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Astrônomos Descobrem Dois Antigos Fragmentos Estelares No Coração da Via Láctea

O artigo intitulado “Shiva and Shakti: Presumed Proto-Galactic Fragments in the Inner Milky Way”, publicado no The Astrophysical Journal, representa um marco significativo na compreensão da formação e evolução da Via Láctea. Os autores Khyati Malhan e Hans-Walter Rix, do Max-Planck-Institut für Astronomie, utilizam dados de última geração do Gaia Data Release 3 para explorar duas novas subestruturas orbitais e químicas dentro da nossa galáxia, denominadas Shakti e Shiva.

Essas subestruturas foram identificadas como sobredensidades de estrelas brilhantes e pobres em metais, com massas estelares superiores a 10^7 vezes a massa do Sol. Localizadas em órbitas prógradas dentro do círculo solar, Shakti e Shiva apresentam uma distribuição no espaço de ação-energia que sugere uma origem por acreção. No entanto, seus padrões de abundância, conforme medidos pelo APOGEE, são típicos de populações in situ. Esse aparente paradoxo levanta questões intrigantes sobre a história de enriquecimento rápido dessas subestruturas e sua relação com a formação da Via Láctea.

O estudo propõe dois cenários possíveis para a origem de Shakti e Shiva: ou são subestruturas prógradas formadas pela captura de estrelas de campo pela barra rotativa da Galáxia, ou são fragmentos protogalácticos que se formaram e coalesceram rapidamente no início da história galáctica. Essas descobertas abrem novas perspectivas para a arqueologia galáctica e a compreensão dos processos dinâmicos que moldaram a Via Láctea.

O artigo também destaca a importância de futuras observações e levantamentos espectroscópicos, como WEAVE e 4MOST, bem como observações do Rubin Observatory, que permitirão criar um mapa químico-dinâmico de alta resolução das diferentes populações galácticas. Este trabalho é um testemunho da colaboração internacional e do poder dos grandes levantamentos astronômicos na era moderna da astronomia.

No estudo, os autores, empregaram uma metodologia robusta para investigar as subestruturas Shakti e Shiva na Via Láctea. A abordagem metodológica pode ser dividida em várias etapas-chave, conforme descrito no documento.

Primeiramente, eles utilizaram dados do Gaia Data Release 3, uma missão da Agência Espacial Europeia (ESA), que fornece informações precisas sobre posições, distâncias e movimentos próprios de estrelas. Complementaram esses dados com observações do Sloan Digital Sky Surveys IV e V, que oferecem dados espectroscópicos e fotométricos adicionais.

Para identificar as subestruturas Shakti e Shiva, os autores analisaram a distribuição de ação-energia (J, E) das estrelas, uma técnica que permite estudar as propriedades orbitais das estrelas na galáxia. Eles examinaram a distribuição (Lz, E), onde Lz é o momento angular em torno do eixo vertical da galáxia e E é a energia orbital. Além disso, analisaram o espaço de ‘ação projetada’, onde o eixo horizontal é Jf/Jtot e o eixo vertical é (Jz-JR)/Jtot, com Jtot sendo a soma dos momentos angulares em diferentes direções.

Para entender as propriedades químicas das subestruturas, os autores compararam as abundâncias químicas das amostras de Shakti e Shiva com as do Gaia-Sausage-Enceladus (GSE) e outras populações conhecidas, como o disco espesso e o halo estelar. Utilizaram critérios de seleção baseados em estudos anteriores para construir amostras representativas dessas populações.

A fim de calcular a massa estelar de Shakti e Shiva, os autores desenvolveram um método para estimar a “incompletude” da amostra, levando em conta que apenas estrelas gigantes estavam presentes na amostra e que as estrelas eram observadas em uma faixa específica de fases orbitais. Eles consideraram a distribuição uniforme dos ângulos orbitais (Θ = (θR, θf, θz)) para subestruturas misturadas em fase, como sugerido por Frankel et al. (2023). A massa total da subestrutura foi estimada multiplicando o número de membros da amostra pelo fator de incompletude e pela massa estelar por estrela gigante na amostra.

Os autores também mencionam que futuros levantamentos espectroscópicos, como WEAVE e 4MOST, e observações do Rubin Observatory, fornecerão medidas mais precisas das distâncias das estrelas do halo e permitirão criar um mapa químico-dinâmico de alta resolução das diferentes populações galácticas.

Em resumo, a metodologia adotada por Malhan e Rix é uma combinação de análise de dados de alta precisão, comparação com populações estelares conhecidas e técnicas de modelagem para estimar a massa das subestruturas. Essa abordagem permitiu-lhes explorar as propriedades dinâmicas e químicas de Shakti e Shiva e propor cenários para a origem dessas subestruturas na Via Láctea.

As características da subestrutura Shakti, conforme descritas no estudo, revelam uma população estelar notável e distintiva na Via Láctea interna. Shakti é identificada como uma concentração densa e bem definida de estrelas no espaço de ação-energia (Lz, E), indicando uma população com órbitas dinamicamente “quentes” e progradas, ou seja, movendo-se na mesma direção que a rotação da galáxia.

A análise dos dados do Gaia DR3, complementada por informações do Sloan Digital Sky Survey (SDSS)/APOGEE DR17, permitiu aos autores caracterizar as propriedades orbitais e químicas de Shakti. As estrelas de Shakti possuem uma distribuição de metalicidade que varia de [Fe/H] ≈ -2.5 a -1.0, com uma mediana de [Fe/H] próxima a -1.28, o que as classifica como pobres em metais. Além disso, mais da metade das estrelas de Shakti apresentam uma riqueza em [Al/Fe] > 0, sugerindo um enriquecimento rápido dentro de um progenitor massivo.

No que diz respeito às propriedades orbitais, as estrelas de Shakti orbitam a Via Láctea dentro de uma distância galactocêntrica de aproximadamente 2-10 kpc. Elas alcançam altitudes moderadas acima do plano galáctico (zmax) e possuem valores de excentricidade que variam de 0.1 a 0.6. Essas características orbitais são mais extremas do que as partes mais antigas do disco da galáxia, que são enriquecidas em elementos alfa.

A massa estelar de Shakti, se refletisse um satélite acrecionado, poderia ser estimada usando a relação massa-metalicidade para galáxias anãs. Com base na metalicidade média de Shakti, os autores sugerem uma massa estelar de aproximadamente 10^7 M☉, semelhante à galáxia anã conhecida como Wolf–Lundmark–Melotte (WLM). No entanto, considerando a incompletude da amostra e a correção para o corte de luminosidade da amostra, a massa estelar de Shakti pode ser significativamente maior.

Os autores discutem várias hipóteses sobre a origem de Shakti, incluindo a possibilidade de ser um fragmento proto-galáctico que coalesceu há mais de 12 bilhões de anos, antes da formação do disco da Via Láctea. As propriedades observadas de Shakti, como a alta concentração no espaço (Lz, E) e a riqueza em elementos como Al, sugerem que ela não é simplesmente uma população de disco “aquecida” ou “girada” do halo, mas sim uma entidade distinta com uma origem complexa e potencialmente proto-galáctica.

Já a subestrutura Shiva é descrita como uma população estelar com características orbitais e químicas distintas, que sugerem que ela pode ser um fragmento proto-galáctico da Via Láctea interna.

Shiva é caracterizada por uma seleção de estrelas com metalicidade na faixa de -2.5 < [M/H] < -1.0, e que se encontram dentro de um polígono específico no espaço (Lz, E), que é definido por quatro vértices com unidades em [kpc km s^-1, × 10^5 km^2 s^-2]. A amostra resultante para Shiva é composta por 5607 estrelas. Essas estrelas orbitam a Via Láctea a uma distância galactocêntrica de aproximadamente 0-8 kpc, com amplitudes de até 6 kpc perpendicular ao plano galáctico e possuem uma gama moderadamente alta de excentricidades, variando de 0.2 a 1.0. As estrelas de Shiva são misturadas em fase na galáxia, indicando que estão em órbitas dinamicamente “quentes”.

Quanto às propriedades químicas, Shiva é relativamente pobre em metais, com uma mediana de [Fe/H] ≈ -1.25, e apresenta riqueza em elementos como Mg, Mn e Al. A relação entre [Fe/H] e [Al/Fe] é notavelmente apertada, com 50% das estrelas possuindo [Al/Fe] > 0, o que implica um enriquecimento rápido dentro de um progenitor massivo.

Para calcular a massa estelar de Shiva, os autores consideram a relação massa-metalicidade de galáxias anãs, chegando a uma estimativa de M ≈ 10^7 M☉, semelhante à galáxia anã conhecida como WLM, que possui uma massa de aproximadamente 1.7 × 10^7 M☉. No entanto, ao considerar a incompletude da amostra de membros de Shiva e a correção para a luminosidade da amostra, eles encontram uma massa estelar de aproximadamente 2.5 × 10^7 M☉, comparável à subestrutura POH.

Em resumo, Shiva é uma subestrutura proeminente na Via Láctea interna, com estrelas em órbitas prógradas e dinamicamente quentes, e com propriedades químicas que sugerem um enriquecimento rápido e uma possível origem proto-galáctica.

O estudo apresentado no artigo “Shiva and Shakti: Presumed Proto-Galactic Fragments in the Inner Milky Way” de Khyati Malhan e Hans-Walter Rix, publicado no The Astrophysical Journal, representa um avanço significativo na compreensão da estrutura e evolução da Via Láctea. A pesquisa, que se baseia em dados de alta precisão da missão Gaia da ESA e em levantamentos complementares como SDSS, LAMOST e GALAH, identificou duas novas subestruturas estelares, denominadas Shakti e Shiva, que se destacam como sobredensidades confinadas no espaço de ação-energia (J, E).

A análise detalhada das propriedades químico-dinâmicas dessas subestruturas revelou que elas possuem uma combinação incomum de propriedades orbitais e de abundância, sugerindo que podem ser fragmentos proto-galácticos que se coalesceram no início da formação da Via Láctea. A descoberta de Shakti e Shiva, com suas características distintas e massas estelares significativas, oferece uma nova perspectiva sobre os processos de formação galáctica e a complexidade do halo da Via Láctea.

O estudo também destaca a importância de futuras observações e levantamentos espectroscópicos, como os projetos WEAVE e 4MOST, bem como as observações do Rubin Observatory, que permitirão determinar com precisão as distâncias das estrelas do halo. Esses esforços coletivos fornecerão medições de fase espacial 6D e abundâncias de estrelas até cerca de 50 kpc, possibilitando a criação de um mapa quimiodinâmico de alta resolução das diferentes populações galácticas. Isso nos dará uma oportunidade única de desvendar a história completa de formação de nossa Galáxia.

Em resumo, o artigo “Shiva and Shakti” conclui que as subestruturas identificadas são entidades notáveis dentro da Via Láctea interna, com propriedades que desafiam uma classificação simples e podem ser vestígios importantes de um processo de formação galáctica primitivo e complexo. A descoberta dessas subestruturas abre novas janelas para a arqueologia galáctica e a compreensão dos processos dinâmicos que moldaram a estrutura da nossa galáxia.

Fonte:

https://iopscience.iop.org/article/10.3847/1538-4357/ad1885

Sérgio Sacani

Formado em geofísica pelo IAG da USP, mestre em engenharia do petróleo pela UNICAMP e doutor em geociências pela UNICAMP. Sérgio está à frente do Space Today, o maior canal de notícias sobre astronomia do Brasil.

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