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Detectado O Buraco Negro Com 36 Bilhões de Vezes A Massa do Sol

Astrônomos medem um buraco negro de 36 bilhões de massas solares no sistema Cosmic Horseshoe usando lente gravitacional e dinâmica estelar

Introdução

Os buracos negros, regiões do espaço‑tempo tão densas que nem mesmo a luz consegue escapar, tornaram‑se objetos de fascínio tanto para cientistas quanto para o público. Desde a identificação do primeiro candidato a buraco negro em 1964, conhecido como Cygnus X‑1, astrônomos vêm descobrindo objetos cada vez mais massivos. Supermassivos buracos negros (SMBHs), com milhões ou bilhões de massas solares, residem no coração de galáxias como a Via Láctea. No entanto, novas observações indicam que o Universo abriga estruturas ainda mais extremas. Em uma pesquisa publicada recentemente nos Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, uma equipe internacional detectou o que pode ser o maior buraco negro já observado. Localizado no sistema de lente gravitacional Cosmic Horseshoe, esse monstro cósmico possui cerca de 36 bilhões de massas solares, aproximadamente 10 mil vezes mais massivo que o buraco negro no centro da Via Láctea. A descoberta, apoiada em uma técnica inovadora que combina lente gravitacional e dinâmica estelar, marca um marco na astronomia.

A detecção desse “ultramassivo” buraco negro (UMBH) foi possível graças à distorção da luz de uma galáxia de fundo pelo campo gravitacional de uma galáxia em primeiro plano. O fenômeno, conhecido como lente gravitacional, forma um anel de Einstein quase completo no céu, conhecido como Cosmic Horseshoe, a cerca de 5 bilhões de anos‑luz da Terra. Este anel não apenas revela a presença de um objeto extremamente massivo, mas também amplia a luz da galáxia distante, permitindo medições detalhadas. Utilizando imagens de alta resolução do Telescópio Espacial Hubble (HST) e dados de espectroscopia integral de campo do instrumento MUSE, no Very Large Telescope (VLT), os pesquisadores analisaram tanto a curvatura da luz quanto os movimentos das estrelas para derivar a massa do buraco negro com significância estatística de 5 sigma. Na introdução a seguir, exploraremos como essa descoberta se encaixa na história da astronomia de buracos negros e por que ela tem implicações profundas para a compreensão da evolução de galáxias e de suas misteriosas companheiras escuras.

Um gigante à beira do limite teórico

De acordo com as teorias atuais, existe um limite superior para a massa de um buraco negro que pode se formar a partir do colapso de matéria convencional. O valor de 36 bilhões de massas solares encontrado para o buraco negro do Cosmic Horseshoe se aproxima desse limite. As estimativas indicam que este buraco negro é 10 mil vezes mais pesado que o Sagittarius A* (Sgr A*), SMBH situado no centro da Via Láctea. Enquanto Sgr A* tem cerca de 4,3 milhões de massas solares, o novo UMBH atinge uma ordem de grandeza comparável ao de quasares luminosos do início do Universo. Esse valor coloca o objeto no topo da lista dos dez buracos negros mais massivos já detectados, embora ainda exista debate sobre qual detecção é a maior, devido às incertezas inerentes às diversas técnicas de medição.

O sistema Cosmic Horseshoe foi identificado inicialmente como uma das lentes gravitacionais mais impressionantes do céu, com uma estrutura em forma de ferradura quase completa. A massa e a geometria da galáxia lente fazem com que a luz de uma galáxia azul mais distante seja distorcida, formando um anel de Einstein. As imagens obtidas pelo HST revelam a ferradura como um arco luminoso azul que contorna uma galáxia laranja em primeiro plano. A equipe liderada por Carlos Melo‑Carneiro, doutorando da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) no Brasil, reconheceu que a curvatura extrema da luz e a presença de um arco radial próximo ao centro poderiam esconder um gigante invisível.

A técnica de combinação: lente gravitacional e dinâmica estelar

Determinar a massa de buracos negros distantes é desafiador. Para galáxias próximas, os astrônomos medem as velocidades das estrelas em órbita ao redor do buraco negro, o que fornece uma estimativa direta de sua massa. No entanto, essa técnica, conhecida como dinâmica estelar, se torna impraticável para objetos a bilhões de anos‑luz, já que as estrelas individuais não podem ser resolvidas. Em sistemas distantes, muitas medições dependem da emissão de energia quando o buraco negro está ativo e alimentado por um disco de acreção; os chamados núcleos ativos de galáxias (AGN) ou quasares emitem radiação intensa em raios X e outras bandas, permitindo estimativas indiretas de massa. No entanto, tais métodos apresentam grandes incertezas.

O caso do Cosmic Horseshoe é especial: o buraco negro está dormente, ou seja, não está emitindo radiação significativa no momento da observação. Mesmo assim, sua presença é detectável através do efeito gravitacional tanto na luz quanto nas estrelas circundantes. A equipe de pesquisa aplicou uma metodologia inovadora combinando lente gravitacional forte e dinâmica estelar. A lente gravitacional fornece informações sobre a distribuição de massa ao medir como a luz da galáxia de fundo é distorcida; a geometria do anel de Einstein e o chamado arco radial exigem uma enorme concentração de massa no centro da galáxia. Ao mesmo tempo, dados do instrumento MUSE permitiram mapear o movimento das estrelas no interior da galáxia, revelando que elas se movem a velocidades superiores a 400 km/s. Quando esses dois conjuntos de dados são combinados, a massa do buraco negro se destaca como única solução para satisfazer ambos os efeitos, fornecendo uma medida robusta e direta.

O pesquisador Thomas Collett, da Universidade de Portsmouth, destacou que a maioria das medições de massas de buracos negros distantes baseia‑se em métodos indiretos com grandes incertezas, enquanto a combinação de lente e dinâmica proporciona maior confiança. Ele observou ainda que, graças à dupla abordagem, “podemos ter absoluta certeza de que o buraco negro é real”.

Revelando um buraco negro dormente

A presença do UMBH foi identificada mesmo sem sinais de atividade de acreção. Isso se deve ao fato de que a lente gravitacional amplifica a luz e produz imagens múltiplas da galáxia de fundo. Uma delas, um arco radial, passa muito perto do centro da galáxia lente, sensível a qualquer massa concentrada no interior. A análise cuidadosa da forma e do brilho desse arco revelou a assinatura do buraco negro. Carlos Melo explicou que a descoberta foi feita para um buraco negro “dormente – que não está ativamente acrecionando material no momento da observação; sua detecção baseou‑se unicamente em sua imensa atração gravitacional e no efeito que exerce em seu entorno”. Essa capacidade de detectar buracos negros invisíveis abre novas possibilidades para estudar populações inteiras de UMBHs que permanecem silenciosas, sem os jatos de quasares que costumam denunciá‑los.

O contexto cosmológico: 5 bilhões de anos‑luz e uma história de fusões

O sistema Cosmic Horseshoe está a aproximadamente 5 bilhões de anos‑luz de distância. No redshift correspondente (z≈0,44), o Universo tinha cerca de 8 bilhões de anos, ou seja, observa‑se o objeto como era há quase 4,8 bilhões de anos atrás. Os autores sugerem que a galáxia lente pertence a um grupo fóssil, termo usado para descrever aglomerados de galáxias onde as galáxias menores foram incorporadas à galáxia central ao longo de bilhões de anos, deixando poucos companheiros brilhantes. Esse cenário implica que os buracos negros centrais das galáxias companheiras podem ter se fundido gradualmente com o buraco negro principal, resultando em um UMBH extraordinariamente grande. Thomas Collett afirmou que a observação captura “o estágio final da formação de galáxias e o estágio final da formação de buracos negros”.

Além disso, a presença desse UMBH desafia a chamada relação M‑σ, que associa a massa do buraco negro à dispersão de velocidades das estrelas na região central da galáxia. Observações anteriores mostraram que buracos negros massivos seguem uma correlação estreita com a dinâmica das estrelas; no entanto, o UMBH do Cosmic Horseshoe parece ser mais massivo do que o esperado para a dispersão de velocidades medida. Os autores sugerem que os objetos mais massivos podem seguir uma evolução diferente, refletindo caminhos distintos de formação e fusão para galáxias gigantes. Essa discrepância pode exigir ajustes nas teorias que relacionam a evolução de SMBHs e de suas galáxias hospedeiras.

Comparação com outras detecções e implicações para a lista dos “mais pesados”

Embora manchetes costumem proclamar o “maior buraco negro de todos os tempos”, os cientistas são cautelosos ao comparar detecções. Buracos negros ativos medidos por radiação podem exceder 40 bilhões de massas solares, mas as estimativas dependem de parâmetros do disco de acreção e da intensidade de jatos, que podem variar com o tempo. Por isso, a equipe ressalta que o objeto do Cosmic Horseshoe se destaca principalmente por ter uma medição direta com menor margem de erro. A incerteza estatística do método combinado é de aproximadamente 0,07 a 0,08 dex (cerca de 15 %), valor consideravelmente menor que o de técnicas indiretas usadas para quasares distantes.

Para contextualizar, outros candidatos a UMBH incluem o buraco negro da galáxia central do aglomerado Phoenix, estimado em cerca de 20 bilhões de massas solares, e o quasar TON 618, cuja massa poderia ultrapassar 60 bilhões de massas solares. Contudo, tais estimativas são baseadas principalmente em luminosidade e velocidade do gás em torno do buraco negro; a nova detecção se diferencia por combinar observação geometria da luz e cinemática das estrelas. Assim, mesmo que a lista dos mais massivos continue em evolução, a descoberta do Cosmic Horseshoe mostra que buracos negros dormentes gigantes existem e podem ser medidos com precisão, expandindo o inventário de SMBHs de grande massa.

Da Via Láctea aos quasares: uma evolução ligada ao crescimento de galáxias

A maioria das galáxias, incluindo a Via Láctea, possui buracos negros supermassivos em seus centros. Observações de estrelas orbitando Sgr A* permitiram estimar sua massa em cerca de 4,3 milhões de massas solares. Em galáxias maiores, como Andrômeda, as massas podem chegar a centenas de milhões de massas solares. Existem evidências de que o crescimento da galáxia e do buraco negro estão relacionados; quando galáxias se fundem, elas canalizam gás para o núcleo, alimentando o buraco negro e desencadeando episódios de emissão intensa, conhecidos como quasares. Essa energia liberada por jatos e vento pode impedir a formação de novas estrelas, regulando o ritmo de crescimento da galáxia.

No caso do Cosmic Horseshoe, os pesquisadores acreditam que a formação por meio de sucessivas fusões de galáxias menores levou a um buraco negro cujo crescimento foi alimentado por um processo de “canibalismo” de SMBHs. O resultado é um objeto de 36 bilhões de massas solares que permanece atualmente inativo, indicando que o ciclo de alimentação parou ou está em uma fase de baixa atividade. Essa característica levanta questões sobre como a alimentação de buracos negros evolui ao longo do tempo e como sistemas fósseis alcançam tais massas extremas.

O papel da lente gravitacional e a estrutura da Cosmic Horseshoe

Uma lente gravitacional ocorre quando a luz de um objeto distante passa perto de uma concentração massiva, como uma galáxia ou um aglomerado de galáxias. A gravidade curva a trajetória da luz, produzindo múltiplas imagens, anéis ou arcos. Quando o alinhamento é quase perfeito, forma‑se um anel de Einstein. O Cosmic Horseshoe é um exemplo impressionante, pois apresenta um anel quase completo, indicativo de um alinhamento especial entre a galáxia de fundo, a lente massiva e o observador. Além do anel principal, os dados do HST revelaram um segundo par de imagens de outra galáxia de fundo, gerando um arco radial. Esse arco aparece muito próximo ao centro da lente e é extremamente sensível à distribuição de massa central, tornando‑se essencial para detectar o buraco negro.

Os modelos de lente combinam parâmetros como massa total da galáxia, forma do halo de matéria escura e contribuição do buraco negro central. Os pesquisadores utilizaram um modelo de densidade elíptica com núcleo para a galáxia e um termo pontual representando o buraco negro. Ajustando os modelos aos dados do HST e do MUSE por meio de métodos bayesianos, calcularam uma massa de log10(M/M☉) ≈ 10,56 com incerteza estatística de ±0,08 dex. A análise também fornece evidências de que o UMBH está aproximadamente 1,5 sigma acima da relação M‑σ, reforçando a ideia de que galáxias extremamente massivas podem seguir uma correlação diferente.

Significado de 5 sigma e robustez da descoberta

A frase “5 sigma” refere‑se à significância estatística usada em ciências físicas para indicar a probabilidade de um resultado ser fruto do acaso. Um nível de 5 sigma corresponde a uma probabilidade de erro de cerca de 1 em 3,5 milhões. No estudo do Cosmic Horseshoe, a diferença entre modelos com e sem buraco negro central mostra uma preferência de 5 sigma pelo modelo com UMBH, fornecendo alta confiança na detecção. Essa robustez se deve à combinação de duas medidas independentes: o desvio da luz observado na lente gravitacional e a dispersão de velocidades estelares. Mesmo se uma das medições fosse imprecisa, a outra confirmaria a existência de uma grande massa concentrada, reduzindo a probabilidade de erro.

Quais instrumentos foram usados?

A pesquisa tirou proveito de alguns dos instrumentos mais avançados da astronomia moderna:

  • Telescópio Espacial Hubble (HST) – Proporcionou imagens de alta resolução do anel de Einstein e do arco radial no Cosmic Horseshoe, permitindo mapear a distribuição de luz e identificar múltiplas imagens da galáxia de fundo.
  • MUSE (Multi Unit Spectroscopic Explorer) – Um espectrógrafo de campo integral no VLT, no Chile. O MUSE captura um espectro completo em cada ponto da imagem, permitindo medir a velocidade e a dispersão de velocidades das estrelas em diferentes regiões da galáxia. Esses dados são essenciais para a componente de dinâmica estelar do método.
  • Modelagem bayesiana – Utilizando códigos como o Lenstronomy e algoritmos de Monte Carlo, os pesquisadores ajustaram modelos de lente e de dinâmica às observações. Essa abordagem estatística permitiu estimar a massa do buraco negro e avaliar as incertezas.

Comparando métodos: por que essa abordagem é inovadora?

Tradicionalmente, os astrônomos medem massas de SMBHs via observações de estrelas (dinâmica estelar), de gás (dinâmica de gás) ou de emissão de quasares. Cada técnica tem limitações: a dinâmica de estrelas necessita de resolução espacial elevada, restrita a galáxias próximas; a dinâmica de gás pode ser afetada por turbulência e outras forças além da gravidade; e a luminosidade de quasares fornece estimativas indiretas dependentes de modelos de acreção. Ao combinar lente gravitacional e dinâmica estelar, os pesquisadores transcenderam essas limitações. A lente amplia a região central, enquanto a dinâmica estelar fornece informações locais sobre a velocidade das estrelas. Assim, tornou‑se possível pesar um buraco negro dormente a bilhões de anos‑luz de distância com precisão sem precedentes.

Descobertas incidentais e ligação com matéria escura

A descoberta do UMBH no Cosmic Horseshoe aconteceu quase por acaso. Os pesquisadores inicialmente estudavam a distribuição de matéria escura na galáxia lente. Ao ajustarem modelos para explicar a forma do anel e do arco radial, perceberam que uma distribuição de matéria escura sozinha não era suficiente para reproduzir as observações; era necessário incluir um termo pontual maciço, correspondente a um buraco negro de dezenas de bilhões de massas solares. Esse achado ressalta a utilidade de lentes gravitacionais para investigar não apenas galáxias de fundo, mas também a estrutura interna de galáxias massivas e sua composição de matéria escura.

Fusão futura da Via Láctea e da Andrômeda e implicações para Sgr A*

O estudo do Cosmic Horseshoe também proporciona um vislumbre do futuro da Via Láctea. Nossa galáxia e a vizinha Andrômeda estão em rota de colisão e devem se fundir em aproximadamente 4,5 bilhões de anos. Quando essa fusão ocorrer, é provável que os buracos negros centrais das duas galáxias se aproximem e eventualmente se fundam, formando um buraco negro mais massivo. Os autores sugerem que, durante a fusão, o buraco negro resultante pode experimentar episódios de acreção intensa, transformando‑se temporariamente em um quasar e despejando enormes quantidades de energia que poderão influenciar a formação de novas estrelas. Essa perspectiva aproxima o fenômeno exótico observado no Cosmic Horseshoe do destino futuro de nosso próprio lar galáctico.

Perspectivas com futuras missões e telescópios

O artigo ressalta que o UMBH foi identificado graças à presença de um arco radial raro no Cosmic Horseshoe. Os pesquisadores observam que telescópios futuros, como o Euclid, da Agência Espacial Europeia, e o Extremely Large Telescope (ELT), deverão multiplicar o número de lentes gravitacionais conhecidas com arcos radiais. O Euclid, lançado em 2023, conduzirá um levantamento profundo para mapear a distribuição de matéria escura e energia escura, devendo descobrir centenas de milhares de lentes gravitacionais em cinco anos. O ELT, por sua vez, terá capacidade para observar detalhes minuciosos de galáxias distantes, permitindo estudos dinâmicos detalhados. A combinação de lentes gravitacionais e observações dinâmicas proporcionará amostras sem precedentes de galáxias a diferentes redshifts, oferecendo “informações empolgantes sobre populações estelares, halos de matéria escura e SMBHs”.

Implicações científicas

  1. Evolução das galáxias e coevolução com seus buracos negros – A detecção confirma que UMBHs podem existir em galáxias evoluídas e aparentemente inativas. A relação entre a massa do buraco negro e a dispersão de velocidades das estrelas pode não ser universal; objetos extremamente massivos podem seguir trajetórias evolutivas diferentes, possivelmente devido a fusões repetidas em grupos fósseis. Essa constatação obriga os astrônomos a refinarem modelos de coevolução de galáxias e SMBHs.
  2. Métodos de detecção de buracos negros dormentes – A nova abordagem demonstra que é possível medir a massa de buracos negros silenciosos combinando observações de lente gravitacional e dinâmica estelar. Esse método poderá revelar uma população oculta de UMBHs que não emitem radiação significativa, permitindo estudar a estatística de buracos negros massivos sem viés por atividade de acreção.
  3. Desenvolvimento das lentes gravitacionais como laboratórios naturais – O Cosmic Horseshoe mostra que lentes gravitacionais não apenas ampliam galáxias distantes, mas também funcionam como balanças cósmicas, sensíveis à distribuição de massa no centro de galáxias massivas. A observação de arcos radiais é rara, mas telescópios como Euclid e ELT deverão ampliar a amostra, melhorando a estatística e permitindo testes rigorosos das previsões da teoria da relatividade geral em escalas extragalácticas.
  4. Ligação com matéria escura e estrutura de halos – Ao modelar a distribuição de massa na lente, os pesquisadores também extraem informações sobre o halo de matéria escura da galáxia. O ajuste dos modelos sugere que halos de galáxias massivas em grupos fósseis podem ser mais concentrados que o esperado, possivelmente devido ao colapso precoce e às fusões. Essas medições ajudam a confrontar as predições de modelos de matéria escura fria e alternativas.
  5. Feedback de quasares e regulação da formação estelar – As observações reforçam a ideia de que quasares, alimentados por buracos negros em crescimento, liberam energia que aquece ou expulsa o gás interestelar, inibindo a formação de novas estrelas e determinando o tamanho final das galáxias. No entanto, o Cosmic Horseshoe está atualmente inativo, sugerindo que a fase de feedback já ocorreu e que a galáxia entrou em um estado final de evolução.
  6. Vislumbres do futuro da Via Láctea – A fusão prevista entre a Via Láctea e Andrômeda pode produzir um sistema semelhante ao Cosmic Horseshoe, em que o buraco negro resultante se torna ultramassivo. Estudar esses objetos nos fornece um modelo para o que poderá acontecer em nosso futuro galáctico.

Conclusão

A detecção do buraco negro de 36 bilhões de massas solares no sistema de lente gravitacional Cosmic Horseshoe representa um avanço notável na astronomia moderna. Ao combinar lente gravitacional e dinâmica estelar, os pesquisadores conseguiram medir, com grande precisão, a massa de um buraco negro dormente a bilhões de anos‑luz de distância. O objeto não apenas atinge o topo da lista dos buracos negros mais massivos já detectados, mas também desafia as correlações estabelecidas entre a massa do buraco negro e as propriedades de sua galáxia hospedeira.

O estudo, liderado por Carlos Melo e Thomas Collett, mostra que buracos negros ultramassivos podem residir em galáxias fósseis, resultado de sucessivas fusões de galáxias e SMBHs menores. Além disso, confirma que métodos baseados apenas em luminosidade subestimam ou superestimam massas quando os objetos não estão ativamente acrecionando. Com a chegada de missões como Euclid e telescópios de nova geração, espera‑se a descoberta de centenas de lentes semelhantes, revelando uma população oculta de UMBHs e fornecendo dados cruciais para compreender a formação de estruturas no Universo.

Por fim, essa descoberta serve como um lembrete de que os maiores mistérios do cosmos ainda estão escondidos e de que a combinação de técnicas de observação e modelagem estatística abre novas janelas para explorá‑los. O estudo do Cosmic Horseshoe não apenas amplia nossos horizontes, mas também oferece pistas sobre o destino de nossa própria galáxia, ilustrando como o Universo evolui em escalas de bilhões de anos.

Sérgio Sacani

Formado em geofísica pelo IAG da USP, mestre em engenharia do petróleo pela UNICAMP e doutor em geociências pela UNICAMP. Sérgio está à frente do Space Today, o maior canal de notícias sobre astronomia do Brasil.

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