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Buraco Negro Lateral Em Galáxia Intriga Os Astrônomos

Pesquisadores da NASA descobriram um caso desconcertante de um buraco negro que parece estar “inclinado”, girando em uma direção inesperada em relação à galáxia que o cerca. Essa galáxia, chamada NGC 5084, é conhecida há anos, mas o segredo lateral de seu buraco negro central estava escondido em arquivos de dados antigos. A descoberta foi possível graças a novas técnicas de análise de imagem desenvolvidas no Ames Research Center da NASA no Vale do Silício da Califórnia para dar uma nova olhada em dados de arquivo do Observatório de Raios X Chandra da agência.

NGC 5084 é uma das galáxias lenticulares mais massivas do universo local, localizada a cerca de 30 Mpc de distância. Com um núcleo ativo abrigando um buraco negro supermassivo (SMBH), ela apresenta características únicas que desafiam os paradigmas atuais sobre a evolução galáctica e os processos dinâmicos em torno de AGNs. Recentemente, um estudo multidisciplinar utilizou dados de telescópios de última geração e métodos avançados para explorar a emissão de raios-X em forma de cruz e o disco circumnuclear rotativo dessa galáxia, lançando luz sobre os processos complexos que moldam tais estruturas.

A pesquisa utilizou uma abordagem multiespectral abrangente, integrando dados do Chandra X-Ray Observatory, Hubble Space Telescope, Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA) e o rádio-telescópio EVLA. Cada instrumento desempenhou um papel essencial na compreensão da galáxia, fornecendo dados em diferentes comprimentos de onda que permitiram mapear a emissão de raios-X, gás molecular e lóbulos de rádio, além de revelar detalhes sutis do núcleo galáctico. Esses dados foram processados com o pipeline SAUNAS, uma ferramenta inovadora projetada para detectar emissões de baixa luminosidade, que se mostrou crucial na identificação de estruturas que de outra forma passariam despercebidas.

A descoberta mais marcante foi a emissão de raios-X em forma de cruz, detectada pelo Chandra na faixa de 0,3 a 2,0 keV. Essa estrutura é composta por dois componentes principais: uma emissão vertical, perpendicular ao plano galáctico e se estendendo por 17 kpc, e uma emissão horizontal, paralela ao plano, mais fraca, mas ainda significativa. Essa configuração incomum sugere interações dinâmicas complexas entre os jatos do núcleo ativo e o meio interestelar circundante. As análises confirmaram que essas emissões não eram simplesmente resultado de dispersão de luz do núcleo, mas sim de estruturas reais associadas ao núcleo da galáxia.

Outro ponto de destaque foi a identificação de um disco circumnuclear rotativo no núcleo da galáxia. A análise das imagens de alta resolução do Hubble e dos dados moleculares do ALMA revelou um disco com aproximadamente 304 pc de diâmetro, altamente inclinado em relação ao plano galáctico principal, com uma inclinação de 71°. Esse disco apresenta uma rotação clara, com velocidades de até 250 km/s, e está orientado perpendicularmente ao disco galáctico. A formação desse disco é possivelmente atribuída a eventos de acreção de gás ou a interações gravitacionais passadas que redistribuíram o material ao redor do buraco negro central.

Os lóbulos de rádio simétricos observados pelo EVLA, em comprimentos de onda de 6 e 20 cm, adicionam mais uma peça ao quebra-cabeça dinâmico de NGC 5084. Esses lóbulos se estendem por 4,6 kpc a partir do núcleo e estão alinhados com o eixo polar do disco circumnuclear, reforçando a ideia de que a atividade do AGN é a principal força motriz por trás dessas estruturas. A análise espectral dos lóbulos revelou luminosidades compatíveis com outras galáxias com AGNs ativos, demonstrando que o núcleo de NGC 5084 ainda apresenta significativa atividade energética.

Além das descobertas estruturais, os pesquisadores analisaram a composição espectral do núcleo usando dados ópticos do Apache Point Observatory. Surpreendentemente, eles não encontraram evidências de formação estelar intensa, como linhas fortes de Hα, típicas de regiões de formação estelar ativa. No entanto, a razão de linhas detectada indicou fontes de ionização de alta energia, características de AGNs. Esses resultados sugerem que NGC 5084 passou por uma fase de formação estelar intensa em um passado distante, mas atualmente está em um estado evolutivo mais estável e inativo em termos de formação de novas estrelas.

Para explicar as características observadas, os pesquisadores propuseram três cenários principais. O primeiro cenário considera uma reorientação dos jatos do AGN, causada por fusões galácticas ou precessão gravitacional, o que poderia explicar a configuração cruzada da emissão de raios-X. O segundo cenário propõe que os jatos do AGN estão aquecendo o gás interestelar, gerando uma expansão ao longo do eixo menor da galáxia, resultando nas emissões verticais. O terceiro cenário sugere que fusões galácticas passadas redistribuíram gás e estrelas, formando o disco circumnuclear e impulsionando a atividade do AGN. Embora cada cenário ofereça uma explicação plausível, os autores apontam que é possível que uma combinação desses fatores tenha contribuído para as características observadas.

Os resultados deste estudo têm implicações profundas para o entendimento de galáxias lenticulares e seus buracos negros supermassivos. A emissão em forma de cruz detectada em NGC 5084 pode servir como um traço característico para identificar AGNs em outras galáxias lenticulares, especialmente aquelas que possuem evidências de atividade dinâmica complexa. Além disso, a presença de discos rotativos inclinados e lóbulos alinhados com eixos polares oferece novas perspectivas sobre como o material é redistribuído em torno de buracos negros e como esses processos influenciam a evolução galáctica.

A pesquisa também reforça a importância de abordagens multiespectrais e tecnologias avançadas para explorar fenômenos astrofísicos complexos. A integração de dados de diferentes comprimentos de onda permitiu aos pesquisadores construir um modelo dinâmico detalhado de NGC 5084, destacando o papel fundamental de ferramentas como o pipeline SAUNAS na exploração de emissões de baixa luminosidade. No entanto, o estudo também enfrentou limitações, como a necessidade de maior resolução em algumas faixas espectrais e a dificuldade de determinar com precisão a origem de certas emissões.

Futuras investigações devem se concentrar em observar outras galáxias lenticulares para verificar se as características observadas em NGC 5084 são exclusivas ou se representam um padrão comum em galáxias com AGNs. Além disso, o uso de telescópios de nova geração, como o James Webb Space Telescope, pode fornecer uma visão ainda mais detalhada sobre a dinâmica interna dessas galáxias, permitindo a detecção de estruturas menores e mais sutis.

NGC 5084 exemplifica a intrincada relação entre AGNs, buracos negros supermassivos e o meio interestelar. Este estudo não apenas revelou detalhes intrigantes sobre a estrutura e dinâmica dessa galáxia, mas também abriu novas direções para pesquisas futuras, explorando o papel dos SMBHs na evolução galáctica e na redistribuição de material no universo local. A combinação de tecnologias avançadas e observações multiespectrais continua a desempenhar um papel essencial na busca por compreender os segredos do cosmos e os processos que moldam o universo que habitamos.

Fonte:

https://iopscience.iop.org/article/10.3847/1538-4357/ad7c4b

Sérgio Sacani

Formado em geofísica pelo IAG da USP, mestre em engenharia do petróleo pela UNICAMP e doutor em geociências pela UNICAMP. Sérgio está à frente do Space Today, o maior canal de notícias sobre astronomia do Brasil.

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