Uma nova descoberta está lançando luz sobre como o flúor — um elemento que se encontra nos nossos ossos e dentes — se forma no Universo. Com o auxílio do Atacama Large Millimeter/submillimeter Array, do qual o ESO é parceiro, uma equipe de astrônomos detectou este elemento numa galáxia que está tão longe que a sua luz demora mais de 12 bilhões de anos a chegar até nós. Esta é a primeira vez que se descobre flúor em uma galáxia com formação estelar tão distante.
“Todos nós conhecemos o flúor porque a pasta de dentes que usamos todos os dias o contém”, explica Maximilien Franco da Universidade de Hertfordshire no Reino Unido, que liderou este novo estudo publicado hoje na revista Nature Astronomy. Tal como a maioria dos elementos que nos rodeiam, o flúor é criado no interior das estrelas, mas, até agora, não sabíamos exatamente como é que este elemento se formava. “Nem sequer sabíamos que tipo de estrelas dava origem à maior parte do flúor que existe no Universo!”
Franco e colegas descobriram flúor (sob a forma de fluoreto de hidrogênio) nas enormes nuvens de gás da galáxia distante NGP-190387, a qual observamos quando o Universo tinha apenas 1,4 bilhão de anos de idade, ou seja, cerca de 10% da sua idade atual. Uma vez que as estrelas expelem os elementos que formam nos seus núcleos quando chegam ao fim das suas vidas, esta detecção implica que as estrelas que formaram o flúor devem ter vivido e morrido muito rapidamente.
A equipe pensa que estrelas do tipo Wolf-Rayet, estrelas muito massivas com um tempo de vida de apenas alguns milhões de anos, o que corresponde a um piscar de olhos na história do Universo, são os locais mais prováveis de produção de flúor. Os cientistas acham que estas estrelas são necessárias para explicar as enormes quantidades de fluoreto de hidrogênio descobertas pela equipe. As estrelas Wolf-Rayet tinham já sido sugeridas anteriormente como possíveis fontes de flúor cósmico, no entanto, até agora, os astrônomos não sabiam o quão importantes elas eram na produção deste elemento no Universo primordial.
“Descobrimos que as estrelas Wolf-Rayet, que se encontram entre as mais massivas que conhecemos e podem explodir de forma violenta quando chegam ao final das suas vidas, nos ajudam, de certo modo, a manter uma boa higiene bucal!” exclama Franco de modo brincalhão.
Além dessas estrelas, surgiram igualmente no passado outros cenários para explicar como é que o flúor é produzido e expelido, como por exemplo as pulsações de estrelas gigantes evoluídas com massas que vão até algumas vezes a do nosso Sol, as chamadas estrelas do ramo das assimtóticas gigantes. No entanto, a equipe acredita que estes cenários, alguns dos quais com uma duração de bilhões de anos, podem não explicar completamente a quantidade de flúor que vemos na NGP-190387.
“Esta galáxia precisou de apenas algumas dezenas ou centenas de milhões de anos para ter níveis de flúor comparáveis aos encontrados em estrelas na Via Láctea, que tem 13,5 bilhões de anos de idade. Este é um resultado completamente inesperado”, explica Chiaki Kobayashi, Professora na Universidade de Hertfordshire. “As nossas medições colocam novos limites na origem do flúor, que estudamos já há duas décadas”.
Esta descoberta na NGP-190387 marca uma das primeiras detecções de flúor fora da Via Láctea e galáxias vizinhas. Os astrônomos tinham já detectado anteriormente este elemento em quasares distantes, objetos brilhantes alimentados por buracos negros supermassivos situados no centro de algumas galáxias. No entanto, e até agora, nunca tinha sido observado flúor numa galáxia com formação estelar, tão cedo na história do Universo.
A detecção do flúor pela equipe foi uma descoberta casual e que foi possível graças ao uso de observatórios colocados no solo e no espaço. A NGP-190387, descoberta originalmente pelo Observatório Espacial Herschel da Agência Espacial Europeia e observada mais tarde com o ALMA, no Chile, é extraordinariamente brilhante para a distância em que está. Os dados ALMA confirmaram que a luminosidade excepcional da NGP-190387 é em parte causada por outra galáxia massiva conhecida, localizada entre a NGP-190387 e a Terra, muito próximo da nossa linha de visada. Esta galáxia massiva amplificou a luz observada por Franco e a sua equipe, permitindo-lhes identificar a fraca radiação emitida há bilhões de anos pelo flúor da NGP-190387.
Estudos futuros da NGP-190387 com o Extremely Large Telescope (ELT) — o novo projeto emblemático do ESO em construção no Chile e previsto para começar a operar no final desta década — poderão revelar mais segredos sobre esta galáxia. “O ALMA é sensível à radiação emitida pelo gás interestelar frio e pela poeira”, diz Chentao Yang, bolsista do ESO no Chile. “Com o ELT seremos capazes de observar a NGP-190387 através da luz direta das estrelas, o que nos dará informação crucial sobre o conteúdo estelar desta galáxia”.
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