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Seriam os Títulos Responsáveis pela Formação dos Cientistas?

A revista Nature na sua edição de 4 de Março de 2010, trouxe um belo editorial que indaga a necessidade dos cientistas precisarem de um PhD para serem considerados realmente cientistas. Nesse editorial a revista exemplifica o caso da China, aonde estudantes com formação de pós- graduação conduzem excelentes pesquisas sobre o genoma. Será que o título então é realmente importante?

Essa com certeza é uma discussão profunda em termos mundiais onde os critérios de avaliação, a rigidez do ensino e os pré-requisitos são bem diferentes de país para país. Se essa análise for realizada somente no Brasil também terá que ser feita com cuidado. Começando do começo, no mestrado, quantas pessoas que fazem mestrado atualmente e que pretendem seguir uma linha acadêmica em suas vidas? Quantas estão fazendo mestrado pelo simples fato de não ter conseguido um emprego e se garantir numa universidade por mais dois anos com uma bolsa? Sabe-se que muitos se enquadram na segunda questão. Porém uma seleção natural existe, e aí acho que está o ponto crucial de toda essa discussão. Aqueles que estão no mestrado simplesmente para esperar uma melhor oportunidade, dificilmente irão se adaptar ao rigor acadêmico, ao pensamento científico, e com isso irão de uma forma ou de outra ou irão abandonar a rotina dos estudos ou serão absorvidos pela sociedade em outras atividades. Como no caso do futebol, onde muitos tentam ser um Pelé, um Zico, um Cristiano Ronaldo, mas poucos conseguem, na academia acontece a mesma coisa. O dom faz parte do processo, existem pessoas que possuem que são predestinadas ao pensamento científico, que desde crianças, estudam por conta própria temas diferenciados, que se interessam por outras atividades, ou seja, toda a metodologia científica já está de certo modo amadurecida. Enquanto isso, os demais terão que durante o processo de um mestrado amadurecer muito rapidamente para então pensar em uma vida acadêmica.

Já no doutorado, a questão se torna mais delicada. Mesmo dentro daqueles sobreviventes do mestrado e que ingressam em um doutorado nem todos pretendem seguir uma vida acadêmica. É comum nesse processo se depararem com propostas até certo ponto irrecusáveis que o fazem abandonar a vida acadêmica. E daqueles que permanecem o que se pode esperar? Desses verdadeiros sobreviventes existe uma grande duvida também. Serão eles bons professores, bons pesquisadores, ou ambos, será que o doutorado os prepara para ministrar uma boa aula, ou os prepara para serem excelentes pesquisadores e desenvolverem pesquisas de ponta? Isso até hoje, nas grandes universidades brasileiras é muito discutido, a diferença entre professor e pesquisador. Já está mais que comprovado que dificilmente a pessoa será um bom professor e um bom pesquisador ao mesmo tempo, mesmo porque são funções que possuem exigências diferentes. Sabe-se que as grandes universidades exigem certos números de publicações e que isso pode se tornar uma cobrança muito maior até do que aquela que ocorre nas grandes empresas. Com um tempo destinado para aumentar os números de publicação, fica difícil para uma pessoa conseguir preparar uma aula de alto nível e ministrá-la tranquilamente. O contrário também é válido. Existem pouquíssimos exemplos, como nos esportes de alto desempenho que uma pessoa consegue administrar de maneira eficaz essas duas atividades, que de um certo ponto de vista poderiam ser complementares. Encontrar bons pesquisadores é algo que de certo modo independe de um doutorado. Existem no meio pessoas no meio acadêmico com uma experiência elevadíssima em fazer pesquisa de alto nível e que não passaram por esse crivo de ter um título de doutorado, pode ser que venha a se aperfeiçoar ao fazer um doutorado, como pode ser também que venham a se desmotivar com toda a burocracia acadêmica. O doutorado é sim importante pois pode guiar as pessoas, pode dar um norte para as pesquisas e auxiliar no desenvolvimento das mesmas, mas com toda a certeza não é um fator mandatório para formar bons pesquisadores. Se assim fosse, quantos excelentes pesquisadores existiriam atualmente, só pelo fato de terem terminado um doutorado. A formação acadêmica, e o amadurecimento não ocorrem só nas arcadas centenárias das grandes instituições de ensino, muitas vezes no simples lar, embaixo de uma árvore, em um escritório de patentes, pode-se encontrar mentes realmente brilhantes e que sem sombra de dúvidas podem sim serem chamados de verdadeiros cientistas.

Sérgio Sacani

Formado em geofísica pelo IAG da USP, mestre em engenharia do petróleo pela UNICAMP e doutor em geociências pela UNICAMP. Sérgio está à frente do Space Today, o maior canal de notícias sobre astronomia do Brasil.

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