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Luna-27 A Missão Lunar Mais Resilente da História

Será que a Rússia, depois de tudo que já aconteceu, ainda tem planos de enviar sondas para a Lua? Existe uma missão, considerada uma das mais mais intrigantes e resilientes da Rússia para a Lua: a Luna-Resurs, também conhecida como Luna-27. Esta não é apenas uma missão, mas uma saga complexa de ambição científica, parcerias internacionais e desafios geopolíticos que moldaram e continuam a moldar o futuro da exploração lunar. Nosso objetivo hoje é mergulhar profundamente nos detalhes fornecidos pelos nossos bastidores mais confiáveis, desvendando a história, os objetivos e as inovações tecnológicas que fazem da Luna-Resurs um projeto de destaque no cenário espacial.

A Genêse Turbulenta da Luna-Resurs: Um Legado de Resiliência

A história da Luna-Resurs não começa em um vazio; ela emerge diretamente das cinzas de um revés significativo na exploração espacial russa. Após o infeliz fiasco do lançamento da missão Phobos-Grunt em 2011, todos os projetos de exploração planetária e científica na Rússia enfrentaram um futuro incerto. Em meio a esse ambiente de reavaliação, as missões Luna-Resurs e Luna-Glob, que antes visavam novos horizontes lunares, viram-se adiadas, sem expectativas de lançamento antes de 2016 ou 2017. Fontes não oficiais indicavam que ambos os projetos foram revertidos para uma fase experimental, exigindo uma nova e significativa redesenho de suas missões.

Originalmente, o componente de pouso da então missão Luna-Glob foi reagendado para voar em 2017 sob o novo nome de Luna-Resurs. Essa reformulação prometia uma nave espacial com maior capacidade de carga útil do que sua predecessora, a Luna-Glob-1 (prevista para 2015). Além disso, a Luna-Resurs foi concebida para apresentar um trem de pouso aprimorado, carregar mais propelente e uma maior variedade de instrumentos científicos, refletindo uma evolução ambiciosa em suas capacidades. A nave espacial, com um peso de 2.200 quilogramas, era esperada para ser uma plataforma robusta para a exploração lunar.

As Ondas da Cooperação Internacional e Seus Desafios

Desde o início, a Luna-Resurs foi pensada como um empreendimento colaborativo, embora as parcerias tenham sido tão voláteis quanto as datas de lançamento. Inicialmente, o projeto Luna-Resurs foi reconfigurado para a cooperação com a Agência Espacial Europeia (ESA), em vez da Índia, na década de 2010.

Entretanto, antes da plena formalização da parceria europeia, a Índia, através de sua Agência Espacial Indiana, anunciou em abril de 2012 que a Luna-Resurs não voaria até que seu foguete GSLV registrasse duas missões bem-sucedidas, começando em setembro-outubro de 2012. A Luna-Resurs estava prevista para potencialmente entregar um pequeno rover construído na Índia, pesando cerca de 15 quilogramas, como parte de sua carga útil científica de 200 quilogramas. Embora seu papel fosse “principalmente político”, esperava-se que a pequena máquina transportasse até dois quilogramas de equipamentos científicos. Este rover teria a capacidade de coletar amostras de solo a dezenas de metros de distância e levá-las de volta ao módulo de pouso para análise por instrumentos a bordo. Câmeras a bordo tanto do rover quanto do módulo de pouso monitorariam constantemente as operações de ambos os veículos.

No entanto, a cooperação com a Índia esfriou consideravelmente. Após a perda do Phobos-Grunt e o adiamento dos planos lunares, a Índia suspendeu essencialmente sua participação no programa. Como resultado, até o final de 2013, a NPO Lavochkin, a principal desenvolvedora da missão, considerou a possibilidade de substituir o rover indiano por um veículo móvel relativamente mais simples, possivelmente desenvolvido por estudantes da Bauman MGTU, uma das principais escolas de formação de quadros para a indústria de foguetes e espaço russa. Esse rover poderia ter a tarefa de imageamento e entrega de amostras de solo durante a missão.

A atenção então se voltou para a Europa, e a ESA tornou-se o parceiro internacional central. A Luna-Resurs foi projetada para potencialmente carregar um sistema europeu de navegação óptica e de prevenção de perigos. Mais crucialmente, a parte mais importante do equipamento científico a bordo seria uma perfuraçaõ de superfície de última geração (PROSPECT), capaz de penetrar o regolito lunar a uma profundidade de até dois metros em busca de gelo lunar.

O sistema de perfuração e o equipamento de laboratório associado receberam a designação oficial de “Package for Resource Observation and in-Situ Prospecting in support of Exploration, Commercial exploitation and Transportation,” ou PROSPECT. Esse instrumento, juntamente com o sistema de navegação PILOT, estava sendo desenvolvido pela Diretoria de Exploração Humana e Robótica da ESA. A empresa italiana Leonardo liderou o desenvolvimento do sistema de perfuração, enquanto a Open University foi responsável pelo laboratório de análise química associado ao instrumento. A expectativa inicial era que o Conselho Ministerial da ESA aprovasse a participação do continente no projeto Luna-Resurs durante sua reunião no outono de 2014. Maksim Martynov, vice-designer geral da NPO Lavochkin, confirmou em outubro de 2014 que o sistema de pouso de alta precisão da sonda e sua perfuraçaõ “criogênica”, projetada para preservar as condições térmicas das amostras, teriam que ser contribuídos pela Europa. Naquela época, um acordo interagências sobre a missão entre a ESA e a Roskosmos estava em revisão governamental. Ambos os sistemas, PROSPECT e PILOT, foram submetidos à reunião do Conselho de Ministros Europeus da ESA em dezembro de 2016 e foram aprovados para desenvolvimento, solidificando a parceria.

A perfuraçaõ PROSPECT era essencial para o pacote científico e de exploração que estava sendo desenvolvido para alcançar, extrair e analisar amostras de debaixo da superfície na região polar sul da Lua. Richard Fisackerly, engenheiro de sistemas de exploração lunar, explicou a importância desta região: “Esta região é de grande interesse para pesquisadores e exploradores lunares porque o baixo ângulo do Sol acima do horizonte leva a áreas de sombra parcial ou mesmo completa. Essas áreas sombrias e os pisos de crateras permanentemente escuros, onde a luz solar nunca atinge, acredita-se que escondam gelo de água e outros voláteis congelados”. A perfuraçaõ primeiro penetraria no “regolito” congelado e então entregaria as amostras a um laboratório químico, que estava sendo desenvolvido pela Open University do Reino Unido.

O PILOT, como um sistema autônomo de navegação para pouso, também contava com a tecnologia LEIA (LIDAR para Aplicações de Imagem Extraterrestre). Desenvolvido pela equipe da Neptec UK, o LEIA seria o primeiro LIDAR da Neptec qualificado para operação em órbita terrestre alta. Ele foi projetado para ter baixa massa e volume e um alcance de 1.500 metros, sendo um componente crítico do sistema de navegação de pouso autônomo da ESA e seria integrado ao módulo de pouso. Durante a descida, haveria duas oportunidades de redirecionamento durante as quais o LIDAR direcionaria um feixe de laser pulsado para a superfície e mediria o tempo de voo da luz refletida. Isso, juntamente com o sistema de varredura que compensaria o movimento do módulo de pouso, permitiria o mapeamento 3D da área de pouso alvo, mesmo na ausência de iluminação ou sob condições de luz variáveis. O software de detecção e prevenção de perigos a bordo usaria esses dados para localizar uma área de pouso adequada no Polo Sul da Lua, evitando terreno irregular e obstáculos.

A Reviravolta Geopolítica: O Fim das Parcerias Internacionais

A teia de colaborações internacionais foi abruptamente desfeita em 13 de abril de 2022, quando a ESA anunciou o fim de sua cooperação com a Rússia nas missões Luna-25, Luna-26 e Luna-27. Essa decisão foi uma resposta direta à escalada da invasão russa na Ucrânia em 2022, deixando a Luna-Resurs sem seus parceiros internacionais. Como consequência, a ESA providenciou o voo da perfuraçaõ PROSPECT em uma missão Commercial Lunar Payload Services (CLIPS) liderada pela NASA, realocando o valioso instrumento para outro destino lunar.

Essa mudança forçou a Rússia a reavaliar a missão e buscar soluções domésticas para os componentes críticos que antes seriam fornecidos pela Europa.

O Arsenal Científico da Luna-Resurs

Mesmo com as mudanças de parceria, o cerne científico da missão Luna-Resurs permaneceu ambicioso. A missão visa identificar e caracterizar gelo de água lunar, um recurso crucial para futuras bases lunares e exploração espacial. A resolução do LEND, um instrumento existente, é de cerca de 5 a 10 quilômetros, e a distribuição do gelo pode se assemelhar a um “queijo suíço”, com muitos “buracos” provavelmente invisíveis ao sensor, conforme explicado por Basilevsky. Apesar dessa incerteza, a esperança é que a Luna-Resurs evite esses “buracos” e tenha sucesso em sua busca.

A bordo da Luna-Resurs, uma série de instrumentos científicos foi planejada, com o objetivo de fornecer uma compreensão aprofundada do ambiente lunar e da composição do regolito. A lista proposta de instrumentos para as missões de pouso lunar em 2015 e 2017, conforme 2012, incluía:

  • Rádio Farol (Radio beacon): Com 1,7 kg e localizado no convés principal do instrumento, este farol é crucial para fornecer um sinal de rádio de alta estabilidade, auxiliando na comunicação e no rastreamento preciso da sonda. Desenvolvido pelo IKI, o Instituto de Pesquisa Espacial.
  • Câmera de TV (TVRPM): Pesando 0,5 kg, esta câmera seria posicionada no braço robótico para navegação por imagem do braço, permitindo operações precisas na superfície lunar. Também desenvolvida pelo IKI.
  • LIS (Spectrometria Infravermelha): Com 1,0 kg, este instrumento no braço robótico é projetado para espectrometria infravermelha de minerais, essencial para identificar a composição mineralógica do solo lunar. Desenvolvido pelo IKI.
  • Conjunto de Análise Química (Chemical analysis suite): Um instrumento robusto de 10,4 kg no convés principal, dedicado à análise de cromatografia e espectrometria de massa de voláteis e composição química. Isso é vital para detectar água e outros compostos congelados. Uma colaboração entre IKI e a Universidade de Berna.
  • LASMA (Espectrômetro de Massa a Laser): Pesando 2,8 kg e também no convés principal, este instrumento a laser é complementar ao conjunto de análise química, fornecendo dados de composição em nível molecular. Outra colaboração entre IKI e a Universidade de Berna.
  • Espectrômetro de TV (TV spectrometer): Um pequeno instrumento de 0,5 kg no convés principal para imagens UV e ópticas de minerais com excitação UV, revelando características não visíveis em luz normal. Desenvolvido pelo IKI.
  • ADRON (Análise Ativa de Nêutrons e Raios Gama): Com 6,7 kg no convés secundário, o ADRON é crucial para a análise da composição do regolito através de métodos ativos de nêutrons e raios gama, fornecendo informações sobre os elementos presentes no solo lunar. Desenvolvido pelo IKI.
  • RAT (Medições de Rádio de Temperatura): Pesando 0,5 kg no convés secundário, o RAT medirá as temperaturas do regolito subsuperficial, um dado importante para entender as condições térmicas do ambiente lunar e a estabilidade de voláteis. Desenvolvido pelo IKI.
  • PML (Medições de Poeira e Micrometeoritos): Este instrumento de 1,5 kg no convés secundário medirá a poeira e os micrometeoritos, caracterizando o ambiente de detritos no local de pouso, o que é relevante para a segurança de futuras missões e equipamentos. Desenvolvido pelo IKI.
  • SEISMO (Medições de Atividade Sísmica): Com 1,0 kg no convés principal, o SEISMO detectará a atividade sísmica, ajudando a entender a estrutura interna da Lua e a ocorrência de “moonquakes”. Desenvolvido pelo IFZ.
  • ARIES (Luna-Resurs apenas): Um instrumento de 2,2 kg no convés principal para medições de plasma e neutros, fornecendo insights sobre a interação do vento solar e do ambiente espacial com a superfície lunar. Desenvolvido pelo IKI.
  • TV para Panorama, TV para Estéreo (TV for panorama, TV for stereo): Instrumentos leves de 0,2 kg no convés principal para imagens de TV de panoramas e da área próxima ao módulo de pouso, incluindo o rover e o braço robótico, oferecendo uma visão contextual detalhada da área de operação. Desenvolvido pelo IKI.
  • Retrorrefletor (Retro reflector): Com 0,1 kg no convés principal, este componente passivo é essencial para experimentos de libração e alcance da Lua, permitindo medições precisas da distância e do movimento da Lua. Desenvolvido pela NPO SPP.

É importante notar que alguns instrumentos, como TERMO (medições diretas de propriedades térmicas do regolito) e LINA (medições de plasma e neutros), eram exclusivos da missão Luna-Glob e não estavam na lista para Luna-Resurs.

A Linha do Tempo em Constante Mutação: Datas de Lançamento e Desenvolvimentos Recentes

A jornada da Luna-Resurs tem sido marcada por uma série de adiamentos, refletindo a complexidade do projeto e os desafios externos.

  • Inicialmente não esperada antes de 2016 ou 2017.
  • A componente de pouso foi reagendada para voar em 2017.
  • Em outubro de 2013, o lançamento da Luna-Resurs foi adiado do período de 2017-2018 para 2019.
  • Em outubro de 2014, a agência de notícias TASS citou Maksim Martynov prometendo o lançamento do módulo de pouso Luna-Resurs em 2019, embora outros relatórios no mesmo ano tenham empurrado a possível data de lançamento para 2023.
  • De acordo com pronunciamentos oficiais feitos em 2021, o lançamento da missão Luna-27 (Luna-Resurs) estava programado para 2025.

No entanto, a escalada da guerra na Ucrânia e as sanções subsequentes impuseram novos atrasos críticos. Em setembro de 2022, Igor Mitrofanov, chefe do Departamento de Planetologia Nuclear do Instituto de Pesquisa Espacial (IKI) em Moscou, admitiu que o projeto provavelmente precisaria de dois anos adicionais para a substituição de componentes importados. Em julho de 2023, Mitrofanov acrescentou que o trabalho em uma perfuraçaõ russa para substituir a original europeia estava na fase de desenvolvimento da documentação de projeto, e esforços ativos estavam em andamento para substituir outros componentes estrangeiros da missão. Naquele momento, o lançamento do módulo de pouso Luna-27 estava oficialmente programado para 2028.

Os atrasos continuaram a se acumular. Em agosto de 2025, o Diretor do IKI, Lev Zeleny, declarou que o lançamento da Luna-27A teria que ser adiado de 2028 para 2029, enquanto a Luna-27B foi empurrada para 2030. Este atraso provavelmente estava relacionado ao correspondente adiamento da missão precursora, o orbitador Luna-26.

Apesar dos adiamentos na data de lançamento, o desenvolvimento físico da sonda segue em frente. Em 4 de junho de 2025, a NPO Lavochkin anunciou ter concluído os testes de desenvolvimento do protótipo dinâmico do módulo de pouso Luna-27. Segundo a empresa, os testes simularam de perto as condições de pouso na Lua, incluindo a gravidade lunar e a imitação do solo superficial. Os testes foram conduzidos na instalação experimental concluída em 2017, mas que foi atualizada para o módulo de pouso Luna-27 durante 2024. Fotos que acompanhavam o anúncio, datadas de 15 de maio de 2025, mostravam o módulo de pouso esquelético em um simulador inclinado da superfície lunar após um aparente teste de queda. A Lavochkin afirmou que este trabalho seria concluído “em um futuro próximo” com a análise dos dados coletados durante o teste. Embora o anúncio não reconfirmasse a data de lançamento da Luna-27, ele indicou que o projeto Luna-Resurs-1 havia sido incluído no Projeto Federal Nauka, então ainda em desenvolvimento para o período de 2026 a 2035.

O Futuro da Luna-Resurs: Uma Missão de Descoberta e Perseverança

A Luna-Resurs (Luna-27) é mais do que apenas uma sonda; é um testemunho da perseverança humana na busca por conhecimento e da complexidade de empreendimentos espaciais de grande escala. A missão representa um esforço contínuo da Rússia para reestabelecer sua presença na Lua, com um foco particular em um dos recursos mais cruciais para a futura exploração: a água lunar. A capacidade de operar na superfície por pelo menos um ano sublinha a ambição de uma missão de longa duração e alto impacto científico.

A busca por gelo de água no polo sul da Lua, a perfuração de dois metros de profundidade no regolito, e a análise in situ dos materiais lunares são objetivos que prometem revolucionar nossa compreensão da formação e evolução da Lua, bem como abrir portas para o uso de recursos lunares por futuras missões tripuladas. Apesar dos desafios impostos pelas mudanças de parcerias e pelos atrasos na linha do tempo, a persistência na substituição de componentes importados por alternativas domésticas demonstra um compromisso inabalável com o sucesso da Luna-27.

À medida que o trabalho no projeto Luna-Resurs-1 continua sob a égide do Projeto Federal Nauka, o mundo da astronomia e da exploração espacial aguarda com expectativa os próximos capítulos desta fascinante história. Os testes de queda do protótipo e o trabalho contínuo nos componentes de substituição são marcos importantes, indicando que a missão, apesar de sua tortuosa jornada, está firmemente no caminho para o lançamento.

O lançamento da Luna-Resurs não será apenas um momento técnico, mas um marco científico e um símbolo de resiliência. Quando, finalmente, o módulo de pouso Luna-27 tocar o regolito lunar, ele levará consigo não apenas instrumentos de ponta, mas a esperança de desvendar segredos sobre a água na Lua, um recurso que pode ser a chave para o futuro da humanidade no espaço. Continuaremos a acompanhar de perto, com a certeza de que cada passo da Luna-Resurs nos aproxima de uma compreensão mais profunda do nosso vizinho celestial. O cosmos aguarda, e a Luna-Resurs está a caminho.

Sérgio Sacani

Formado em geofísica pelo IAG da USP, mestre em engenharia do petróleo pela UNICAMP e doutor em geociências pela UNICAMP. Sérgio está à frente do Space Today, o maior canal de notícias sobre astronomia do Brasil.

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