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Como imagens do EHT podem revelar sinais de matéria escura

Rede mundial de radiotelescópios conectados virtualmente formando o EHTEm 2025, um artigo publicado na Physical Review Letters apresentou uma proposta que causou desconforto nos limites do imaginável: usar as imagens capturadas pelo Telescópio Horizonte de Eventos como ferramenta para tentar desvendar um dos maiores mistérios da ciência moderna, a matéria escura. O trabalho liderado por Yifan Chen e colegas oferece uma nova abordagem para buscar traços dessa substância invisível, mudando o foco das experiências tradicionais e utilizando, agora, uma janela cósmica quase poética: a silhueta de um buraco negro.

É inegável que a matéria escura constitui cerca de 85% de toda a matéria do universo, mas sua natureza permanece desconhecida. Nenhum telescópio tradicional foi capaz de captá-la, ou sequer ouvi-la sussurrar. O desafio instiga pesquisadores, que buscam maneiras criativas, reaproveitando o que o cosmos já oferece: buracos negros supermassivos, seus arredores caóticos, e a capacidade de enxergar até o impossível. O artigo de hoje do spacetoday.com.br acompanha em detalhes essa ousada estratégia e mostra como as imagens do EHT, o instrumento que de fato fotografou o “invisível”, podem ser a chave escondida para uma questão fundamental da astronomia.

As origens do mistério: por que a matéria escura desafia a física?

A humanidade sabe há décadas, através de indícios gravitacionais nas galáxias, que há uma quantidade imensa de matéria que “falta” na contabilidade cósmica. A matéria escura não emite, absorve ou reflete luz, sendo detectada apenas indiretamente, por seus efeitos gravitacionais em estrelas, galáxias e feixes de luz.

  • A anomalia nas rotações das galáxias
  • Lente gravitacional (distorsão de luz de objetos de fundo causada por massas invisíveis)
  • Oscilações no fundo cósmico de micro-ondas
  • Dinâmica de aglomerados de galáxias

Apesar dessa evidência, nunca foi possível, até agora, detectar a matéria escura interagindo com a matéria comum de forma robusta. São inúmeras as hipóteses: WIMPs, axiões, partículas exóticas… mas talvez, só talvez, olhar para onde a gravidade é absoluta, um buraco negro, seja um caminho diferente para encontrá-la.

EHT: uma máquina para enxergar o impossível

O Event Horizon Telescope, ou simplesmente EHT, é uma colaboração internacional ousada e multifacetada. Mas o que o torna diferente de outros instrumentos já existentes em nosso planeta?

  • O EHT é uma rede global de radiotelescópios operando em conjunto, formando uma “super-antena” do tamanho da Terra
  • Utiliza interferometria de linha de base muito longa (VLBI) para combinar sinais de múltiplos observatórios espalhados pelo planeta
  • Opera principalmente na frequência de 230 GHz, faixa de comprimento de onda milimétrica, ideal para penetrar regiões extremamente densas de plasma interestelar
  • Detecta radiação de síncrotron: produzida por elétrons que se movem rapidamente em campos magnéticos intensos nas vizinhanças dos buracos negros supermassivos

Os casos mais célebres do EHT são as imagens dos buracos negros supermassivos das galáxias M87* (Messier 87) e Sagitário A* (no centro da Via Láctea). Quando as imagens foram divulgadas, causaram impacto global, a “fotografia” do impossível, algo para ser lembrado como um ponto de virada da astronomia moderna.

Segundo estudos recentes com participação do ALMA, melhorias já estão em curso para trazer detalhes ainda mais impressionantes à superfície da sombra dos buracos negros, chegando a 50% mais resolução do que as imagens atuais.

Essa precisão é essencial para uma proposta tão ambiciosa: procurar pistas de matéria escura em regiões onde a própria luz quase não existe.

A sombra do buraco negro: um palco para o invisível

Imagens do EHT não são semelhantes a fotografias clássicas. Elas trazem a silhueta conhecida como “sombra de buraco negro”, uma região escura cercada por um anel brilhante. O que faz dessa sombra um local tão interessante para buscar sinais fora do comum?

Nessa área, ocorre algo fascinante: o plasma astrofísico, uma espécie de matéria quente, composta por partículas carregadas, não se distribui de maneira homogênea. Existem zonas onde, devido a forças extremas, simplesmente há ausência desse material.

O modelo mais aceito para tentar descrever essa distribuição chama-se disco magneticamente arrestado ou MAD. Nele, campos magnéticos intensos se acumulam de tal forma nos polos do buraco negro que “arremessam” plasma para longe dessas regiões, favorecendo a formação de jatos relativísticos e esvaziando a área central, que se torna ainda mais escura.

Sombra de buraco negro com anel brilhante ao redor, conforme capturada pelo EHT

Este espaço vazio, onde o plasma astrofísico mal existe, é justamente o melhor cenário para detectar emissões incomuns. E, como propõe a equipe de Jing Shu e Yifan Chen, ali pode estar escondida a assinatura de partículas de matéria escura se aniquilando e liberando energia

Por que buracos negros atraem matéria escura?

De acordo com os pesquisadores citados, buracos negros têm um papel fundamental para “capturar” matéria escura por causa de sua intensa gravidade. No entorno imediato desses objetos extremos, a densidade de matéria escura pode se elevar drasticamente, formando o que se chama de pico de densidade (ou “spike”).

  • A gravidade de buracos negros supermassivos aumenta a concentração local de matéria escura
  • Esse acúmulo eleva a chance de colisão (aniquilação) entre partículas de matéria escura
  • Se houver aniquilação, pode-se esperar produção de partículas detectáveis, como elétrons e pósitrons altamente energéticos

Buracos negros podem amplificar sinais fracos de matéria escura.

Simulação: como criar uma “foto sintética” do possível sinal de matéria escura?

A abordagem do estudo não se limitou a somar intensidades. O diferencial esteve em simular, em detalhes, como partículas geradas por possíveis aniquilações de matéria escura se propagariam e emitiriam radiação próximo ao horizonte de eventos.

Os autores usaram:

  • Simulações relativísticas magnetohidrodinâmicas (GRMHD) baseadas no modelo MAD
  • Modelos detalhados de propagação e emissão de partículas, considerando como elétrons e pósitrons advindos das aniquilações se comportariam nos campos magnéticos extremos
  • Geração de imagens sintéticas realistas, que preveem a distribuição espacial do brilho, não apenas a luminosidade total

Simulação ultra-detalhada de matéria escura envolvendo buraco negro

A preocupação central dos pesquisadores foi focar na morfologia da imagem, não apenas em buscar um “excesso de luz” na soma total do anel. Afinal, a matéria escura, hipoteticamente, geraria partículas (e radiação) até mesmo em regiões particularmente vazias, como o centro ou as extremidades do jato, enquanto os elétrons tradicionais do plasma astrofísico tendem a estar restritos ao anel, não à sombra profunda.

O que diferencia este método de outras tentativas de detecção?

Historicamente, buscas por sinais de matéria escura basearam-se em duas abordagens principais:

  • Experimentos de detecção direta (tentando capturar colisões de matéria escura com átomos, em laboratórios subterrâneos).
  • Detectores astrofísicos medindo emissões vindas de regiões com alta concentração de matéria escura, como o centro galáctico.

A inovação deste novo método, proposto por Chen et al., está em buscar padrões espaciais de emissão que as aniquilações de matéria escura causariam nas imagens do EHT. Em outras palavras, em vez de focar no total do brilho, os cientistas procuram variações sutis dentro da sombra.

O segredo pode estar na forma, não no brilho.

Assim, mesmo que o sinal de matéria escura não seja forte o bastante para se destacar no fluxo total, ele pode ser perceptível ao analisar a distribuição espacial e as flutuações da imagem, principalmente em regiões que o modelo MAD prevê como “silenciosas”.

Quais partículas e cenários foram simulados?

No processo de análise, o estudo de Chen et al. considerou diferentes canais de aniquilação para matéria escura:

  • Aniquilação em pares quark bottom-antiquark (b quarks)
  • Aniquilação direta em pares elétron-pósitron

Foram simuladas massas de matéria escura desde valores sub-GeV até cerca de 10 TeV, contemplando tanto candidatos mais leves quanto partículas muito pesadas.

Diagrama ilustrando canais de aniquilação da matéria escura

No caso específico do M87*, por exemplo, a formação do “spike” gravitacional de matéria escura em torno do buraco negro seria mais favorável do que em Sagitário A*, em função de sua massa maior e história de crescimento. Essas características tornaram possível, inclusive, estabelecer restrições inéditas em regiões do espaço de parâmetros, regiões que, pela primeira vez, foram tocadas por uma análise desse tipo.

Limites obtidos: o que o estudo conseguiu restringir?

A proposta permitiu colocar limites superiores para a taxa de aniquilação de matéria escura (ou seção de aniquilação) ao redor de buracos negros. Com as imagens de M87*, chegaram a valores da ordem de 10-27 cm³/s para seções de aniquilação, valores melhores do que os obtidos em outras abordagens baseadas em perfis de densidade semelhantes.

Tal feito só foi possível pela capacidade do EHT de isolar regiões genuinamente “escuras”, diminuindo o ruído astrofísico em regiões onde, teoricamente, a emissão por matéria escura seria mais fácil de destacar.

Outro destaque: as restrições são robustas mesmo frente a incertezas como a rotação do buraco negro, temperatura do plasma e detalhes do campo magnético. O método é relativamente pouco sensível a variações astrofísicas que normalmente atrapalhariam análises deste tipo.

E quanto ao futuro? Melhorias aguardadas no EHT prometem avanços significativos

O aperfeiçoamento contínuo do Event Horizon Telescope pode abrir portas para testes ainda mais rigorosos dos modelos propostos por Chen e colegas.

  • Aumento de até 100 vezes no alcance dinâmico das imagens (capacidade de distinguir regiões muito escuras das muito brilhantes)
  • Melhoria da resolução angular, cada vez mais próxima do limite físico do raio gravitacional
  • Análise detalhada de variações no tempo da morfologia da sombra, identificando padrões incomuns
  • Observações multiespectrais (em diferentes frequências), permitindo discriminar emissões astrofísicas e potenciais sinais de matéria escura

Conceito de futuro do EHT com telescópios em várias partes do mundo

Outra aposta promissora está no registro da polarização dos sinais do EHT, já que a polarização fornece pistas diretas sobre o comportamento dos campos magnéticos e pode ajudar a distinguir partículas de origens diferentes.

Essas possibilidades, alinhadas a técnicas de análise cada vez mais refinadas, sugerem que estamos cada vez mais próximos de um teste definitivo: buscar, no coração da escuridão absoluta, sinais das partículas mais misteriosas do cosmos.

Vantagens e desafios do método baseado em imagem

Não existe caminho fácil para responder às perguntas fundamentais do universo, e tampouco para confirmar, com certeza, a realidade da matéria escura pelas imagens dos buracos negros.

  • Vantagem: Morfologia detalhada ajuda a separar possíveis sinais do “fundo” astrofísico, tornando visíveis assinaturas que ficariam diluídas em análises mais simples
  • Desafio: Depende de conhecer com precisão modelos astrofísicos de plasma, campos magnéticos e geometria dos buracos negros, para evitar interpretações equivocadas
  • Vantagem: O método é aplicável a diferentes buracos negros, inclusive em galáxias distantes
  • Desafio: Exige qualidade extrema nas imagens, o que pode demorar alguns anos até se tornar rotineiro

De qualquer forma, essa abordagem representa uma mudança de paradigma notável, pois une teoria, simulação avançada e dados de vanguarda da radioastronomia.

Ver é mais do que enxergar: é decifrar o que o invisível nos diz.

Exemplos de sinais possíveis e o papel da polarização

Quando se pensa em “detectar” matéria escura, o que exatamente se espera encontrar nas imagens do EHT? Os modelos preveem padrões como:

  • Brilho residual ou anomalias dentro da “sombra”, mesmo onde o plasma astrofísico não existe
  • Formas diferenciadas e pouco simétricas, associadas às partículas das aniquilações se espalhando pelos campos magnéticos
  • Possíveis hotspots transitórios, variações temporais localizadas dentro da estrutura do anel de emissão

Zoom detalhado em área da sombra do buraco negro destacando possíveis anomalias

Nos próximos anos, com dados em múltiplas frequências e a análise da polarização, pesquisadores poderão separar a emissão originada de processos astrofísicos conhecidos daquela proveniente de um fenômeno exótico, ou, quem sabe, de matéria escura

Entender diferenças na orientação da luz polarizada emitida nessas regiões ajudará a identificar fontes não convencionais de partículas energéticas. Por isso, o acompanhamento atento das notícias no spacetoday.com.br e outras fontes é fundamental para quem deseja se manter a par dos avanços no tema.

Como a comunidade científica está reagindo? E o que esperar?

Desde a publicação do artigo de Chen et al., diversas equipes pelo mundo vêm refinando técnicas semelhantes e aprimorando os modelos numéricos de interação entre partículas de matéria escura e o ambiente extremo perto de buracos negros.

  • Novos modelos incluem evolução temporal e mudanças estruturais nos discos de acreção
  • Simulações consideram diferentes rotações e massas dos buracos negros
  • Há esforço em unir abordagens teóricas (simulações) com observações reais, para validar ou descartar cenários possíveis

Equipe de pesquisadores analisando imagens de buracos negros em computadores científicos

Aos poucos, a metodologia vai ganhando maturidade. Esse processo expande o leque de perguntas possíveis e obriga a ciência a repensar, com humildade, o alcance de seus próprios métodos.

Onde encontrar mais informações sobre matéria escura, astronomia e tecnologia

No Brasil, o spacetoday.com.br vem acompanhando as notícias de pesquisa de buracos negros, matérias sobre tecnologia ligada à astronomia, explorações espaciais e recentes descobertas envolvendo matéria escura, como pode ser visto também na categoria de astronomia e nos conteúdos sobre missões espaciais.

Para leitores interessados em desdobramentos técnicos, há uma série de artigos na área de tecnologia aplicada à exploração do universo. Já quem deseja aprofundar a pesquisa sobre matéria escura e seus enigmas, pode conferir a busca por matéria escura no nosso acervo.

Esses resultados de pesquisa vão muito além de reportar dados: buscam conectar leitores a eventos atuais e discussões que trazem a ciência para perto do cotidiano.

Conclusão: a fronteira entre o visível e o desconhecido

O trabalho publicado por Yifan Chen e colaboradores em 2025 desafia as fronteiras tradicionais da física de partículas e da astrofísica. O método, ousado e criativo, fornece não só limites inéditos acerca das propriedades da matéria escura, como inaugura uma era na qual imagens, não apenas detectores tradicionais, passam a ocupar papel de protagonista na busca pelas maiores questões do universo.

O futuro parece, sim, esperançoso. Não se trata apenas de captar luz ou ruído, mas de entender muito além do que os olhos veem. Com avanços na tecnologia dos telescópios, análises multiespectrais e colaboração científica global, a porta para os segredos da matéria escura pode estar prestes a se abrir, e a sombra dos buracos negros talvez seja o que faltava para revelar esse enigma antigo da natureza.

Para continuar por dentro destas descobertas e de outras que ajudam a decifrar o cosmos, é recomendável acompanhar de perto o spacetoday.com.br. Aproveite para explorar nossos artigos e recursos. O universo agradece, e suas perguntas também.

Perguntas frequentes sobre matéria escura e EHT

O que é matéria escura no universo?

Matéria escura é uma forma invisível de matéria que compõe cerca de 85% de toda a matéria do universo. Ela não interage com a luz, tornando-se impossível de ser vista diretamente. Sabemos de sua existência por meio de efeitos gravitacionais, como o movimento de galáxias e a distorção de trajetórias de luz. Sua natureza permanece desconhecida, sendo alvo de pesquisas intensas na física e na astronomia.

Como o EHT captura imagens de buracos negros?

O Event Horizon Telescope (EHT) une radiotelescópios espalhados pelo mundo, formando uma rede capaz de observar detalhes mínimos ao redor dos buracos negros. Ele opera em ondas milimétricas (230 GHz), permitindo que enxergue através de nuvens de poeira interestelar, e utiliza o método de interferometria para simular um telescópio do tamanho do planeta, criando imagens com resolução sem precedentes.

Imagens do EHT podem revelar matéria escura?

Segundo estudos recentes publicados na Physical Review Letters, as imagens do EHT são inovadoras pois buscam variações sutis dentro da sombra dos buracos negros, onde o plasma comum é escasso, mas sinais de aniquilação de matéria escura poderiam se destacar. Ao simular como as partículas de matéria escura se propagariam e emitiriam radiação nessas regiões, o método permite restringir propriedades até então inexploradas dessa substância misteriosa.

Qual a relação entre horizonte de eventos e matéria escura?

O horizonte de eventos é o limite “sem retorno” de um buraco negro. Próximo a esse limite, espera-se a formação de picos de densidade de matéria escura devido a efeitos gravitacionais extremos. Esse acúmulo aumenta a chance de aniquilação entre partículas, criando, potencialmente, sinais detectáveis por telescópios como o EHT.

Por que estudar matéria escura é importante?

Compreender a matéria escura é entender a maior parte da massa do universo. Suas propriedades podem afetar desde a formação de galáxias até o destino final do cosmos. Descobrir sua natureza pode levar a uma revolução em nosso entendimento da física, da origem e da evolução do universo como um todo.

Sérgio Sacani

Formado em geofísica pelo IAG da USP, mestre em engenharia do petróleo pela UNICAMP e doutor em geociências pela UNICAMP. Sérgio está à frente do Space Today, o maior canal de notícias sobre astronomia do Brasil.

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