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21 de dezembro de 2024

As Refeições Programadas De Um Buraco Negro Supermassivo

Os eventos de interrupção das marés (TDEs) representam um fenômeno fascinante e crucial para a compreensão das interações entre estrelas e buracos negros supermassivos (SMBHs). Estes eventos ocorrem quando uma estrela se aproxima demasiadamente de uma SMBH, resultando em sua destruição parcial ou total. Desde a sua descoberta na década de 1990, os TDEs têm sido objeto de intenso estudo, proporcionando insights valiosos sobre a dinâmica desses gigantes cósmicos e seus arredores.

Os TDEs foram identificados pela primeira vez através de observações de raios-X com o telescópio ROSAT e, desde então, têm sido detectados em diversas pesquisas ópticas e de raios-X, como ASASSN, ATLAS, Zwicky Transient Facility e eROSITA. A taxa observada desses eventos é relativamente baixa, ocorrendo aproximadamente uma vez a cada 10.000 a 100.000 anos por galáxia. No entanto, a expectativa é que futuros observatórios, como o Observatório Rubin, possam identificar mais de 100 eventos anualmente, ampliando significativamente nosso conhecimento sobre esses fenômenos.

Os TDEs ocorrem quando uma estrela se aventura muito perto de uma SMBH, resultando em sua destruição ou interrupção parcial devido às intensas forças de maré. Essas forças são tão poderosas que podem esticar e comprimir a estrela, eventualmente rompendo-a em fragmentos. Este processo gera uma liberação massiva de energia, que pode ser observada em várias faixas do espectro eletromagnético, incluindo raios-X, ultravioleta (UV) e óptico. A observação desses eventos fornece uma janela única para estudar as propriedades e o comportamento das SMBHs, bem como a física das interações de maré.

Um dos aspectos mais intrigantes dos TDEs é a variabilidade de suas emissões. Após a interrupção inicial, os detritos estelares formam um disco de acreção ao redor da SMBH, onde o material é gradualmente consumido. Este processo de acreção é responsável pela emissão de raios-X e UV, que pode durar meses ou até anos. A análise dessas emissões permite aos cientistas inferir a taxa de acreção e a massa da SMBH, além de fornecer pistas sobre a estrutura do disco de acreção e os mecanismos de dissipação de energia.

Além disso, os TDEs têm implicações significativas para a compreensão da evolução das galáxias. As SMBHs estão presentes no centro da maioria das galáxias massivas, e os TDEs oferecem uma oportunidade para estudar como essas SMBHs crescem e influenciam seu ambiente. A interação entre a SMBH e a estrela interrompida pode gerar jatos relativísticos e fluxos de material que afetam a formação de estrelas e a distribuição de gás na galáxia hospedeira. Portanto, os TDEs não são apenas eventos espetaculares por si só, mas também são fundamentais para entender a dinâmica e a evolução das galáxias no universo.

Recentemente, uma nova subclasse de eventos de interrupção das marés (TDEs) foi descoberta, caracterizada pela repetição de eventos em escalas de tempo que variam de meses a anos. Um exemplo notável dessa subclasse é o TDE AT2018fyk, identificado em 2018. Este evento específico exibiu um comportamento sem precedentes, permanecendo brilhante em raios-X e ultravioleta (UV) por aproximadamente 500 dias antes de sofrer uma diminuição drástica na luminosidade, seguida por um rebrilho significativo cerca de 1200 dias depois. Esse comportamento peculiar sugere a existência de uma estrela em uma órbita limitada ao redor de um buraco negro supermassivo (SMBH), sofrendo interrupções parciais durante cada passagem pelo pericentro.

O AT2018fyk foi inicialmente detectado pela pesquisa óptica ASAS-SN, que observou um aumento repentino na luminosidade do sistema. Subsequentemente, observações com os telescópios NICER, Chandra e XMM-Newton confirmaram que o aumento de brilho foi resultado de um evento de interrupção das marés, onde uma estrela foi parcialmente destruída ao passar muito perto de um SMBH. A estrela, em uma órbita altamente elíptica, experimenta forças de maré intensas durante suas aproximações mais próximas ao buraco negro, resultando na remoção de material estelar e na formação de caudas de detritos estelares.

Para explicar o comportamento observado em AT2018fyk, os pesquisadores propuseram o modelo de TDE parcial repetitivo (rPTDE). Este modelo sugere que a queda repentina na luminosidade e o subsequente reclareamento podem ser explicados pelo retorno de detritos interrompidos pelas marés ao SMBH. Esses detritos, ao retornar, perdem energia e são eventualmente consumidos pelo buraco negro, resultando em um aumento significativo na luminosidade em raios-X e UV. O tempo entre o corte e o rebrilho corresponde ao período orbital da estrela, estimado em aproximadamente 1200 dias.

Observações contínuas com os telescópios Swift, NICER, XMM-Newton e Chandra forneceram evidências adicionais que suportam o modelo rPTDE. Um segundo ponto de corte na emissão de raios-X foi observado em 1830 ± 29 dias, permitindo uma determinação mais precisa do período orbital da estrela, agora estimado em 1306 ± 47 dias. Essas observações confirmam que as emissões de raios-X e UV/ópticas rastreiam a taxa de retorno dos detritos ao SMBH, uma suposição crítica que anteriormente carecia de verificação observacional.

O modelo rPTDE também faz previsões para futuras observações. Com base nos dados atuais, os pesquisadores preveem que outro aumento de brilho ocorrerá entre maio e agosto de 2025, seguido por um terceiro desligamento entre janeiro e julho de 2027. Essas previsões fornecem uma oportunidade única para testar a validade do modelo e aprofundar nossa compreensão das interações entre estrelas e buracos negros supermassivos.

As descobertas relacionadas ao AT2018fyk têm implicações profundas para nossa compreensão das SMBHs e seus arredores imediatos. Tradicionalmente, os TDEs têm sido uma janela crucial para observar e estudar os processos que ocorrem nas proximidades desses gigantes cósmicos. A interrupção de uma estrela por uma SMBH não apenas fornece informações sobre a massa e a rotação do buraco negro, mas também sobre a estrutura interna da estrela e a dinâmica dos detritos estelares. Observações detalhadas de TDEs, como as realizadas para AT2018fyk, revelam fenômenos complexos, incluindo fluxos poderosos e jatos relativísticos que se assemelham aos observados em blazares. Esses jatos são de particular interesse, pois podem fornecer pistas sobre os mecanismos de acreção e ejeção de matéria em torno de SMBHs.

Além disso, alguns TDEs, incluindo AT2018fyk, mostraram emissões de rádio síncrotron, que podem se originar de choques internos dentro de um jato ou de choques externos com o meio ambiente circundante. Essas emissões são fundamentais para entender a interação entre os detritos estelares e o meio interestelar, bem como os processos de aceleração de partículas em ambientes extremos. As observações de AT2018fyk oferecem uma oportunidade única para estudar a evolução temporal dessas emissões e os processos físicos subjacentes que as governam.

Embora o modelo rPTDE forneça uma explicação robusta e convincente para o comportamento observado de AT2018fyk, é importante considerar interpretações alternativas que possam explicar os mesmos fenômenos. Uma dessas interpretações sugere que a redução na luminosidade observada pode ser atribuída à presença de um buraco negro companheiro. Nesse cenário, o buraco negro disruptor teria uma massa significativamente menor em comparação com o buraco negro primário. Em sistemas de proporção de massa extrema, um escurecimento dramático pode ocorrer quando os detritos retirados pelas marés se aproximam da esfera de Hill do buraco negro secundário após o primeiro encontro, desde que a orientação do binário seja favorável.

Essa interpretação alternativa levanta questões interessantes sobre a dinâmica de sistemas binários de buracos negros e a interação entre os detritos estelares e os dois buracos negros. Se confirmada, essa hipótese poderia fornecer novos insights sobre a formação e evolução de sistemas binários de buracos negros, bem como sobre os processos de interrupção de maré em ambientes complexos. No entanto, mais observações e estudos teóricos são necessários para validar ou refutar essa interpretação.

Em resumo, as descobertas relacionadas a AT2018fyk não apenas ampliam nosso conhecimento sobre os TDEs e as SMBHs, mas também abrem novas avenidas para explorar fenômenos astrofísicos complexos. A consideração de interpretações alternativas e a realização de observações futuras serão cruciais para aprofundar nossa compreensão desses eventos cósmicos e suas implicações para a astrofísica.

Os pesquisadores enfatizam a importância de observações futuras para testar o modelo de TDE parcial repetitivo (rPTDE). O terceiro aumento de brilho previsto para o início de 2025 e o subsequente desligamento em 2027 fornecerão evidências críticas a favor ou contra o modelo. Se a estrela girar até uma fração mais próxima da velocidade angular no pericentro em seu terceiro encontro, um tempo de recuo reduzido é esperado, fornecendo outro teste do modelo. A observação ou a falta dela dessas características será crucial na validação do cenário proposto. A continuidade do monitoramento com telescópios avançados como o Chandra, Swift e XMM-Newton será essencial para capturar esses eventos e refinar ainda mais nossas teorias sobre as interações entre estrelas e buracos negros supermassivos (SMBHs).

As descobertas deste estudo têm implicações mais amplas para o campo da astrofísica. Ao aprimorar nossa compreensão dos TDEs e das interações entre estrelas e SMBHs, a pesquisa contribui para o nosso conhecimento da evolução das galáxias e do papel dos SMBHs na formação de seus ambientes. Os TDEs oferecem uma janela única para estudar a física extrema ao redor dos buracos negros, incluindo a formação de discos de acreção e a emissão de jatos relativísticos. Além disso, a detecção de emissões de rádio síncrotron em alguns TDEs sugere a presença de choques internos e externos, proporcionando insights sobre os processos de aceleração de partículas em ambientes extremos. O estudo também destaca o potencial de futuras descobertas com os próximos observatórios, que devem identificar um grande número de TDEs e fornecer novas oportunidades de pesquisa.

Em conclusão, a pesquisa sobre AT2018fyk representa um avanço significativo em nossa compreensão da repetição de eventos de interrupção das marés e suas implicações para a astrofísica. Ao fornecer informações detalhadas sobre a dinâmica desses eventos e os processos que os governam, o estudo abre novos caminhos para pesquisa e exploração. À medida que observações futuras continuarem testando o modelo rPTDE, as descobertas deste estudo servirão como base para futuras investigações sobre as fascinantes interações entre estrelas e buracos negros supermassivos. A validação ou refutação do modelo rPTDE terá implicações profundas para nossa compreensão dos processos de acreção e da evolução estelar em ambientes extremos.

À medida que o campo da pesquisa de TDE continua evoluindo, o estudo do AT2018fyk serve como um lembrete da complexidade e do dinamismo do universo. Com o potencial de novas descobertas e insights, os pesquisadores estão prontos para aprofundar nossa compreensão desses fenômenos cósmicos e seu papel no contexto mais amplo da evolução das galáxias. O futuro dos estudos de TDE promete ser uma jornada emocionante e transformadora, com o potencial de desvendar os mistérios do universo e nosso lugar nele. A colaboração internacional e o desenvolvimento de novas tecnologias de observação serão fundamentais para avançar neste campo, permitindo que os cientistas explorem mais profundamente as interações entre estrelas e buracos negros e revelem os segredos mais profundos do cosmos.

Fontes:

https://www.nasa.gov/image-article/nasa-telescopes-work-out-black-holes-snack-schedule/

Sérgio Sacani

Formado em geofísica pelo IAG da USP, mestre em engenharia do petróleo pela UNICAMP e doutor em geociências pela UNICAMP. Sérgio está à frente do Space Today, o maior canal de notícias sobre astronomia do Brasil.

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