quer se dedicar a ser um cientista no país. Precisamos ainda, no entanto, estimular e incentivar as crianças e jovens a terem a disposição e a vontade de trilhar este caminho. Se não, repito, seremos para sempre “anões da ciência”.

OBS: enquanto isso, a Câmara finalizou na noite da última terça-feira a votação da Proposta de Emenda Constitucional do Orçamento Impositivo de emendas parlamentares, aprovada por 349 a 59 votos. Com isso, os parlamentares terão à disposição, só em 2015, verba de emendas num total de R$ 9,8 bilhões, ou cerca de DOZE vezes o que o Brasil gastaria com sua participação no ESO ao longo de DEZ anos.

Fonte:

http://oglobo.globo.com/blogs/sociencia/posts/2015/02/12/brasil-eso-uma-vergonha-que-nao-tem-fim-560939.asp

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Sérgio Sacani

Formado em geofísica pelo IAG da USP, mestre em engenharia do petróleo pela UNICAMP e doutor em geociências pela UNICAMP. Sérgio está à frente do Space Today, o maior canal de notícias sobre astronomia do Brasil.

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