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23 de dezembro de 2024

Partículas Emaranhadas Podem Se Comunicar Mais Rápido Que A Luz?

O emaranhamento quântico é, sem dúvida, uma das facetas mais intrigantes e desconcertantes da mecânica quântica, desafiando nossa intuição sobre a natureza da realidade e a comunicação entre partículas subatômicas. Este fenômeno peculiar sugere que partículas podem estar conectadas de tal maneira que, independentemente da distância que as separa, uma mudança no estado de uma partícula instantaneamente afeta a outra. Essa conexão aparentemente transcende limitações impostas pela teoria da relatividade, que estipula que nada pode viajar mais rápido do que a luz. Esse paradoxo desafia nossa compreensão convencional do espaço-tempo e levanta questões fundamentais sobre a natureza da informação no universo quântico.

À primeira vista, o emaranhamento quântico parece oferecer um caminho para a comunicação instantânea através de vastas distâncias, o que seria uma violação direta do limite de velocidade cósmica estabelecido por Einstein. No entanto, a realidade é mais sutil e complexa. O que parece ser uma comunicação mais rápida que a luz é, na verdade, um fenômeno que não envolve a transmissão de informação de maneira tradicional. Em vez disso, o emaranhamento estabelece uma correlação entre as partículas que só pode ser revelada por meio de medições subsequentes e trocas de informações clássicas.

O conceito de emaranhamento quântico surgiu como uma consequência das teorias formuladas por físicos pioneiros no início do século XX, como Albert Einstein, Boris Podolsky e Nathan Rosen, que destacaram em seu famoso paradoxo EPR (Einstein-Podolsky-Rosen) a aparente “ação fantasmagórica à distância”. Este paradoxo foi uma tentativa de demonstrar que a mecânica quântica, como era compreendida na época, poderia estar incompleta. No entanto, experimentos subsequentes, como os conduzidos por Alain Aspect na década de 1980, confirmaram que o emaranhamento quântico é uma característica real e fundamental da natureza.

Compreender o emaranhamento quântico, portanto, não apenas desafia nossa percepção do que significa compartilhar informações entre partículas, mas também nos obriga a reconsiderar as bases de nossa compreensão do universo. À medida que adentramos mais profundamente na era quântica, a exploração dos mistérios do emaranhamento continua a oferecer insights valiosos que podem revolucionar áreas como criptografia quântica, computação quântica e até mesmo a compreensão da realidade subjacente do cosmos.

Natureza dos Estados Quânticos e Emaranhamento

Na complexa arena da mecânica quântica, uma das características mais intrigantes e contraintuitivas das partículas subatômicas é sua descrição probabilística. Ao contrário das concepções clássicas que retratam as partículas como entidades discretas e localizadas, a mecânica quântica nos apresenta uma realidade onde as partículas são, na verdade, nuvens de probabilidades, conhecidas como estados quânticos. Estes estados quânticos são descrições matemáticas que representam todas as possíveis posições e propriedades que uma partícula poderia ter até que uma medição seja realizada, momento em que a função de onda “colapsa” para um estado definido.

O conceito de emaranhamento quântico surge quando duas ou mais partículas são conectadas de tal maneira que um único conjunto de equações matemáticas é necessário para descrever seus estados combinados. Este fenômeno ocorre independentemente da distância que separa as partículas, permitindo que suas propriedades permaneçam correlacionadas. Quando partículas estão emaranhadas, as probabilidades associadas a cada partícula se tornam interdependentes, formando um sistema quântico unificado.

O emaranhamento quântico pode ser visualizado como uma intrincada dança coreografada onde, embora os dançarinos se movam em locais separados, seus passos estão perfeitamente sincronizados por uma partitura comum. Este fenômeno é uma manifestação direta do princípio de não-localidade da mecânica quântica, que desafia a intuição clássica e sugere que as partículas podem influenciar umas às outras de maneira profundamente interconectada, sem interação física direta através do espaço-tempo convencional.

Para ilustrar, considere dois elétrons com spins correlacionados através de um processo de emaranhamento. O spin é uma propriedade quântica intrínseca que pode ser comparada ao comportamento de um pião girando, podendo estar em um estado de “spin para cima” ou “spin para baixo”. Quando dois elétrons são emaranhados de tal forma que seus spins são opostos, a medição do spin de um elétron imediatamente define o spin do outro. Assim, se o spin do primeiro elétron for medido como “para cima”, o spin do segundo, mesmo a anos-luz de distância, será, sem dúvida, “para baixo”.

Esta correlação instantânea entre partículas emaranhadas ilustra a profunda interconexão dos estados quânticos, desafiando a separação espacial e temporal. Contudo, apesar desse vínculo fascinante, a natureza dos estados quânticos implica que a informação não é transmitida entre as partículas de maneira clássica, preservando a causalidade e respeitando os limites impostos pela teoria da relatividade de Einstein.

Exemplo de Emaranhamento: O Caso do Spin Quântico

Para ilustrar o fenômeno do emaranhamento quântico, podemos explorar o exemplo do spin quântico, uma propriedade intrínseca de partículas subatômicas como os elétrons. O spin, uma característica fundamental que não possui análogo direto no mundo macroscópico, pode ser visualizado como uma espécie de “rotação” da partícula em torno de si mesma. No entanto, essa rotação é puramente quântica e não deve ser entendida como um movimento físico no espaço. Em termos de medição, o spin pode assumir um de dois estados possíveis: “para cima” ou “para baixo”.

Quando duas partículas, como elétrons, são colocadas em um estado emaranhado, seus spins tornam-se correlacionados de tal maneira que a medição do spin de uma partícula determina instantaneamente o estado do spin da outra. Por exemplo, se preparamos um par de elétrons em um estado emaranhado de forma que seus spins são sempre opostos, ao medir o spin do primeiro elétron e descobrir que ele está “para cima”, sabemos automaticamente que o segundo elétron deve estar “para baixo”. Essa correlação é perfeita e infalível, desde que o sistema permaneça emaranhado.

Esse fenômeno desafia nossa intuição clássica, pois sugere que uma mudança no estado medido de uma partícula afeta instantaneamente o estado da outra, independentemente da distância que as separa. Se o segundo elétron estivesse localizado em uma região distante do universo, a medição do primeiro ainda nos forneceria informações precisas e imediatas sobre o estado do segundo, sem qualquer atraso perceptível.

No entanto, é crucial entender que, embora a medição de uma partícula emaranhada revele informações sobre sua parceira, isso não constitui uma forma de comunicação no sentido tradicional. A informação sobre o estado do segundo elétron não é transmitida através do espaço; em vez disso, a correlação já está embutida no emaranhamento inicial dos estados quânticos. Assim, o que parece ser uma comunicação instantânea é, na verdade, uma manifestação das propriedades entrelaçadas dos estados quânticos dessas partículas.

Este exemplo do spin quântico representa não apenas a beleza intrínseca do emaranhamento, mas também os desafios conceituais que ele apresenta para a nossa compreensão do universo. É uma ilustração poderosa de como a mecânica quântica redefine nosso entendimento de causalidade e conexão em escala subatômica, exigindo que reconsideremos as noções convencionais de separação e comunicação.

Resolução do Paradoxo da Comunicação Mais Rápida que a Luz

Uma das características mais enigmáticas do emaranhamento quântico é a aparente capacidade das partículas emaranhadas de “se comunicarem” instantaneamente, mesmo que estejam separadas por distâncias cósmicas. Essa característica gera um paradoxo fascinante em relação à teoria da relatividade de Einstein, que estabelece que nenhuma informação pode viajar mais rápido que a luz. No entanto, a solução para esse dilema repousa na compreensão detalhada do que realmente ocorre durante o processo de medição quântica e como a informação é, de fato, acessada e compartilhada.

Quando duas partículas estão emaranhadas, suas propriedades quânticas são correlacionadas de tal maneira que a medição de uma partícula define instantaneamente o estado da outra. Todavia, é crucial entender que essa “comunicação” não é uma transmissão de informação no sentido clássico. A medição do estado de uma partícula não implica que a outra partícula envie uma mensagem para ajustar seu estado. Na realidade, ambas já estão em um estado correlacionado desde o momento do emaranhamento, e a medição apenas revela essa correlação preexistente.

Para ilustrar melhor, imagine que eu sou responsável por medir a partícula A, enquanto um colega distante mede a partícula B. No instante em que eu realizo a medição de A, eu descubro o estado de B, mas essa descoberta é interna e não é comunicada instantaneamente a meu colega. Para que ele saiba o resultado da medida de B, ele precisa realizar sua própria medição local ou aguardar que eu transmita a informação, utilizando métodos de comunicação convencionais, como sinais de rádio ou luz, os quais são limitados pela velocidade da luz.

Assim, embora as partículas emaranhadas exibam comportamentos que podem parecer violar a relatividade, a revelação desses estados não o faz. A informação que nós, como observadores, obtemos sobre o sistema emaranhado precisa ser comunicada de maneira tradicional. Portanto, a realidade do emaranhamento quântico não oferece um meio de comunicação mais rápida que a luz, mas sim um intrigante fenômeno que nos desafia a repensar nossas noções de causalidade e conexão no universo.

Em última análise, o emaranhamento quântico nos proporciona uma janela para as sutilezas da mecânica quântica, levando-nos a reconsiderar o conceito de separação e independência entre partículas. Este fenômeno permanece como um dos pilares da física moderna, estimulando tanto o avanço teórico quanto o desenvolvimento de tecnologias emergentes, como a computação quântica e criptografia quântica, que prometem revolucionar a forma como manipulamos e protegemos informações.

Fonte:

https://www.universetoday.com/170119/can-entangled-particles-communicate-faster-than-light/

 

Sérgio Sacani

Formado em geofísica pelo IAG da USP, mestre em engenharia do petróleo pela UNICAMP e doutor em geociências pela UNICAMP. Sérgio está à frente do Space Today, o maior canal de notícias sobre astronomia do Brasil.

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