fbpx
23 de dezembro de 2024

A Geologia Cuidadosamente Esculpida Pela Natureza de Marte

DB-TIFF

A natureza é uma ponderosa escultora, como se pode ver nessas imagens feitas pela sonda Mars Express da ESA, que mostra um terreno altamente marcado e fraturado na paisagem marciana. Esse terreno foi formado pela intensa e prolongada força que agiu na superfície de Marte por centenas de milhões de anos.

Algumas feições em Marte, são um truque para os nossos olhos. Pode ser difícil dizer se o terreno está elevado na sua direção ou se é uma depressão. Esse é um fenômeno comum com crateras de impacto especialmente, e isso tem um nome, ilusão de cratera/domo. Em algumas imagens, as crateras aparecem como sendo grandes domos arqueando na direção de quem está observando, mas quando se olha novamente a gente vê essa feição como uma depressão, com o terreno mais alto ao redor como era esperado.

Esse fenômeno acontece com essas imagens que a Mars Express fez de parte de um local em Marte conhecido como Tempe Fossae, uma série de falhas que cortam a região das terras altas d Tempe Terra em Marte.

Numa primeira olhada é difícil dizer se o terreno está subindo ou afundando, ou uma mistura das duas coisas. A paisagem aqui arranhada, pontuada e enrugada, cumes cortam a imagem, intercalados com estranhas crateras de impacto, e toda a região é cheia de desfiladeiros e falésias.

O terreno pertence à província vulcânica de Tharsis, também conhecida como Tharsis Rise, que fica localizada perto do equador marciano, na fronteira entre as planícies baixas do hemisfério norte e as terras altas do sul de Marte, e apresenta uma complexa geologia que se origina no processo envolvido na sua formação.

Tempe Fossae é um grande exemplo do terreno que mostra duas características principais da geologia marciana, grabens e horsts.  De certo modo uma feição é o contrário da outra, grabens são pedaços do terreno que cederam entre duas falhas paralelas, enquanto os horsts são partes do terreno que soergueram entre as falhas.

Os grabens vistos nas imagens chegam a ter alguns quilômetros de largura, centenas de metros de profundidade e algumas centenas de quilômetros de comprimento. Ambos foram criados pelas forças vulcânicas e tectônicas agindo através da superfície de Marte, que fraturou o terreno e criou as duas configurações. A sonda Mars Express observaou essas feições muitas vezes antes, em regiões incluindo Claritas Fossae, Acheron Fossae e perto da Ascarius Planum.

Apesar de qualquer confusão visual inicial, essa paisagem é uma mistura de falhas, terreno elevado, vales profundos e grandes cordilheiras paralelas, estendendo tanto abaixo da superfície e acima da crosta marciana. A ilusão de cratera/domo é na verdade uma ilusão causada pela luz que interpreta de forma incorreta as sombras. Comparando essa imagem com as imagens da Ascarius Planum, um terreno similar, destaca isso bem, demonstrando a importância das condições de iluminação quando se faz uma imagem.

Na Terra estamos acostumados a ver imagens iluminadas de cima, mas isso não é uma orientação padrão para espaçonaves que podem adquirir dados de todos os ângulos de iluminação do Sol.

A sonda Mars Express tem uma órbita peculiar que não síncrona com o Sol. As órbitas síncronas com o Sol passam sobre o mesmo ponto da superfície planetária aproximadamente na mesma hora do dia a cada órbita, por exemplo, na Terra, os orbitadores passam sobre uma determinada cidade por volta do meio dia. A Mars Express, não faz isso, e pode adquirir dados num grande range de horas em Marte. Como resultado, ela experimenta diferentes condições de iluminação, enquanto observa o Planeta Vermelho, e produz uma grande variedade de conjunto de observações e imagens do nosso vizinho planetário.

Para a parte direita da imagem, apontando para o norte do planeta, a superfície se torna muito mais suave, com grabens e horsts quase que em todos os lugares. Esse perfil mais suave é um resultado da inundação de lava que aconteceu nesses locais antes de resfriar e solidificar, preenchendo e criando uma nova superfície nessa parte de Marte.

Enquanto a maior parte das cordilheiras vistas aqui correm paralelas umas as outras desde a parte superior esquerda da imagem até a parte inferior direita, existem algumas ranhuras que as cortam na direção perpendicular. Esse é um efeito da localização, já que esse terreno está localizado a nordeste da Província de Tharsis um hotspot antigo de Marte que sempre teve uma grande atividade vulcânicas e tectônica.

Tharsis é uma região gigantesca. A província mede alguns milhares de quilômetros de diâmetro e cinco quilômetros de altura com relação ao nível médio usado em Marte, um nível que é baseado numa superfície imaginária de mesma pressão, já que em Marte não temos mares como aqui na Terra. Tharsis abriga os maiores vulcões de todo o Sistema Solar, chegando a alturas superiores a 20 km.

À medida que a província foi ficando cada vez maior, no decorrer de centenas de milhões de anos, ela esticou e causou tensões na crosta ao redor, causando o faturamento em diferentes direções. Os pedaços perpendiculares vistos aqui nessa imagem são evidências da mudança de direção no regime de tensões.

Enquanto a formação de Tharsis causou atividade tectônica local, como mostrado por esses pedaços, ela também influenciou a crosta de Marte numa escala bem maior e acredita-se que ela tenha grande influência na formação do Valles Marineris, o maior cânion do Sistema Solar. Uma grande erosão tem ocorrido no Valles Marineris desde a sua formação, esculpindo a paisagem e a transformando no que vemos hoje.

Explorar a geologia de Marte, é um objetivo fundamental da Mars Express. A sonda foi lançada em 2003, e desde então ela está orbitando o Planeta Vermelho por mais de uma década e meia e se juntou a ela a sonda ExoMars Trace Gas Orbiter, a TGO, que chegou em Marte em 2016, e elas estão esperando pelo rover Rosalind Franklin da missão ExoMars que está programado para ser lançado para Marte em 2022.

A frota de sondas atualmente em Marte, são operadas por algumas agências espaciais e são capazes de imagear a superfície do planeta em escalas desde global, com uma resolução espacial na casa das dezenas de metros, até local, com resolução na casa dos metros. Essa combinação, permite aos cientistas caracterizarem os processos geológicos globais, locais e regionais de Marte, permitindo que eles possam trabalhar para ter um entendimento completo da história geológica intrigante de Marte.

Fonte:

http://www.esa.int/Science_Exploration/Space_Science/Mars_Express/Sculpted_by_nature_on_Mars

Sérgio Sacani

Formado em geofísica pelo IAG da USP, mestre em engenharia do petróleo pela UNICAMP e doutor em geociências pela UNICAMP. Sérgio está à frente do Space Today, o maior canal de notícias sobre astronomia do Brasil.

Veja todos os posts

Arquivo