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A Maior Foto Já Feita na História da Humanidade – O Campo Ultra Profundo do Hubble

O campo ultra profundo do Hubble – aqui a 1/100 de sua resoluçãoo total. Clique na imagem para poder vê-la inteira, ela tem 19 Mb, mas vale a pena.

Quando se observa uma imagem dessas pela primeira vez, muitos sentimentos podem vir a tona. Um deles é de pensar como somos realmente pequenos nessa imensidão do universo. Outro sentimento é o quanto ainda temos para descobrir sobre o cosmos onde vivemos. Muitas vezes nos deparamos com essa imagem, ela é conhecida como Campo Ultra Profundo do Hubble, é na verdade uma imagem feita pelo Hubble do limite da sua visão. Em 2003 e 2004, o telescópio repetidamente fez imagens dessa região do céu que tem uma área de 3 arcos de minutos quarados e localiza-se na direção da constelação de Formax, uma verdadeira fornalha de explosão cósmica. O resultado disso é exposição um milhão de segundos. A galáxias distantes parecem perturbadas, provavelmente como o resultado de colisões frequentes. Essa imagem também é carinhosamente conhecida como a maior foto do mundo, maior não em tamanho, mas sim pelo que ela representa. Não deixem de clicar na foto para acessá-la em um tamanho grande para acompanhar os detalhes que estão ali escondidos.

Analisando essa imagem em seus detalhes, alguns pontos podem ser destacados. As menores espécies identificadas na imagem são os objetos mais antigos que a humanidade já viu. Elas são as primeiras galáxias do universo. Nós as observamos nessa imagem como elas eram a 13 bilhões de anos atrás. A luz das estrelas que constituem essas galáxias estão cruzando o universo a uma velocidade que é três milhões de vezes mais rápida que um carro de F1 (claro aproveitando aqui que o campeonato acaba de ser definido, vale essa analogia) e chega até nós em parar nos boxes. A radiação emitida por elas certamente passou por mudanças no espaço-tempo, alcançando o detector do Hubble estirada e cansada. Quando se olha para essa imagem é como se estivesse olhando para uma janela do tempo. Diferentes gerações estão representadas nessa imagem, ou seja, ela é uma verdadeira viagem no tempo do universo.

Outra análise que se pode fazer além da escala de tempo e de escala de tamanho mesmo. O pedaço do céu mostrado nessa imagem tem o tamanho de um grão de areia quando segurado pelos dedos na extensão de um braço. A diferença de escala se compara a diferença entre o mundo atômico e o nosso mundo. Porém em um área tão pequena, as galáxias ali presentes são gigantescas, com tamanhos de um bilhão de trilhão de metros.

Alguns dos exemplares mais apagados nessa imagem não são galáxias, mas sim grupos formados por milhares de galáxias, mas devido a imensa distância eles aparecem como pontos luminosos. Esses aglomerados são na verdade as unidades básicas usadas pelos cientistas que estudam a cosmologia para mapear o universo como um todo. As distâncias entre os aglomerados são tão grandes que a gravidade para de ser a força dominante nessa escala e os aglomerados se afastam um dos outros por uma outra força, não gravitacional que controla a expansão do universo. Esses aglomerados são muito maiores do que se possa imaginar e são como trabalhadores individuais da fábrica do cosmos. Como átomos esses aglomerados consistem principalmente de espaço vazio. Embora a essa altura acredito que é necessário rever o que chamamos de vazio.

Outro fato interessante que os pesquisadores puderam constatar com essa imagem é que todos esses aglomerados parecem estar se afastando um dos outros a velocidades surpreendentes próximas da velocidade da luz. A consequência disso é uma reflexão importante. Com esse afastamento entre os aglomerados de galáxias, o universo se torna maior e mais vazio a cada segundo que passa. Nós, seres humanos estamos sentados, como já dizia o saudoso Carl Sagan em um pálido ponto azul, no nosso minúsculo sistema solar que vaga solitário em um dos braços externos da Via Láctea. Juntamente com as outras galáxias do aglomerado de Virgo nós estamos se afastando de tudo do universo em uma velocidade que aumenta com o tempo. As distâncias entre esses aglomerados são tão grandes que a gravidade não consegue mantê-los unidos.

Esses contrastes verdadeiramente incríveis servem para nos lembrar que tudo que tocamos, sentimos e vemos representa somente um pequeno pedaço da realidade, que possui dimensões físicas tão exorbitantes que não podemos definir com palavras, somente com equações e teorias. E ainda assim existem algumas especificidades que a física falha ao tentar explicar.

Por todas esses detalhes essa imagem pode ser considerada realmente a maior foto de todas, não somente pela representação gráfica dela, mas também pelas consequências detalhistas que ela traz ao se fazer uma simples análise. Lógico que tudo isso é o que conhecemos até o momento. Quando, por exemplo, o telescópio James Webb for lançado e puder fazer uma imagem da mesma região do céu poderemos atualizar a imagem, nossas conclusões e até mesmo o nosso lugar nesse imenso universo.

Sérgio Sacani

Formado em geofísica pelo IAG da USP, mestre em engenharia do petróleo pela UNICAMP e doutor em geociências pela UNICAMP. Sérgio está à frente do Space Today, o maior canal de notícias sobre astronomia do Brasil.

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