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As Descendentes Diretas das Primeiras Estrelas do Universo

O Universo, em sua vastidão, começou predominantemente com hidrogênio e hélio. Ao longo de 13 bilhões de anos, a evolução desses elementos fundamentais culminou em nossa existência. Somos, em essência, descendentes desses elementos primordiais, remanescentes das primeiras estrelas. Esta conexão intrínseca entre nós e as estrelas nos leva a uma busca contínua por nossa história cósmica, uma busca pelas primeiras estrelas do cosmos.

As primeiras estrelas, conhecidas por sua magnitude, eram cerca de 300 vezes o tamanho do nosso Sol. Esta imensa escala era necessária para desencadear a fusão nuclear em seus núcleos. Devido ao seu tamanho colossal, essas estrelas tiveram ciclos de fusão acelerados, resultando em vidas estelares relativamente curtas. O término de suas existências foi marcado por explosões supernovas, eventos cataclísmicos que dispersaram elementos mais pesados, como carbono e ferro, no espaço interstelar. Estes elementos, por sua vez, serviram como blocos de construção para a formação de novas estrelas.

Com o passar do tempo, as estrelas de segunda geração, também de grande magnitude, encontraram seu fim em explosões supernovas, enriquecendo ainda mais o cosmos com elementos pesados. Este processo repetitivo resultou em cada geração subsequente de estrelas contendo uma concentração crescente desses elementos. Em termos astronômicos, referimo-nos a este fenômeno como aumento da metalicidade.

No entanto, a categorização das estrelas em gerações específicas pode ser ambígua. As estrelas de primeira geração se formaram exclusivamente a partir de hidrogênio e hélio primordiais. Já as estrelas de segunda geração surgiram dos remanescentes das primeiras. Contudo, devido à diversidade no tamanho das estrelas e à variabilidade em seus ciclos de vida, é possível que algumas estrelas de segunda geração tenham se extinguido antes de suas contrapartes de primeira geração de menor magnitude. Esta sobreposição geracional resultou em uma tapeçaria complexa de estrelas formadas a partir de uma mistura de material de primeira e segunda gerações. Nosso próprio Sol é um testemunho dessa complexidade, sendo provavelmente composto por material de múltiplas gerações estelares.

Para estrelas modernas, a determinação de sua geração específica é muitas vezes substituída por uma categorização baseada em sua metalicidade. A metalicidade de uma estrela é quantificada pela razão de ferro para hélio, medida em uma escala logarítmica. As estrelas da População I têm uma razão [Fe/He] de pelo menos -1, indicando que possuem pelo menos 10% da proporção de ferro do Sol. Em contraste, as estrelas da População II têm uma razão [Fe/He] inferior a -1. A categoria População III é reservada para as verdadeiras estrelas de primeira geração.

Na Via Láctea, a maioria das estrelas encontradas no plano galáctico pertence à População I. Estas estrelas, semelhantes ao nosso Sol, formaram-se mais tarde na história galáctica e são caracterizadas por sua juventude e maior metalicidade. As estrelas mais antigas da População II são geralmente localizadas no halo que circunda nossa galáxia ou nos antigos aglomerados globulares que orbitam a Via Láctea. Esta distribuição é intuitiva, pois estrelas mais antigas tiveram mais tempo para se deslocar do plano galáctico.

Um estudo recentemente publicado no arXiv buscou distinguir estrelas de segunda geração de outras estrelas antigas. Através da análise de quasares distantes e simulações de estrelas da População III, os autores investigaram a metalicidade de verdadeiras estrelas de segunda geração. Concluíram que, embora raras, algumas estrelas de segunda geração podem estar presentes no halo da Via Láctea. O critério distintivo para sua identificação não se baseia apenas na abundância de ferro em relação ao hélio, mas nas proporções de carbono e magnésio para ferro.

O carbono é formado nas estrelas como parte do ciclo CNO, um processo secundário de fusão após a queima de hidrogênio. Já o magnésio é produto da fusão de carbono com hélio. Muitas estrelas de primeira geração terminaram suas vidas como supernovas de alta energia, enquanto outras explodiram com energias mais baixas. Estas últimas liberaram elementos como carbono e magnésio, mas pouco ferro. Portanto, estrelas com uma proporção excepcionalmente alta [C/Fe] provavelmente se formaram a partir do material remanescente de uma única estrela de primeira geração.

O estudo sugere que a chave para identificar estrelas de segunda geração é buscar estrelas no halo com uma proporção [C/Fe] superior a 2,5. Embora tais estrelas ainda não tenham sido identificadas, à medida que mais pesquisas celestes são realizadas, é provável que descobertas sejam feitas em breve. A busca por uma estrela de primeira geração ainda nos levará a galáxias distantes, mas é possível que em breve encontremos um de seus descendentes mais próximos de nosso lar cósmico.

Em conclusão, a evolução do Universo é um processo intrincado, com as estrelas desempenhando um papel central. Seus ciclos de vida e processos de fusão contribuem para a diversidade de elementos que observamos hoje. Através do estudo das estrelas, podemos desvendar os mistérios de nossa origem e entender nosso lugar no vasto cosmos. A pesquisa contínua e os avanços na astronomia prometem revelar ainda mais sobre nossa história cósmica e as maravilhas do Universo.

Fonte:

https://www.universetoday.com/163315/we-cant-see-the-first-stars-yet-but-we-can-see-their-direct-descendants/

 

Sérgio Sacani

Formado em geofísica pelo IAG da USP, mestre em engenharia do petróleo pela UNICAMP e doutor em geociências pela UNICAMP. Sérgio está à frente do Space Today, o maior canal de notícias sobre astronomia do Brasil.

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