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A Estrela Que Não Deveria Existir


Uma equipe de astrônomos europeus utilizou o Very Large Telescope do ESO (VLT) para descobrir uma estrela na Via Láctea que muitos pensavam não poder existir. Os astrônomos descobriram que esta estrela é composta quase inteiramente por hidrogênio e hélio, com quantidades minúsculas de outros elementos químicos. Esta intrigante composição química coloca a estrela na chamada “zona proibida” dentro da teoria de formação estelar mais aceita, o que significa que esta estrela nunca deveria ter se formado. Os resultados foram publicados na revista Nature em 1 de Setembro de 2011, cujo artigo original é apresentado ao final desse post.

Uma estrela de baixa luminosidade situada na constelação do Leão, chamada SDSS J102915+172927 [1] mostrou possuir a menor quantidade de elementos mais pesados que o hélio (a que os astrônomos chamam de “metais”) do que todas as estrelas estudadas até hoje. Este objeto possui uma massa menor que a do Sol e tem provavelmente mais de 13 bilhões de anos de idade.

“Uma teoria muito aceita prediz que estrelas como esta, com pequena massa e quantidades de metais extremamente baixas, não deveriam existir porque as nuvens de material a partir das quais tais objetos se formariam nunca se poderiam ter condensado,” [2] disse Elisabetta Caffau (Zentrum für Astronomie der Universität Heidelberg, Alemanha e Observatoire de Paris, França), autora principal do artigo científico que descreve estes resultados. “É surpreendente encontrar pela primeira vez uma estrela na “zona proibida”. Isto significa que iremos provavelmente ter que verificar alguns dos modelos de formação estelar.”

A equipe analisou as propriedades da estrela com o auxílio dos instrumentos X-shooter e UVES, montados no VLT [3]. Os astrônomos mediram a abundância dos vários elementos químicos presentes na estrela e descobriram que a proporção de metais na SDSS J102915+172927 é mais de 20 mil vezes menor que a proporção de metais no Sol [4] [5].

“A estrela é tênua e tão pobre em metais que apenas conseguimos detectar a assinatura de um único elemento mais pesado que o hélio – o cálcio –  nas primeiras observações que fizemos,” disse Piercarlo Bonifacio (Observatoire de Paris, França), que supervisionou o projeto. “Tivemos que pedir tempo de telescópio adicional ao Diretor Geral do ESO para estudar a radiação da estrela com mais detalhe, com longos tempos de exposição, de modo a tentar encontrar mais metais.”

Os cosmólogos acreditam que os elementos químicos mais leves – hidrogênio e hélio – foram criados pouco depois do Big Bang, juntamente com um pouco de lítio [6], enquanto que a maioria dos outros elementos foram posteriormente formados nas estrelas. As explosões de supernovas espalharam o material estelar para o meio interestelar, tornando-o rico em metais. As novas estrelas que se formam a partir deste meio enriquecido possuem por isso maiores quantidades de metais na sua composição do que as estrelas mais velhas. Por conseguinte, a proporção de metais numa estrela nos dá informação sobre a sua idade.

“A estrela que estudamos é extremamente pobre em metais, o que significa que é muito primitiva. Pode ser uma das estrela mais velhas jamais encontrada,” acrescenta Lorenzo Monaco (ESO, Chile), que também participou neste estudo.

É igualmente surpreendente a falta de lítio na SDSS J102915+172927. Uma estrela tão velha deveria ter uma composição semelhante àquela do Universo pouco depois do Big Bang, com apenas um pouco mais de metais. No entanto, a equipe descobriu que a proporção de lítio na estrela é pelo menos cinquenta vezes menor que a esperada devido à matéria produzida pelo Big Bang.

“É um mistério como é que o lítio produzido logo após o início do Universo foi destruído nesta estrela”, acrescenta Bonifacio.

Os investigadores também apontam para o fato desta estrela incomum não ser provavelmente única. “Identificamos vários outras estrelas candidatas que podem ter níveis de metais semelhantes, ou até inferiores, aos da SDSS J102915+172927. Planeamos agora observar estes candidatos com o VLT para verificarmos se é realmente este o caso,” conclui Caffau.

Notas

[1]  A estrela está catalogada no rastreio SDSS (sigla do inglês Sloan Digital Sky Survey). Os números fazem referência à posição do objeto no céu.

[2] Teorias de formação estelar mais aceitas afirmam que estrelas com massas tão baixas como a SDSS J102915+172927 (cerca de 0.8 massas solares ou menos) apenas se podem formar depois de explosões de supernova terem enriquecido o meio interestelar acima dum valor crítico. Isto deve-se ao fato dos elementos mais pesados atuarem como “agentes de arrefecimento” ajudando a irradiar o calor das nuvens de gás, fazendo assim com que estas nuvens possam seguidamente colapsar para formar estrelas. Sem estes metais, a pressão devida ao aquecimento seria demasiadamente forte e a gravidade da nuvem seria muito fraca para a vencer e fazer a nuvem colapsar. Uma teoria em particular identifica o carbono e o oxigênio como os principais agentes de arrefecimento, no entanto na SDSS J102915+172927 a quantidade de carbono é menor que o mínimo julgado necessário para que este arrefecimento se torne efetivo.

[3] O X-shooter e o UVES são espectrógrafos do VLT –  instrumentos utilizados para separar a radiação vinda dos corpos celestes nas suas diversas componentes, permitindo assim a análise detalhada da composição química. O X-shooter pode captar uma grande gama de comprimentos de onda do espectro de um objeto apenas numa única observação (desde o ultravioleta ao infravermelho próximo). O UVES (sigla do inglês Ultraviolet and Visual Echelle Spectrograph) é um instrumento óptico de alta resolução.

[4] A estrela HE 1327-2326, descoberta em 2005, tem a menor abundância de ferro conhecida, mas é rica em carbono. A estrela agora analisada tem a menor proporção de metais conhecida quando consideramos todos os elementos químicos mais pesados que o hélio.

[5] Os telescópios do ESO têm estado bastante envolvidos em muitas das descobertas das estrelas mais pobres em metais. Alguns dos resultados anteriores foram descritos nas notas de imprensa eso0228 e eso0723 e a nova descoberta mostra que observações feitas com os telescópios do ESO permitem aos astrônomos aproximarem-se mais da descoberta da primeira geração de estrelas.

[6] A nucleosíntese primordial refere a produção de elementos químicos com mais de um próton, alguns momentos após o Big Bang. Esta produção deu-se num curto espaço de tempo, permitindo que apenas hidrogênio, hélio e lítio se formassem. A teoria do Big Bang prediz, e as observações confirmam, que a matéria primordial era composta essencialmente por 75% (em massa) de hidrogênio, 25% de hélio e alguns traços de lítio.

Fonte:

http://www.eso.org/public/news/eso1132/


Sérgio Sacani

Formado em geofísica pelo IAG da USP, mestre em engenharia do petróleo pela UNICAMP e doutor em geociências pela UNICAMP. Sérgio está à frente do Space Today, o maior canal de notícias sobre astronomia do Brasil.

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