Dificilmente escrevo um post nesse blog de minha própria autoria, embora todos tenham uma certa interpretação feita por mim. Mas hoje é uma data especial, estou comemorando 1000 posts no blog, isso mesmo, esse é o milésimo post que publico aqui. Para comemorar isso resolvi escrever algo do próprio pulso, ou teclas se preferirem. Foi difícil escolher um tema, mas optei pela poluição luminosa, que é um problema sério enfrentado atualmente, não é um problema só astronômico e muitos pensam que não é poluição, mas ela causa um desperdício total de energia.
Imagem da Terra vista a noite pelos satélites da NASA e NOAA. Nota-se claramente como a luz dos grandes centros urbanos se destacam na imagem.
Exemplo de como a poluição luminosa proveniente de uma grande cidade pode atrapalhar a observação de estrelas no céu.
Li uma notícia que até certo ponto não sei se é para ficar feliz ou muito preocupado. Descobri quem em São Paulo existem 505000 pontos de iluminação. Seria isso bom ou ruim? Li também que 9000 lâmpadas queimam por mês na capital paulista, será que isso não é preocupante? Lógico, todos nós precisamos da iluminação pública, é algo muito importante principalmente para a nossa segurança. A questão é, será que essa iluminação está sendo bem feira? Quais os problemas que ela pode trazer além do óbvio desperdício do dinheiro público?
Exemplo semelhante ao da figura anterior, mostrando como a luz de metrópoles podem prejudicar mais ainda a visibilidade do céu.
Imagens comparativas feitas desde o observatório de Kit Peak mostrando como o crescimento da cidade foi prejudicando cada vez mais a visibilidade do céu.
Iluminar bem uma cidade não quer dizer colocar um número enorme de pontos de iluminação. Iluminar bem quer dizer utilizar toda a luz gerada por uma lâmpada da forma mais eficiente possível e sem desperdícios. O erro na iluminação pública começa nos próprios postes que possuem uma altura errada para proporcionar a correta luminosidade para o local desejado. Dependendo da altura desde poste muita luz é gerada e literalmente enviada para o espaço. Depois da altura errada dos postes outro vilão é o bulbo da lâmpadas, ou seja, aquela parte de vidro que envolve a lâmpada e que é saliente nos poste. A forma desde bulbo também faz com que boa parte da luz seja emitida para lugares onde não se precisa dela, o espaço, fazendo com que seja necessário gastar muito mais energia para iluminar de forma ainda insatisfatória um determinado local que seria iluminado de maneira muito mais eficiente, ou seja, gastando-se menos e garantindo uma melhor claridade para o local. A esse desperdício de luz que é enviada ao espaço se dá o nome de poluição luminosa. Esse tipo de poluição pode ser claramente constatada a partir de “belas” imagens feitas da Terra a noite, onde se pode observar toda a luz que é enviada ao espaço. A primeira figura aqui apresentada mostra a Terra a noite, ou a imagem que teria um ser alienígena quando estivesse se aproximando do nosso planeta. Será que ele iria repensar seu ataque a observar uma imagem dessas.
Imagem completa do céu na região do Observatório Kit Peak, mostrando como as cidades próximas influenciam na qualidade do céu estudado pelos astrônomos ali baseados.
Iluminação de qualidade onde a altura dos postes, o tipo de lâmpada e o bulbo que protege a lâmpada foram fatores integrados para garantir uma eficiente iluminação do local desejado e um baixo desperdício.
No início da discussão sobre esse tema nos agora longínquos anos de 1990, os únicos interessados e preocupados, com razão eram os aficionados em astronomia que acompanhavam aos poucos o seu céu indo embora dando lugar a uma horrível claridade, que tomava desde o horizonte até uma altura considerável,impedindo que determinados objetos e alguns fenômenos específicos que acontecessem baixo no céu pudessem ser vistos. O tempo passou e junto com ele as pressões econômicas as crises e tudo mais, fez com que o poder público começasse a dar valor para esse tema, será?
Tipos de bulbos de lâmpadas utilizados e a influência deles na qualidade do céu observado. Começamos com bulbos que emitem quase que a totalidade da luz para o céu até o bulbo certo de ser utilizado onde a iluminação é concentrada na região de interesse sem que seja emitida em direção as estrelas.
Comparação mostra como a observação das estrelas é afetada quando estamos sob diferentes tipos de céu, desde aqueles no centro de grandes cidades, até aqueles em locais afastados das cidades.
Em alguns países do mundo e em algumas cidades também esse paradigma da iluminação já foi quebrado e a correta utilização dos pontos luminosos auxilia e muito, a segurança, a natureza e porque não a beleza do local. Uma das primeiras cidades do mundo a aferir ao correto uso dos postes foi a cidade de Tucson, Arizona, nos EUA. Famosa por abrigar um dos melhores observatórios astronômicos do mundo o Observatório de Kitt Peak, nas suas imediações essa cidade se viu na obrigação de utilizar de maneira correta a luz artificial principalmente nesse caso para preservar o céu noturno sem prejudicar as pesquisas astronômicas desenvolvidas na cidade. É evidente a melhora conseguida com a construção de postes na altura correta, no emprego de lâmpadas corretas e na construção adequada de bulbos escondidos. Com isso foi possível aproveitar de maneira mais que eficiente a luz elétrica gerada, garantindo uma iluminação do local desejado perfeita sem o desperdício e sem afetar o céu para as observações astronômicas.
Comparação agora feita considerando a porcentagem da energia que é liberada para o céu e a influência que essa iluminação tem na observação dos astros.
Comparação feita de uma foto tirada da constelação de Orion a esquerda sem a influência da poluição luminosa e à direita com a influência desse tipo de poluição.
Pode-se dizer que o estudo mais aprofundado do problemas da poluição luminosa nasceu a partir do momento que a evolução e o crescimento das cidades começou a incomodar os pesquisadores antes acostumados com céus extremamente escuros para a realização de seus estudos. E com isso veio a idéia de se monitorar o crescimento da poluição luminosa no mundo. A Administração Nacional de Atmosfera e Oceano o NOAA, investiu então em satélites capazes de fotografar os planeta Terra a noite fornecendo o verdadeiro impacto desse problemas. além disso ele conta também com a participação de astronautas, principalmente aqueles que estão na Estação Espacial Internacional, para fotografar a Terra a noite e então utilizar essas imagens para estudos mais profundos do problemas.
Imagens mostrando a influência da poluição luminosa no Observatório do Monte Palomar, como metrópoles afetam o céu noturno.
Mas como resolver esse problema e quais o benefícios que isso trará para todos os seres humanos? Lógico que a solução não é trivial, ela passa por uma completa reestruturação de coisas já existentes, ou seja, uma verdadeira quebra de paradigma. As principais medidas que podem ser tomadas de imediato são alterar a altura dos postes, mudar os tipos de lâmpadas e mudar os tipos de bulbos onde as lâmpadas são colocadas. Dependendo da combinação desses fatores, pode-se desperdiçar mais de 70% da luz que é gerada, enviando-a diretamente para o céu, que convenhamos não precisa da nossa iluminação.
Mapas construídos com base nas informações registradas pelos satélites do NOAA, mostrando o grau de poluição luminosa que atinge todo o planeta (imagem inferior) e um detalhe da América do Sul (imagem superior). Na imagem da América do Sul é possível ver que a região sudeste do Brasil, principalmente o triângulo Rio – São Paulo – Belo horizonte é a mais afetada por esse tipo de poluição.
Lógico que mudar tudo que existe é algo praticamente impossível, porém se mudarmos a partir de agora uma meta pode ser atingida, ou seja, manter a situação como está e não piorar. Isso aconteceu no observatório de Kit Peak, onde devido a uma boa política pública voltada para manter o céu próximo de um dos melhores observatórios do mundo com boa qualidade, os últimos 20 anos apresentaram pouca alteração se mantendo ainda com uma qualidade boa para as observações. Embora isso ocorra na cidade de Tucson, que foi a primeira cidade a despertar para esse problema, isso pode dar ensinamento para muitos locais do mundo onde o céu está aos poucos sendo perdido. Em outro observatório importante, por exemplo, como o Monte Palomar, essa recuperação é muito complicada e boa parte do céu já foi perdida, pois ele se localiza próximo a Los Angeles, San Diego e outras grandes cidades da Califórnia.
Tipos de bulbos utilizados na iluminação pública e a sua influência na poluição luminosa (imagem superior), tipos de lâmpadas com seus respectivos espectros. A combinação desses dois fatores, somados à altura dos postes pode ser uma solução para o problema da poluição luminosa.
Mas existem exemplos práticos dessa preocupação com a poluição luminosa? Sim, na Austrália, por exemplo, observou-se que o país estava gastando dezenas de milhões de dólares produzindo energia que era totalmente desperdiçada, além de emitir centenas de milhares de toneladas de dióxido de carbono necessário para produzir essa energia desperdiçada por ano. Mais uma vez, com uma política pública correta, foi possível criar uma iluminação pública melhor, com melhor qualidade, mais eficiente e que contribui efetivamente para a segurança. Essa política também permitiu que as estrelas voltassem a brilhar os céus australianos devido a redução do brilho que invadia o céu. Na Austrália, as lâmpadas foram trocadas, os postes alterados e o bulbo das lâmpadas também manufaturados de modo a garantir uma iluminação de qualidade.
Duas imagens mostrando mais uma vez a diferença entre regiões iluminadas corretamente e regiões iluminadas de maneira errada (imagem superior). Na imagem inferior é feito um estudo sobre a qualidade do céu nos principais parques nacionais americanos.
É triste ver, aqui no Brasil, principalmente em época de eleições que ninguém, nenhum candidato esteja nem um pouco preocupado com a poluição luminosa, aliás ao contrário eles devem estar pensando como na matéria que li temos que iluminar mais a cidade, afinal é questão de segurança. O resultado disso será, a rua continuará perigosa, o desperdício de luz permanecerá alto, a emissão de carbono para gerar mais energia desperdiçada continuará aumentando e para nós, ou pelo menos para mim, um apaixonado pela astronomia o céu estrelado cada vez mais será privilégio de quem mora no interior de quem vive numa fazenda, bem longe das luzes da cidade. Vinte anos já se passaram desde que a luta contra esse tipo de poluição começou e espero estar aqui daqui vinte anos para fazermos um levantamento de como as coisas estarão. Todos nós que amamos a astronomia esperamos sinceramente que as coisas melhorem e vamos de algum modo tentar lutar para que isso aconteça. Desejo céu escuros a todos.
Duas imagens mostrando como se pode solucionar o problema da poluição luminosa, com a integração de uma altura correta dos postes, a utilização de lâmpadas eficientes e o uso de bulbos que concentrem a luz na região de interesse.
Comparação feita com as informações obtidas pelos satélites do NOAA e da NASA mostrando como a poluição luminosa avançou nos EUA de 1950 até 1997 e fazendo uma previsão catastrófica de como pode ficar os EUA em 2025 em respeito à poluição luminosa de seu céu.
Fontes:
http://www.skyandtelescope.com/community/skyblog/newsblog/103919973.html
http://palomarskies.blogspot.com/2009/03/earth-hour-from-palomar-mountain.html
http://www.astronomyknowhow.com/light-pollution.htm
http://www.lightpollution.it/dmsp/
http://www.asc-csa.gc.ca/eng/educators/resources/stars/light.asp
http://www.assa.org.au/lightpollution/solution.asp
http://www.darksky.org/mc/page.do;jsessionid=F1C98A972A0809BCBDAFC10A1B05A07D.mc0?sitePageId=119791