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James Webb Descobre Exoplaneta Em Alpha Centauri A – Parte I

Astrônomos Revelam um Candidato a Planeta Gigante na Zona Habitável da Alpha Centauri A, a Nossa Vizinha Solar Mais Próxima

Uma equipa internacional de astrônomos, utilizando o Telescópio Espacial James Webb (JWST), alcançou um feito extraordinário na busca por novos mundos, capturando a imagem de um candidato a planeta gigante que orbita a Alpha Centauri A, a estrela do tipo solar mais próxima do nosso próprio Sol. Esta descoberta, detalhada no primeiro de uma série de artigos científicos intitulados “Worlds Next Door” (Mundos Vizinhos), oferece uma janela sem precedentes para a formação de sistemas planetários em binários estelares e estabelece limites notáveis para a presença de poeira exozodiacal na zona habitável desta estrela vizinha.

O artigo, liderado por Charles Beichman e Aniket Sanghi do NASA Exoplanet Science Institute e do Cahill Center for Astronomy and Astrophysics, respetivamente, destaca a observação meticulosa da Alpha Centauri A, uma estrela que, devido à sua proximidade (apenas 1,33 parsecs ou cerca de 4,37 anos-luz), permite uma resolução espacial da sua zona habitável em comprimentos de onda de infravermelho médio. Isso significa que planetas suficientemente grandes ou quantidades significativas de poeira exozodiacal (o equivalente à poeira do nosso próprio sistema solar) poderiam ser detetados através de imagem direta.

O Fascinante Sistema Alpha Centauri: Um Vizinho Cósmico Inigualável

O sistema Alpha Centauri é notável por ser o mais próximo do nosso Sol. É um sistema estelar triplo, composto por Alpha Centauri A, Alpha Centauri B e Proxima Centauri. Alpha Centauri A e B formam um binário estelar próximo, e a sua proximidade inerente à Terra oferece uma oportunidade de ouro para a imagem direta de exoplanetas – ou seja, fotografar o planeta em si, em vez de inferir a sua existência por métodos indiretos.

A zona habitável de uma estrela é a região onde as condições são consideradas adequadas para a existência de água líquida na superfície de um planeta, um ingrediente crucial para a vida como a conhecemos. No caso de Alpha Centauri A, esta zona está espacialmente resolvida em comprimentos de onda de infravermelho médio, o que é uma vantagem significativa para a deteção. Em comparação com a segunda estrela do tipo solar mais próxima, Tau Ceti, Alpha Centauri A oferece uma melhoria de quase 3 vezes na escala angular da sua Zona Habitável e um aumento de 7,5 vezes no brilho absoluto de qualquer planeta.

No entanto, observar um sistema tão próximo e complexo com o JWST apresenta desafios consideráveis. A presença de Alpha Centauri B, a apenas cerca de 7 a 9 segundos de arco de Alpha Centauri A, significa que a intensa luz de Alpha Centauri B, mesmo não ocultada, afeta o plano focal do telescópio, complicando as observações. A equipa desenvolveu uma estratégia inovadora para mitigar os efeitos de Alpha Centauri B, usando uma estrela de referência, Epsilon Muscae (Eps Mus), para simular e subtrair a luz dispersa de Alpha Centauri B. Outros desafios incluíram a seleção de estrelas de referência de brilho e propriedades fotométricas semelhantes, o movimento complexo de Alpha Centauri A devido ao seu próprio movimento adequado e paralaxe, e a necessidade de uma aquisição cega do alvo com extrema precisão devido ao brilho de Alpha Centauri A.

S1: O Candidato a Planeta Fascinante

O ponto alto das observações, realizadas em três épocas – agosto de 2024, fevereiro de 2025 e abril de 2025 – foi a deteção de uma fonte pontual, designada S1, em agosto de 2024. Esta fonte foi detetada com um fluxo de 3,5 milijanskys (mJy) em 15,5 micrômetros (µm) e um nível de contraste de 5,5 x 10^-5 em relação à Alpha Centauri A. Para o público não especializado, isso significa que o candidato a planeta é extremamente fraco em comparação com a estrela, destacando a capacidade impressionante do JWST de suprimir a luz estelar.

A robustez da deteção de S1 foi minuciosamente testada. Os cientistas realizaram várias análises para descartar que S1 fosse um artefato de imagem ou de detetor. Foi detetado independentemente em múltiplos subconjuntos dos dados e não mostrou evidências de “hot pixels” transientes. Além disso, não é um artefato de subtração da PSF (Função de Dispersão do Ponto) das imagens de referência, nem um artefato de subtração imperfeita de Alpha Centauri B. S1 manteve-se consistente, mesmo quando os parâmetros de subtração foram alterados, ao contrário de outros artefatos.

Crucialmente, a equipa descartou que S1 fosse um objeto de fundo ou de primeiro plano (do nosso próprio Sistema Solar). A evidência mais conclusiva é que S1 não foi detetado nas observações subsequentes de fevereiro e abril de 2025 no local onde seria esperado se fosse um objeto de fundo fixo, o que confirmaria o seu movimento em relação à estrela devido à sua paralaxe e movimento próprio. Além disso, imagens de arquivo de telescópios como Spitzer/IRAC, 2MASS e VLT/NACO não mostram fontes na posição de S1, o que seria esperado se fosse uma estrela de fundo ou uma galáxia típica. A probabilidade de um alinhamento casual com uma galáxia de fundo extragaláctica, como uma galáxia de formação estelar, é extremamente baixa.

A possibilidade de S1 ser um objeto do Sistema Solar, como um asteroide, também foi eliminada. Um asteroide do cinturão principal capaz de emitir o brilho observado teria que ser maior que 2 km de diâmetro, objetos que são extremamente raros e bem catalogados, sem correspondência para a posição de S1 no momento da observação. Além disso, não foi observado movimento angular significativo de S1 durante as 2,5 horas de observação do MIRI, o que seria esperado para um asteroide.

S1 + C1: Uma Fascinante Ligação Orbital

Embora a deteção de S1 por si só ainda seja um candidato a planeta, a equipa considerou a intrigante possibilidade de que S1 seja o mesmo objeto que o candidato C1, detetado pelo programa VLT/NEAR em 2019. Ao ligar estas duas deteções, os cientistas conseguiram traçar famílias de órbitas dinamicamente estáveis para o objeto S1 + C1. A análise revela que existe uma chance de 52% de que o candidato S1 + C1 tenha sido perdido nas observações subsequentes do JWST/MIRI de fevereiro e abril de 2025 devido ao seu movimento orbital. Esta é uma estatística crucial, pois explica a não deteção do objeto nas épocas seguintes e reforça a hipótese de que S1 é, de facto, um planeta.

As órbitas inferidas para S1 + C1 são particularmente intrigantes: são excêntricas (e ≈ 0,4) e significativamente inclinadas em relação ao plano orbital do sistema binário Alpha Centauri AB (imutual ≈ 50° para prograde, ou ≈ 130° para retrógrado). Estas características orbitais não são incomuns para planetas do tipo “S” (que orbitam uma das estrelas num sistema binário), como observado em outros sistemas como HD 196885 AB + HD 196885 Ab e Upsilon Cep AB + Upsilon Cep Ab. O período orbital do candidato a planeta estaria entre 2 e 3 anos.

A consistência destas órbitas com os limites existentes de velocidade radial (RV) também foi avaliada. As medições de RV de Alpha Centauri A impõem limites à massa mínima de qualquer planeta. Assumindo uma massa de 100 massas terrestres (M⊕) para o candidato, 50% das órbitas estáveis resultam num sinal de RV (KRV) igual ou inferior a 6 m/s, e quase todas (99,8%) resultam num KRV inferior a 9 m/s. A massa do planeta, consistente com os limites de RV, pode estar entre 90 e 150 M⊕.

Propriedades Físicas e Modelos Atmosféricos: Um Planeta Gigante Frio

Com base na fotometria (brilho) de S1 e C1 e nas propriedades orbitais inferidas, a equipa estimou que o candidato a planeta poderia ter uma temperatura efetiva de aproximadamente 225 K (cerca de -48°C) e um raio de aproximadamente 1 a 1,1 raios de Júpiter (RJup). Essa temperatura é consistente com as órbitas dentro de 2 unidades astronômicas (UA) da estrela, onde 1 UA é a distância da Terra ao Sol.

Para contextualizar, os planetas gigantes gasosos maduros (com cerca de 5 bilhões de anos, como Alpha Centauri A) não devem exceder significativamente 1 a 1,2 RJup, a menos que estejam em órbitas muito próximas (“Júpiteres quentes”), o que não é o caso aqui. A temperatura do planeta seria primariamente determinada pelo aquecimento da Alpha Centauri A, com contribuições desprezíveis de calor residual de formação, radiação de Alpha Centauri B ou aquecimento de marés.

A equipa utilizou modelos atmosféricos avançados, como ATMO2020++ e PICASO, para ajustar os pontos fotométricos de S1 e C1. Estes modelos ajudam a compreender a composição e a estrutura da atmosfera do planeta. Um modelo ATMO2020++ com temperatura efetiva de 225 K, log g (gravidade superficial) de 3,0 dex e metalicidade de +0,5 [M/H] ajusta-se à fotometria com um raio de 1,1 RJup, resultando numa massa de aproximadamente 150 M⊕. Um modelo PICASO, com temperatura efetiva de 225 K e log g de 2,75 dex, ajusta-se com um raio de 1,15 RJup e uma massa de aproximadamente 90 M⊕. Outros modelos testados exigiram temperaturas mais altas ou raios maiores, o que os tornaria menos prováveis.

Uma Hipótese Fascinante: Anéis Planetários ao Redor de S1 + C1?

Uma explicação alternativa para o brilho observado de S1 no infravermelho médio (particularmente o brilho em 15,5 µm) é a presença de um sistema de anéis circumplanetário. Embora um raio planetário de 1,1 a 1,15 RJup seja plausível, ele é mais comum para planetas mais quentes. Se S1 + C1 fosse um planeta menor (por exemplo, 1 raio de Júpiter) com anéis opticamente espessos, estes anéis poderiam contribuir para o brilho observado.

Um modelo simplificado de anéis opticamente espessos sugere que a temperatura dos anéis varia com a distância do planeta à estrela ao longo da sua órbita excêntrica. Neste cenário, o anel seria mais quente na época de C1 (257 ± 22 K) do que na época de S1 (209 ± 11 K). A fotometria observada pode ser explicada por um planeta de 1 RJup (cerca de 120 M⊕) combinado com um anel que tem uma área de seção transversal equivalente a cerca de metade da área dos anéis de Saturno.

Esta hipótese é intrigante, pois anéis planetários são um fenómeno conhecido no nosso próprio Sistema Solar e podem residir na zona de Roche de um planeta (1,4 a 2,5 vezes o raio do planeta). Embora o modelo seja simplificado, a sua plausibilidade abre novas perspetivas para a caracterização de exoplanetas e a compreensão das suas propriedades físicas.

Limites sem Precedentes para a Poeira Exozodiacal

Além da busca por planetas, as observações do JWST/MIRI também estabeleceram os limites mais rigorosos até hoje para a presença de poeira exozodiacal em torno de Alpha Centauri A. A poeira exozodiacal é análoga à poeira no nosso cinturão de asteroides, que é produzida por colisões e irradia calor. A equipa atingiu uma sensibilidade sem precedentes, capaz de detetar emissão de poeira exozodiacal a um nível de mais de 5 a 8 vezes o brilho da nossa própria nuvem zodiacal – um fator 10 vezes mais sensível do que o medido em qualquer outro sistema estelar até à data.

Foram utilizados modelos de nuvens exozodiacais, incluindo um análogo do cinturão de asteroides (ABA) e um modelo similar à nuvem zodiacal do nosso Sistema Solar. A ausência de deteção de poeira exozodiacal, com estes novos limites, é uma descoberta importante. Por exemplo, o modelo ABA-3, que representa 8,3 vezes o nível de poeira do nosso Sistema Solar em termos de luminosidade, foi recuperado com sucesso nas simulações, enquanto modelos mais fracos não. Isto significa que se existisse uma nuvem de poeira mais brilhante do que este limite, o JWST tê-la-ia detetado.

A sensibilidade do JWST é tão superior que supera em pelo menos cinco vezes os limites alcançáveis com interferometria de anulação e duas ordens de magnitude em relação a observações fotométricas anteriores. Esta ausência de poeira exozodiacal detetável na zona habitável de Alpha Centauri A é uma informação valiosa para as teorias de formação de sistemas planetários em sistemas estelares binários.

Implicações Dinâmicas e Perspetivas Futuras

As órbitas do candidato S1 + C1, com alta excentricidade e inclinação, levantam questões sobre a sua estabilidade e evolução dinâmica. A equipa investigou o fenómeno das oscilações de von Zeipel-Kozai-Lidov (vZKL), um efeito gravitacional em sistemas triplos hierárquicos onde um companheiro distante (neste caso, Alpha Centauri B) causa uma troca periódica entre a excentricidade e a inclinação da órbita interna (do planeta). A análise sugere que a maioria das órbitas do candidato S1 + C1 passa por oscilações vZKL de grande amplitude, o que é consistente com a sua configuração atual.

A presença de um planeta como S1 + C1 tem implicações significativas para a possibilidade de outros planetas existirem na zona habitável de Alpha Centauri A. A equipa utilizou o Raio de Hill (RH), uma medida da influência gravitacional de um corpo sobre um terceiro, para avaliar a estabilidade de outros corpos. Simulações numéricas mostram que a região exterior a cerca de 0,4 UA de Alpha Centauri A seria inóspita para outros planetas na presença de S1 + C1. Além disso, o próprio sistema Alpha Centauri AB já é conhecido por ser inóspito para planetas além de ~3 UA. Isso sugere que, se S1 + C1 for real, é improvável que existam outros planetas dentro ou exterior à zona habitável de Alpha Centauri A.

Apesar da evidência observacional de que a formação de planetas maiores que sub-Netunos é suprimida em sistemas binários com separações inferiores a 100 UA, como Alpha Centauri AB, a existência de um planeta com as propriedades de S1 + C1 não é impossível. O estudo destaca que, embora a formação de planetas maiores seja suprimida, as fases iniciais da formação planetária (formação de planetesimais e acreção) parecem permanecer eficazes. As ilhas de estabilidade perto de uma ou de ambas as estrelas em sistemas múltiplos são conhecidas.

O Futuro Brilhante da Alpha Centauri A

A tarefa mais urgente para o futuro é confirmar definitivamente a existência de S1 com uma segunda observação do JWST. Agosto de 2026 apresenta uma excelente oportunidade para recuperar S1, pois a sua separação da estrela será superior a 1,0 segundo de arco e a sua localização estará livre das fronteiras da máscara do coronógrafo. Esta confirmação é crucial, pois solidificaria a sua identidade como “Alpha Cen Ab”.

Se confirmado, este objeto seria o planeta mais próximo (1,33 pc), mais frio (aproximadamente 225 K), mais antigo (aproximadamente 5 bilhões de anos), de período mais curto (aproximadamente 2-3 anos) e de menor massa (abaixo de 200 M⊕) imagem direta em órbita de uma estrela do tipo solar até à data.

A confirmação de S1 abrirá inúmeras oportunidades para caracterização adicional com instalações futuras. Instrumentos como o NIRCam no JWST poderiam servir como uma ferramenta de diagnóstico poderosa para distinguir entre os diferentes modelos atmosféricos. O Telescópio Espacial Nancy Roman poderia detetar a luz visível refletida de um gigante gasoso. O instrumento METIS no Telescópio Europeu Extremamente Grande (EELT) seria capaz de realizar observações espectroscópicas do candidato S1, podendo até procurar mudanças de velocidade radial devido à presença de um exomoon. Além disso, medições diretas de massa seriam possíveis com monitoramento de RV adicional e astrometria diferencial com ALMA ou telescópios espaciais propostos como Toliman e SHERA. Finalmente, o proposto Observatório de Mundos Habitáveis (HWO), se equipado com capacidades adequadas de rejeição de estrelas binárias, poderia procurar planetas do tamanho da Terra no sistema Alpha Centauri A, apesar das preocupações sobre a estabilidade de órbitas além de 0,4 UA.

Em suma, as observações do JWST/MIRI de Alpha Centauri A representam um avanço notável na nossa compreensão de sistemas estelares próximos e na busca por exoplanetas. A deteção do candidato S1 + C1, juntamente com os limites sem precedentes para a poeira exozodiacal, fornece informações vitais para desafiar e refinar as teorias de formação e evolução dinâmica de planetas em sistemas binários complexos. Este é um passo emocionante na nossa jornada para descobrir e caracterizar os “mundos vizinhos” no nosso próprio quintal cósmico.

Sérgio Sacani

Formado em geofísica pelo IAG da USP, mestre em engenharia do petróleo pela UNICAMP e doutor em geociências pela UNICAMP. Sérgio está à frente do Space Today, o maior canal de notícias sobre astronomia do Brasil.

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